Sábado, 6 de dezembro de 2025
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No hemisfério norte, o verão está apenas começando e a população que mora na Europa sofre na pele as consequências do câmbio climático. As temperaturas em várias cidades do velho continente podem ultrapassar os 42ºC e passar o verão por lá não é tarefa fácil.

“Quando preciso fazer alguma coisa nesta época do ano faço tudo rapidinho. Vou de carro com ar-condicionado ligado e volto logo pra casa. O calor me drena tanto que eu nem penso em sair. Quando realmente tenho que fazer algo na rua, vou cedo ou só depois das 19h”, revela a brasileira Simone Henrique Pirani, que mora em Madri há cinco anos.

Na primeira onda de calor que atingiu a Europa entre o fim de junho e o início de julho, em apenas dez dias, cerca de 1,5 mil pessoas morreram na região por conta das temperaturas extremas.

Essa estimativa é do estudo divulgado pelo Imperial College e pela Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical. As mortes aconteceram em 12 cidades europeias como Lisboa, Roma, Paris, Budapeste, Barcelona ou Madri.

Outro dado alarmante, junho de 2025 foi o terceiro mês mais quente da história, de acordo com a série histórica do Copernicus, serviço climático da União Europeia.

A Espanha é um dos países que sofre as consequências do câmbio climático. Há poucos anos, o termômetro chegou a bater 47ºC na região de Córdoba, no sul do país durante o verão.

“Cerca de 90% do câmbio climático que estamos enfrentando vem da produção de combustíveis fósseis. Temos que mudar a maneira como consumimos e produzimos. É muito importante continuar investindo em energia renovável, que produz eletricidade limpa e barata”, acredita Héctor Tejero, diretor do observatório de saúde e câmbio climático do Ministério da Saúde da Espanha.

Madri

Nesta época do ano na Europa, algumas cidades se transformam em ilhas de calor urbano e fica cada vez mais difícil passar o verão nelas. Em Madri existem algumas iniciativas para ajudar a população a superar esses meses difíceis.

“Não gosto de calor excessivo. Em Madri tento não ficar ao ar livre depois das 11h até a noite e bebo água o tempo todo porque o clima daqui é muito seco”, diz a brasileira Tânia Zuccolo, que vive na capital espanhola há um ano.

Os refúgios climáticos ganham cada vez mais destaque por lá. Nos horários mais quentes do dia, museus famosos da capital madrilenha como o Prado, Reina Sofia ou Thyssen-Bornemisza promovem espetáculos de dança para atrair o público aos seus espaços climatizados.

Outra iniciativa é a do Círculo de Belas Artes, que fica no centro de Madri. Durante dois meses o salão de baile de 800m² vira um oásis urbano com mais de 300 plantas. O local que tem entrada gratuita funciona como espaço de descanso, leitura e trabalho para quem quer fugir das altas temperaturas. Além disso, quem viaja durante o verão pode deixar suas plantas ali para que elas recebam água e cuidados.

Outra peculiaridade na Espanha é a jornada reduzida entre junho e setembro. No verão alguns setores autorizam o trabalho das 8h às 15h, para evitar o horário de maior temperatura.

Apesar dessas iniciativas, especialistas acreditam que é preciso fazer muito mais.

“Precisamos mudar tudo, nossos costumes e também o urbanismo das grandes cidades. Trocar o asfalto por outro que não absorva tanto calor, construir corredores para a circulação do ar, criar mais espaços públicos com água e chafarizes para diminuir a temperatura”, explica Rubén Díaz Sierra, coordenador do máster em gestão do câmbio climático da Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED).

Este ano pela primeira vez, a prefeitura de Madri instalou alguns toldos na principal praça da cidade. Puerta del Sol recebe o apelido de “frigideira”, porque a temperatura ali é muito alta e a praça não tem nenhuma vegetação.

A cobertura custou 1,5 milhões de euros (aproximadamente 9,5 milhões de reais) aos cofres públicos e a iniciativa vem ganhando muitas críticas pelo alto custo e pouca eficiência.

“Madri não é o melhor exemplo quando falamos das medidas que ajudam a proteger a população contra os efeitos do calor. Gastaram muito dinheiro para colocar esses toldos, mas realmente essa cobertura não tem nenhuma função. É preciso investir em áreas onde a população mais vulnerável mora, plantando mais árvores e oferecendo políticas públicas para diminuir o calor nesses bairros e também nas residências de idosos”, reclama Tejero.

Em Madri, alguns setores alteram o horário de trabalho durante o verão para evitar o período de maior temperatura
Lucila Runnacles

Paris

Outra cidade europeia que sofre com as altas temperaturas é Paris.

Este ano a novidade é que banhistas podem nadar gratuitamente em três pontos do icônico Rio Sena, que depois de 102 anos foi reaberto a moradores e turistas.

Além disso, a prefeitura autorizou que alguns parques e jardins fiquem abertos 24 horas para que as pessoas possam se refrescar. Paris também tem um ambicioso plano de plantar 170 mil árvores até 2026 como estratégia para tentar reduzir o calor urbano.

Londres

A capital inglesa, cidade que é internacionalmente conhecida pelo seu clima ruim e muita chuva, a cada ano sofre mais com a subida dos termômetros.

Um dos problemas é que as construções do país não estão adaptadas para essas temperaturas. Especialistas pedem que as normas de construções sejam revistas para melhorar o isolamento, principalmente em casas, centros sanitários e prisões.

Durante o verão, a prefeitura londrina divulga o mapa “Cool Places”, que destaca lugares públicos cobertos como museus, igrejas e bibliotecas para que as pessoas possam se refugiar e descansar. Além disso, em alguns desses edifícios os cidadãos podem beber água e usar o banheiro gratuitamente.

COP30 no Brasil

Em novembro deste ano, o Brasil vai sediar a 30ª Conferência das Partes (COP30), a cúpula organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as mudanças climáticas, programada para o mês de novembro, em Belém do Pará, e que reunirá lideranças de 197 países, além de representantes da União Europeia, da União Africana e de outras entidades multilaterais.

“É importante que o Brasil sedie esse encontro porque o país melhorou muito sua política climática com o governo Lula, embora ainda tenha um longo caminho pela frente”, analisa Tejero.

Sierra também acredita que essa será uma boa oportunidade.

“Simbolicamente quem preside a COP acaba marcando bastante o ritmo do encontro e tem mais poder de negociação. O Brasil tem muito interesse em proteger a Amazônia e isso é positivo”, explica.

Para Tejero, não há uma expectativa de que sejam decididas grandes mudanças nesse encontro. “O que seria positivo é se alguns países conseguirem chegar a acordos, ignorando o negacionismo de Trump, como é o caso do Brasil ou da União Europeia que já estão apostando por uma transição ecológica. Gostaria também que o assunto dos combustíveis fósseis fosse tratado com mais ênfase durante a COP”, deseja.

Tentando manter o clima de otimismo, Sierra diz que em um contexto geral, “estamos mal, mas poderíamos estar ainda pior se não existissem encontros como a COP”.