Domingo, 7 de dezembro de 2025
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Deputado Marcelo Freixo: “traficantes são muito violentos, mas as milícias são o verdadeiro crime organizado no Rio”

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As autoridades do Rio de Janeiro empreenderam, a partir de 2008, uma ruidosa e midiática operação para retomar o controle das favelas, que há décadas estavam nas mãos de facções do narcotráfico, como CV (Comando Vermelho), ADA (Amigos dos Amigos) e TCC (Terceiro Comando da Capital).

As UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) eram a principal iniciativa de uma nova política de segurança que, segundo o governador Sérgio Cabral, acabaria com décadas de abandono das favelas e restauraria a ordem nas comunidades. A ideia era que a polícia, em vez de entrar na favela para depois sair, ocupasse o morro e fosse instalada ali.

No entanto, políticos e grandes meios de comunicação, encabeçados pela poderosa Rede Globo, camuflaram durante anos o que, segundo Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio de Janeiro pelo Psol (Partido Socialismo e Liberdade) e militante veterano dos direitos humanos, são “o maior problema de segurança do Rio de Janeiro”: as milícias.

Assim foram denominados os grupos paramilitares formados por agentes ou ex-agentes da polícia, do Exército ou dos bombeiros — um corpo armado no Brasil —, que foram assumindo o controle de boa parte das favelas cariocas, geralmente com a conivência da classe política e das elites econômicas. Essas milícias foram expandindo sua carteira de negócios e hoje controlam, em 30% das quase mil favelas cariocas, o tráfico de drogas e a distribuição clandestina de serviços como transporte, gás, televisão a cabo e internet.

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Mudança de modelo

Em 2008, depois que uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) teve lugar na Assembleia Legislativa do Rio para buscar respostas sobre as milícias, cerca de 500 milicianos e políticos foram presos. Porém, nos últimos três anos, eles têm ampliado seu poder no Rio de Janeiro e se disseminaram por outros estados, como Bahia e Minas Gerais.

Para Freixo, os traficantes do CV ou da ADA “são perigosos e muito violentos, mas não têm tanto poder. As milícias são o verdadeiro crime organizado no Rio de Janeiro. São os únicos que têm uma estrutura de poder econômico e político”, afirma. Os argumentos desmontam a visão maniqueísta — forjada pelas elites ao longo de décadas, com a ajuda dos meios de comunicação — das forças de segurança contra os traficantes.

Em novembro de 2010, dois mil policiais e militares invadiram e ocuparam o Complexo do Alemão, um vasto arquipélago de 16 favelas. Um ano depois, em torno de 1.500 policiais e militares invadiram a Rocinha, uma das favelas mais emblemáticas da cidade por situar-se perto do abastado bairro de São Conrado.

A imprensa noticiou uma operação limpa e eficaz, embora logo depois tenham vindo à tona denúncias dos moradores pelos saques e abusos cometidos. De qualquer forma, poucas vozes contrariaram o clima geral de euforia para esclarecer que, na verdade, não assistíamos ao princípio do fim do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, mas uma simples mudança de modelo.

As milícias são mais competitivas porque sua carteira de negócios não se limita às drogas e porque, ao fazer parte das forças de segurança, têm as armas do Estado ao seu alcance e economizam o suborno que as facções criminosas são obrigadas a pagar aos agentes corruptos.

As favelas controladas pelas facções do narcotráfico, como a Maré, concentram-se no norte da cidade, enquanto as comunidades assediadas pelos milicianos encontram-se principalmente na parte oeste da cidade, em regiões como Japarepaguá e Campo Grande. No sul, situam-se próximas às praias de Copacabana, Ipanema e Leblon, onde foram implantadas a maior parte das 14 UPPs. É também a área que concentrará os investimentos da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

Polícia corrupta

Segundo Freixo, “a polícia do Rio é a que mais mata e mais morre no mundo”. Os números são categóricos: entre 2003 e 2009, segundo os dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), 7.854 pessoas morreram no Rio de Janeiro por causa da violência policial. Mais de mil pessoas por ano, sendo em sua maioria homens jovens, pobres e negros.

Por isso, os movimentos de direitos humanos falam em um lento genocídio, disfarçado de “atos de resistência” à prisão, nem sempre justificável.

Embora seja verdade que em muitas das favelas pacificadas ou ocupadas a violência tenha diminuído, líderes e associações de moradores denunciaram abusos e uma atitude ditatorial por parte dos agentes.

Na realidade, as UPPs estão fadadas ao fracasso enquanto não houver uma “reforma das instituições policiais”. Esta é a única forma de erradicar uma corrupção policial enraizada e generalizada, observa o sociólogo e especialista em segurança, Luiz Eduardo Soares.

Em outubro do ano passado, depois de receber uma série de ameaças de morte, Freixo decidiu aceitar o convite da Anistia Internacional e exilou-se na Europa por um mês. Não lhe faltavam motivos para achar que sua vida estava em perigo, especialmente depois de agosto, quando os milicianos fizeram uma brutal demonstração de poder ao assassinar a juíza Patrícia Acioli — que lutou contra o crime organizado. 

Tradução por Carolina Pezzoni

* Texto originalmente publicado na revista mexicana Proceso

Grupos paramilitares consolidam o controle das favelas

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