Trump pode reabrir diálogo com Kim, mas paz é improvável, diz professor
Para Whang Tae Hee, líder norte-coreano busca ser reconhecido como potência nuclear, o que travaria sanções e colocaria Seul em posição delicada
É a segunda vez, após duas décadas, que a Coreia do Sul sedia a cúpula da Cooperação Econômica Ásia Pacífico (Apec). Chefes de Estado e lideranças mundiais se reúnem em Gyeongju, província de Gyeongsang do Norte, em um momento particular do país, que recentemente enfrentou uma das maiores turbulências políticas protagonizadas pela extrema direita nacional. Agora, o novo governo de Lee Jae Myung, do Partido Democrático da Coreia, de centro-esquerda, faz do evento global uma oportunidade para reposicionar a nação e amenizar alguns dos problemas inflados pelos últimos mandatos de linha mais conservadora.
Entre as principais pautas às margens da cúpula está o tema da reunificação, no contexto em que as duas Coreias vivem o pior estágio de seu relacionamento, muito corrompido ao longo da gestão anterior de Yoon Suk Yeol, de extrema direita, deposto após decretar inconstitucionalmente a lei marcial alegando, sem provas, ameaça de supostas “forças antiestatais” contra o país.
Agora, o mundo está de olho no presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, descrito por Lee como um “peacemaker” (“pacificador”, na tradução em português) e o único capaz de aliviar as tensões na Península Coreana. O republicano desembarcou na Coreia do Sul nesta quarta-feira (29/10). A atenção está voltada, em especial, a uma mínima chance de o republicano se reunir com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong Un – como o fez três vezes no passado, sendo o último encontro em 2019 –, para introduzir possíveis negociações de paz.
A Opera Mundi, o professor de Ciência Política e Relações Internacionais, Whang Tae Hee, da Universidade de Yonsei, em Seul, reconheceu que Trump tem potencial de levar a Coreia do Norte à mesa de negociações, porém, em um primeiro momento, somente a nível de diálogo. Isso porque uma das prioridades de Kim é justamente o reconhecimento do arsenal nuclear norte-coreano, o que impediria que a comunidade internacional aplicasse sanções contra o seu país e colocaria a Coreia do Sul em uma posição delicada.
“Embora a Coreia do Norte não seja um Estado nuclear formal sob o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), como os países do P5, ela se tornará um Estado nuclear não oficial, como Israel, Índia e Paquistão. Se reconhecida, a comunidade internacional não terá justificativa para impor sanções econômicas e, se o desarmamento for almejado com os Estados Unidos, acabará impactando os exercícios militares EUA-Coreia do Sul, as Forças Armadas norte-americanas na Coreia do Sul (USFK) e a aliança Coreia do Sul-EUA”, explicou.
“Se o presidente Trump tentar prematuramente um diálogo por si só, a Coreia do Norte provavelmente reconhecerá formalmente suas armas nucleares, colocando a Coreia do Sul em uma posição difícil. […] Negociações de paz significativas são improváveis. Resolver a questão nuclear norte-coreana seria particularmente difícil para Trump”, reforçou.
O governo de Lee se encontra em uma encruzilhada. De acordo com Whang, um iminente início de negociações de paz com Pyongyang sob a adoção da “suspensão” de armas nucleares, em vez de “congelamento” destes dispositivos, significaria, na prática, que Seul e Washington estariam reconhecendo o arsenal nuclear existente da Coreia do Norte. E enquanto não é reconhecido, Kim segue sob respaldo chinês e russo.
“Ademais, a Coreia do Norte garantiu a solidariedade da China e da Rússia, incluindo fortes relações bilaterais com Moscou e a restauração dos laços com Pequim, o que lhe permite contornar as sanções. Parece haver poucos motivos para que a Coreia do Norte dialogue com a Coreia do Sul agora”, disse.

O presidente da Coreia do Sul, Lee Jae Myung, recebe seu homólogo norte-americano, Donald Trump, em um jantar de cúpula em Gyeongju, província de Gyeongsang do Norte
Reprodução/Gabinete presidencial da Coreia do Sul
Distanciamento ou aproximação?
Neste ano, a irmã do líder norte-coreano, Kim Yo Jong, vice-presidente do Partido dos Trabalhadores, reiterou não haver a menor possibilidade de restabelecer relações com o país vizinho, já que segue fortemente atrelado aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos. Diante do posicionamento, a Coreia do Sul adotou algumas medidas práticas, tais como desmantelar os transmissores de propaganda capitalista e músicas de K-pop na zona desmilitarizada, além de adiar os exercícios militares conjuntos com o Exército de Washington e tentar recuperar o controle operacional das forças militares (OPCON) no país, em uma tentativa de mostrar seus esforços no “distanciamento” dos Estados Unidos.
De acordo com o professor Whang, entretanto, a independência integral da Coreia do Sul dos Estados Unidos, tanto em termos de segurança quanto de economia, é “praticamente impossível”.
“É seguro presumir que nenhum líder sul-coreano deseja romper laços com os Estados Unidos. Isso fica evidente nas declarações do presidente Lee Jae Myung durante sua visita aos Estados Unidos”, destacou o professor, ao recordar a visita à Casa Branca realizada pelo mandatário asiático, em agosto, durante a qual sugeriu a Trump para que se encontrasse com Kim em algum futuro próximo.
Nesta quarta-feira (29/10), Seul e Washington chegaram a um acordo sobre as negociações tarifárias há muito paralisadas. O país asiático fornecerá um pacote de investimento de US$ 350 bilhões ao aliado, em troca de os Estados Unidos reduzirem a tarifa de 25% sobre produtos sul-coreanos para 15%. US$ 200 bilhões serão repassados em dinheiro, enquanto US$ 150 bilhões em cooperação na indústria de construção naval, no fundo apelidado de “Make American Shipbuilding Great Again”.
O aumento de gastos com defesa também era uma das prioridades sul-coreanas a serem discutidas com o republicano nesta edição da Apec, sendo, de certa forma, uma medida contrária à política pacifista de Lee. Na avaliação do docente, a alternativa do país é fortalecer uma dissuasão mais robusta contra a Coreia do Norte.
“Para os Estados Unidos e a Coreia do Sul, que não estabeleceram uma relação de confiança com a Coreia do Norte, essa é a melhor maneira de evitar uma guerra. O fato de ter uma política pacifista não significa que seja a única forma de atender a todos os pedidos da Coreia do Norte”, disse Whang.























