Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O governo da República Democrática do Congo (RDC) está abrindo extensas áreas de florestas tropicais e habitats críticos de vida selvagem para exploração de petróleo e gás, em um movimento que ameaça comprometer compromissos ambientais internacionais. Segundo reportagem do Guardian, o país planeja licitar mais da metade de seu território em blocos de combustíveis fósseis, colocando em risco ecossistemas únicos e comunidades tradicionais.

De acordo com o jornal britânico, os blocos em leilão abrangem 124 milhões de hectares (cerca de 306 milhões de acres) de terras e águas interiores, incluindo regiões consideradas por especialistas como “o pior lugar do mundo para prospectar petróleo”. Essas áreas concentram grandes reservas de carbono e abrigam espécies ameaçadas, como o gorila-das-terras-baixas e os bonobos.

Neste ano, o governo da RDC iniciou uma nova rodada de licenciamento para 52 blocos petrolíferos, somando-se aos três já concedidos. Uma análise conduzida pela organização Earth Insight, em parceria com o grupo congolês Notre Terre Sans Pétrole, Corap e a Rainforest Foundation UK, indica que 64% da área total licitada corresponde a florestas tropicais intactas.

Ainda segundo o Guardian, especialistas alertam que a expansão das atividades de petróleo e gás entra em choque com os compromissos climáticos assumidos pela RDC. Em julho de 2022, o governo já havia anunciado licitações semelhantes para 30 blocos, mas o processo foi suspenso por falta de concorrência e problemas logísticos. Agora, os mesmos blocos voltam a ser ofertados.

“O pior lugar do mundo para prospectar petróleo está em leilão novamente“, afirmou ao Guardian o professor Simon Lewis, da University College London, que liderou o mapeamento das turfeiras centrais do Congo. Para ele, não há viabilidade econômica nem ambiental para tais projetos. “Será um petróleo caro, em todos os sentidos”.

O novo relatório revela ainda que 72% da área proposta para o Corredor Verde Kivu-Kinshasa — iniciativa de conservação anunciada recentemente pelo governo — se sobrepõe a blocos petrolíferos, levantando dúvidas sobre a coerência da política ambiental do país.

Habitats de gorilas e florestas intocadas estão em risco com a RDC abrindo metade do país para licitações de perfuração de petróleo e gás

Habitats de gorilas e florestas intocadas estão em risco com a RDC abrindo metade do país para licitações de perfuração de petróleo e gás
Robert – Uganda gorilla safari tours / Wikimedia Commons

Entre as regiões ameaçadas está a Cuvette Centrale, maior complexo de turfeiras tropicais do planeta, com extensão comparável à do Nepal. Ela estoca aproximadamente 30 bilhões de toneladas métricas de carbono e é lar de espécies como elefantes-da-floresta, chimpanzés e aves endêmicas.

Apesar de esforços internacionais para financiar a preservação da floresta congolesa, os repasses têm sido insuficientes. O acordo de US$ 500 milhões firmado com a Iniciativa Florestal da África Central (CAFI), anunciado na COP26, previa a entrega de quase US$ 400 milhões até o momento, mas apenas US$ 150 milhões foram efetivamente transferidos. Fontes ouvidas pelo jornal britânico classificam a lentidão como um “fracasso coletivo”, que tem empurrado a RDC em direção a acordos petrolíferos.

Além dos impactos ambientais, a exploração ameaça diretamente a vida de 39 milhões de pessoas que vivem nas áreas licitadas — incluindo comunidades indígenas e populações tradicionais que dependem da floresta e dos rios para sobreviver.

“Imagine: 39 milhões de congoleses… e 64% das nossas florestas podem ser diretamente afetadas pela concessão desses blocos de petróleo”, declarou Pascal Mirindi, da Notre Terre Sans Pétrole, ao Guardian. “Não ficaremos em silêncio enquanto certas pessoas se organizam para vender o nosso futuro.”

O relatório pede que o governo da RDC cancele o leilão previsto para 2025 e defenda um modelo de desenvolvimento que respeite os direitos indígenas e comunitários. “A exploração de petróleo e gás nesses ecossistemas frágeis teria impactos devastadores sobre a biodiversidade, as comunidades, os direitos à terra e o combate global às mudanças climáticas”, afirmou Anna Bebbington, gerente de pesquisa da Earth Insight.

Até o momento, o governo congolês não respondeu aos pedidos de comentário feitos pelo jornal.