Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Em discurso de quase quatro horas na plenária do Clube Valdai de Discussões Internacionais, ocorrida nesta quinta-feira (02/10), na cidade de Sóchi, o presidente russo Vladimir Putin criticou a militarização da Europa, defendeu o multilateralismo e elogiou a retórica direta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nas negociações de paz na Ucrânia.

O encontro, informa a agência Tass, reuniu diplomatas, acadêmicos e analistas internacionais, tornou-se um palco para o Kremlin expor sua narrativa sobre o futuro da ordem mundial. Ao tratar do Ocidente, o presidente russo disse que a supremacia dos Estados Unidos e de seus aliados atingiu o auge no final do século passado, mas que não existe força capaz de ditar regras ao mundo. “Foram feitas tentativas, mas todas terminaram em fracasso.”

Putin disse que a narrativa da “ameaça russa” vocalizada pelos líderes europeus é uma forma de desviar atenção dos problemas internos da Europa. “As elites dirigentes da Europa unida continuam a alimentar a histeria. Acontece que a guerra com os russos está praticamente à porta deles. Eles repetem essa bobagem, esse mantra, repetidamente… Francamente, eu tenho vontade de dizer a eles: acalmem-se, descansem um pouco e, finalmente, cuidem de seus próprios problemas.”

O presidente russo também alertou sobre os riscos da militarização acelerada no continente europeu. “Estamos monitorando de perto a crescente militarização da Europa… nossas medidas de resposta não vão demorar a chegar”, alertou. Ele assegurou que qualquer tentativa de impor uma “derrota estratégica” à Rússia será inútil. Mesmo os “cabeças-duras mais obtusos” logo perceberão que isso é impossível, afirmou.

Guerra na Ucrânia

Putin voltou a responsabilizar as potências ocidentais pelo prolongamento da guerra na Ucrânia. “A responsabilidade pelos esforços fracassados em detê-los não recai sobre a maioria, mas sobre a minoria. Isso se refere principalmente à Europa, que constantemente escala o conflito.” Em sua avaliação, o Ocidente e seus “servos em Kiev” consideram o povo da Ucrânia uma “ferramenta destrutiva nas mãos de outros”.

Putin critica ‘histeria antirussa’ e promete resposta à militarização da Europa
Presidência da Rússia / agência Tass

Putin reiterou a disposição para as negociações de paz na Ucrânia e afirmou que as Forças Armadas russas estão avançando de forma consistente e mantêm o controle de áreas estratégicas. “Até hoje, o Exército russo é o mais pronto para o combate.” Ele detalhou ganhos militares em regiões como Kupyansk, Kirovsk e Volchansk, além de sublinhar as pesadas baixas ucranianas.

Ele disse haver “confusão nas fileiras do exército ucraniano; eles não entendem o que está acontecendo na linha de frente”. E apontou números: segundo o líder russo, o exército ucraniano perdeu cerca de 44.700 soldados na linha de combate em setembro. De janeiro a agosto, complementou, um total de 150.000 militares ucranianos desertaram. “Dadas as perdas da Ucrânia, Kiev deveria pensar seriamente em iniciar negociações”, afirmou.

Ele também condenou a prisão pela França, nesta semana, da tripulação de um petroleiro da “frota paralela” da Rússia, acusado de servir como plataforma de lançamento para os voos de drones que forçaram o fechamento de aeroportos dinamarqueses na semana passada. “O petroleiro foi apreendido sem qualquer fundamento em águas neutras. Isso é pirataria”, salientou.

Ordem multipolar

Em contundente defesa do multilateralismo, o líder russo destacou que a atual ordem multipolar é resultado dos fracassos do Ocidente de impor sua hegemonia. Hoje, salientou, o mundo vive uma fase de transição que exige responsabilidade de todos os atores internacionais. “Praticamente nada está predeterminado. Tudo pode se desenrolar de diferentes formas. Muito depende da precisão, da deliberação, da moderação e da reflexão nas ações de cada ator internacional”, afirmou.

Ele ressaltou que o modelo de “blocos” herdado da Guerra Fria não faz mais sentido e que o novo ambiente internacional é regido por pragmatismo e cooperação entre iguais. “As relações dentro da maioria global, o protótipo de práticas políticas necessárias e eficazes em um mundo policêntrico, baseiam-se no pragmatismo e no realismo, na rejeição da filosofia de blocos e na ausência de obrigações rígidas, unilateralmente impostas, ou de modelos com parceiros seniores e juniores.”

Nesse contexto, o líder russo exaltou organizações como os BRICS e a Organização para Cooperação de Xangai (SCO), afirmando que elas representam o espírito da diplomacia do século XXI. “Elas não são contra ninguém; elas são por si mesmas.” Segundo ele, essas iniciativas demonstram que países do Sul Global têm capacidade de se articular de forma independente.

Sobre Gaza, Putin reiterou o apoio à proposta dos Estados Unidos se elas conduzirem à criação de dois Estados, uma etapa chave em sua avaliação para a solução do conflito na região.

Trump

Sobre as relações com Washington, ele adotou um tom conciliador. “Quaisquer que sejam as divergências, se nos tratarmos com respeito, então a negociação, mesmo a mais dura e persistente, ainda terá como objetivo alcançar um consenso, e isso significa que soluções mutuamente aceitáveis são possíveis.” Ele destacou também preferir a franqueza do governo Trump a ambiguidades diplomáticas.

“É sempre melhor entender claramente o que outras pessoas estão fazendo e o que estão tentando alcançar do que tentar discernir o verdadeiro significado em uma série de eufemismos, ambiguidades e insinuações vagas… Vemos que a atual administração dos EUA é guiada, principalmente, pelos interesses do seu próprio país”, afirmou.

Ao final, Putin ironizou os comentários recentes do presidente norte-americano, Donald Trump, que chamou Moscou de “tigre de papel”. “Se estamos confortáveis em estar em guerra com todo o bloco da OTAN, mas somos um tigre de papel, então o que é a OTAN?” questionou.