Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A Anistia Internacional declarou nesta terça-feira (26/08) que a “destruição deliberada de propriedades e terras civis” por Israel durante sua guerra contra o Líbano “deve ser investigada como crime de guerra”.

Um novo relatório da organização de direitos humanos analisa o período desde o início da invasão terrestre de Israel no Líbano, em 1º de outubro de 2024, até 26 de janeiro de 2025 — data em que nenhuma ofensiva deveria ter sido realizada uma vez que Tel Aviv e o grupo militante libanês Hezbollah estavam sob o acordo de cessar-fogo, alcançado em 27 de novembro de 2024.

O documento, redigido pelo Laboratório de Evidências de Crise da Anistia Internacional, baseou-se em “uma vasta gama de evidências visuais – incluindo 77 vídeos e fotografias verificados, além de imagens de satélite – para investigar os danos e quantificar os edifícios gravemente danificados ou destruídos”.

A Anistia Internacional também reuniu declarações compartilhadas pelos militares israelenses e pelo grupo de resistência libanesa Hezbollah em seus canais oficiais e analisou notícias e dados coletados por outras organizações para elaborar um cronograma e conduzir uma análise contextual. A organização ainda entrevistou 11 moradores de vilarejos fronteiriços no sul do Líbano para realizar o relatório.

De acordo com as provas, as Forças de Defesa Israelenses (IDF, na sigla em inglês) instalaram manualmente explosivos e utilizaram de escavadeiras “para devastar estruturas civis, incluindo casas, mesquitas, cemitérios, estradas, parques e campos de futebol” em 24 municípios libaneses. “Em alguns vídeos, os soldados se filmaram celebrando a destruição cantando e comemorando”, denunciou a Anistia Internacional.

Israel “danificou gravemente” ou destruiu mais de 10 mil estruturas, sendo grande parte inclusive após a aplicação do cessar-fogo. Outra característica das ofensivas realizadas por Israel é que foram realizadas “fora do contexto de combate”, ou seja, após tomarem controle das regiões — o que configura violação do Direito Internacional Humanitário (DIH).

“O DIH proíbe a destruição de propriedade civil, a menos que seja exigida por necessidade militar imperativa. A investigação da Anistia Internacional constatou que, em muitos casos, a destruição extensiva de estruturas civis foi realizada pelo exército israelense na aparente ausência de necessidade militar imperativa e em violação ao DIH”, escreveu.

A diretora Sênior de Pesquisa, Advocacia, Políticas e Campanhas da Anistia Internacional, Erika Guevara Rosas, identificou que tais “atos de destruição foram cometidos intencionalmente ou de forma imprudente”, e portanto, “devem ser investigados como crimes de guerra”.

“A destruição de casas, propriedades e terras de civis pelo exército israelense no sul do Líbano tornou áreas inteiras inabitáveis ​​e arruinou inúmeras vidas”, disse Rosas no relatório.

“As evidências que analisamos mostram claramente que as tropas israelenses deixaram deliberadamente um rastro de devastação ao se deslocarem pela região. Seu flagrante desrespeito pelas comunidades que destruíram é abominável”, considerou a organização.

As IDF justificaram a destruição de estruturas civis como ferramenta para “evitar ataques futuros” e porque algumas dessas estruturas haviam supostamente sido usadas anteriormente por combatentes do Hezbollah.

Contudo, a Anistia Internacional observa que “a destruição extensiva de propriedade civil para impedir que uma parte opositora lance ataques no futuro não atende ao padrão de necessidade militar imperativa previsto no DIH” e que “o uso prévio de um edifício civil por uma parte em conflito não o torna automaticamente um objetivo militar”.

Destruição de mesquita e prédios próximos em Dhayra, no sul do Líbano, por explosivos colocados manualmente por Israel
Anistia Internacional

No início de sua invasão terrestre contra o Líbano, em 1º de outubro de 2024, Israel disse estar “conduzindo ataques localizados, limitados e direcionados, com base em informações precisas de inteligência, contra alvos terroristas e infraestrutura do Hezbollah“. No entanto, a análise da Anistia Internacional também revelou “vasta destruição em quase toda a fronteira sul de 120 km com Israel”.

