Ex-militar uruguaio é condenado na Itália à prisão perpétua por crimes da Operação Condor
Esta é a segunda sentença contra Jorge Néstor Troccoli, que foi acusado pelos assassinatos de três vitimas dos regimes militares da região durantes a década de 1970
A Terceira Corte de Assis do Tribunal de Roma, na Itália, condenou nesta terça-feira (21/10) o ex-fuzileiro naval uruguaio Jorge Néstor Troccoli à prisão perpétua, com um ano e seis meses em isolamento diurno, por crimes cometidos no âmbito da Operação Condor, a rede de coordenação repressiva entre as ditaduras do Cone Sul durante as décadas de 1970 e 1980. A defesa fará recurso.
A sentença reconhece a responsabilidade de Troccoli no assassinato do casal ítalo-argentino Rafaela Filipazzi e José Agustín Potenza em 1977, cujos restos mortais foram encontrados em uma vala comum em Assunção, no Paraguai, em 2016, e da professora uruguaia Elena Quinteros, ativista do Partido para a Vitória do Povo (PVP), em 1976.
Troccoli era oficial do serviço secreto da marinha uruguaia (Fusna) e responsável à época pelos contatos com o órgão de coordenação de operações antissubverssivas (O.C.O.A). Ele está preso desde julho de 2021 em uma penitenciária italiana após ser condenado também à prisão perpétua pela morte e desaparecimento de outras dezenas de italianos ocorridos nos anos mais sangrentos dos governos repressivos sul-americanos.
Além dele, mais 13 pessoas foram sentenciadas. Quando o Tribunal italiano o sentenciou, em 2021, três outros casos surgiram, assim como novas denúncias, vítimas, perguntas e buscas pela verdade. Assim, no ano seguinte, teve início esse segundo processo.
Opera Mundi é o único veículo da imprensa brasileira, que, desde 2015, acompanha os julgamentos na Itália dos crimes cometidos por torturadores do Cone Sul no âmbito da Operação Condor.
‘Decisão recupera o tempo perdido’
Beatriz Filipazzi, filha de Rafaela Filipazzi, saiu da Argentina junto ao marido para acompanhar o veredito na capital italiana. Emocionada, caiu em um choro intenso e liberatório após anos em busca de verdade e justiça.
A Opera Mundi disse que a condenação “traz esperança” ao que aguardam “encontrar seus familiares”. Emocionada, ela contou que sente uma “alegria imensa” e que, depois de tantos anos de dor, começa a deixar a tristeza para trás.

Beatriaz Filipazzi segura foto de sua mãe, Rafaela Filipazzi, que foi assassinada em 1976
“Já chorei tudo o que tinha para chorar e hoje me sinto em paz. Na última carta que minha mãe escreveu, quando estava presa, ela dizia: ‘não me esqueçam’. E, hoje, não só eu não a esqueci, mas há tantas pessoas que neste momento estão lembrando dela e dos 30 mil desaparecidos, de todos os que sofreram, dos que foram detidos e de todos nós que seguimos vivos. Porque nós também somos vítimas como eles. Rasgaram nossos corações e hoje nos devolveram a esperança”, disse.
Para ela, a sentença representa também a persistência de quem nunca desistiu de lutar: “apesar de tudo, continuam firmes, suportam as ofensas, vão às ruas e seguem protestando. É por isso que tenho essa força. Mas por muito tempo me senti sozinha e hoje tenho muitos irmãos de vida, e isso me faz muito feliz”.
Por sua vez, a representante do Estado uruguaio, Alessia Merluzzi, afirmou que a decisão “recupera o tempo perdido” e os “anos de ausência de justiça“. “Com esta decisão, se reafirma a importância do ser humano, a necessidade de proteger a dignidade que cada corpo e cada vida devem ter. Para mim, é o momento em que se restabelece verdadeiramente a prioridade de valores insuperáveis e em que se reconhece que não existe limite que possa justificar a destruição de um corpo e de uma mente humana por causa de suas ideias políticas”, disse.
“Não matei ninguém”
Troccoli até tentou se defender e foi interrogado no início deste ano em uma longa audiência. Durante quase sete horas de depoimento negou todas as acusações, afirmando que não era um “criminoso” e não “tinha matado ninguém”. “Sou apenas um homem velho e aposentado”, disse.
O ex-militar insistiu que no Fusna “não existia tortura” e tentou justificar sua atuação como parte de uma luta contra o “terrorismo”. Afirmou que seu trabalho se limitava à análise de informações obtidas de fontes abertas e chamou de “invenção da imprensa” a própria existência da Operação Condor, alegando ter tomado conhecimento dela apenas décadas depois.

Jorge Troccoli, 81 anos, já foi condenado à prisão perpétua na Itália por outros crimes cometidos na ditatura uruguaia
Nádia Angelucci
O uruguaio apresentou documentos e depoimentos tentando deslegitimar testemunhos de sobreviventes da repressão. Em suas declarações, Trocoli tentou distorcer os fatos, afirmando que as vítimas teriam sido libertadas e que o centro do Fusna seria “uma unidade benevolente”. As evidências reunidas pela acusação, no entanto, demonstraram que o local funcionava como centro clandestino de detenção e tortura, e que ele era um dos principais responsáveis por seu funcionamento.
Troccoli, que fugiu do Uruguai em 2007 para evitar um processo em seu país e obteve cidadania italiana, agora enfrenta duas sentenças de prisão perpétua na Itália. O caso reafirma o papel do Tribunal de Roma como referência internacional na luta contra a impunidade dos crimes das ditaduras latino-americanas.