“Destruição foi muito além” de estruturas do Hezbollah

As imagens de satélite analisadas pela Anistia Internacional mostram que os municípios de Yarin, Dhayra e Boustane, no distrito de Tiro, foram os mais afetados, com mais de 70% de seus edifícios destruídos no período analisado. Outros municípios também tiveram mais da metade de suas estruturas destruídas.

Na cidade de Kfar Kila, onde mais de 1.300 estruturas e 54 hectares de pomares foram gravemente danificados ou destruídos por Israel, a Anistia Internacional concluiu que “a destruição de estruturas civis foi muito além dos edifícios supostamente abrigados pela infraestrutura do Hezbollah .

A Anistia Internacional também documentou a destruição de um campo de futebol no início de novembro de 2024. “Enquanto destruíam o campo com uma escavadeira, os militares israelenses também esculpiram uma Estrela de Davi, um símbolo judaico, em uma área de estacionamento, em mais uma evidência da natureza desnecessária da destruição”.

Zeinab* [cujo nome foi alterado pela Anistia Internacional por questões de segurança], cidadão libanês que deixou Kfar Kila no final de 2023 após ataques aéreos israelenses, retornou ao local em novembro de 2024, mas relatou à organização que não conseguia “descrever a destruição massiva e a devastação total”. “Não consegui encontrar minha casa, nem nenhuma casa. Encontrei escombros, destruição e pedras no chão”, testemunhou.

Em Maroun el Ras, onde 700 estruturas foram destruídas ou gravemente danificadas até dois meses após o acordo de cessar-fogo entrar em vigor, a Anistia Internacional destaca a destruição ilegal de um campo de futebol e um playground.

“Um vídeo publicado nas redes sociais em 8 de outubro de 2024 mostrou soldados hasteando a bandeira israelense nas ruínas do jardim. Vídeos publicados nos dias seguintes mostraram uma escavadeira passando por cima da vegetação e dos postes de iluminação do jardim, e uma escavadeira destruindo uma estátua”, descreveu o documento.

Hajj Muhammad Srour, prefeito da cidade de Aita Ash-Shaab, uma das mais afetadas pelos ataques de Israel, disse que “a destruição é indescritível e sem paralelo”. “Você sente que não há outro propósito além de criar grandes danos, como se alguém estivesse tentando causar estragos. Perdemos todas as propriedades civis, [que] consistem em casas, terras agrícolas, meios de subsistência das pessoas, lojas, restaurantes. As praças públicas, os lugares onde as pessoas se reuniam em frente às lojas em todos os bairros, o campo de futebol para as crianças e jovens. Tudo desapareceu”, relatou à Anistia Internacional.

Anistia Internacional recomenda que Líbano recorra ao TPI

Rosas destacou que “dada a escala da destruição realizada pelo exército israelense, muitos moradores do sul do Líbano não têm para onde retornar”. Por isso, instou que as autoridades israelenses “forneçam reparações rápidas, completas e adequadas a todas as vítimas de violações do direito internacional humanitário e crimes de guerra” cometidas pelas IDF.

A autoridade da Anistia Internacional ainda indicou que o governo libanês explore “imediatamente todas as vias legais possíveis, incluindo o estabelecimento de um mecanismo interno de reparação e a exigência de reparação às partes em conflito”.

Por outro lado, recomendou que Beirute “reconsidere a concessão de jurisdição ao Tribunal Penal Internacional para investigar e julgar” os crimes que Israel cometeu em seu território.

A diretora Sênior de Pesquisa, Advocacia, Políticas e Campanhas ainda advertiu todos os países que fornecem assistência militar a Israel a “suspender imediatamente” suas transferências, porque há “o risco significativo de que essas armas possam ser usadas para cometer ou facilitar violações graves do direito internacional”.