Suicídio não tem motivação religiosa, afirma psiquiatra palestino
Suicídio não tem motivação religiosa, afirma psiquiatra palestino
10 de fevereiro. Israel realiza eleições parlamentares pouco após o término do último ataque à Faixa de Gaza, que deixou cerca de 1.400 palestinos e 13 israelenses mortos. O partido centrista Kadima conquista 28 das 120 cadeiras, seguido pelo direitista Likud, do ex-premiê Benjamin Netanyahu, com 27, e pelo ultranacionalista Yisrael Beiteinu, com 15. O Partido Trabalhista, considerado de esquerda no espectro político conservador de Israel, obteve apenas 13 cadeiras.
O resultado foi extensamente analisado por especialistas em política, geopolítica e questão palestina. Eles concluíram, em linhas gerais, que Netanyahu vai formar o próximo governo e isso é motivo de calafrios para os palestinos, especialmente na Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas. Opera Mundi ouviu alguém que lida diariamente com palestinos torturados em presídios israelenses, e a conclusão dele é a mesma: o cenário é desastroso para os rumos da paz.
O médico psiquiatra palestino Mahmud Sehwail trabalha com isso desde 1983 e não vê nenhuma chance de seu trabalho terminar em pouco tempo, mesmo Israel sendo signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura.
Há 12 anos, Sehwail fundou o Centro de Tratamento e Reabilitação de Vítimas de Tortura em Ramallah, na Cisjordânia. Financiada pela Suíça, Holanda e União Europeia, entre outras fontes, a organização não-governamental está em cinco cidades da Cisjordânia e já atendeu quase quatro mil pessoas.
Nesta entrevista, o psiquiatra explica o trabalho diário da equipe, a dificuldade em conseguir entrar na Faixa de Gaza e explica as consequencias para aqueles que sofrem com a violência.
Como surgiu a idéia de criar o centro?
Saí da Palestina para fugir da guerra de 1967 [Guerra dos Seis Dias] e fui para a Espanha. Em 82, quando ainda estava estudando medicina, perdi meu irmão de 17 anos. Ele foi morto pelo exército israelense e não pude voltar para o enterro. Em 83, resolvi deixar a Espanha e voltar a minha terra. Dediquei-me a defender os direitos humanos porque não pude salvar a vida do meu irmão e queria então salvar a vida de outros, tanto palestinos quanto israelenses.
Primeiro trabalhei num hospital psiquiátrico de Belém, onde comecei a visitar e tratar prisioneiros palestinos nas prisões de Israel. Já fiz mais de 325 visitas a essas prisões e cada vez que ia a uma delas, dizia a mim mesmo: “É a última vez”. Cada visita era um inferno, tinha que esperar horas. Os israelenses fizeram da espera uma rotina diária. Nos postos de controle ou onde você vá, tem que esperar. A espera é também uma forma de tortura.
A idéia do centro também veio deste trabalho nas prisões, já que 40% dos homens palestinos já foram presos mais de uma vez e mais de 85% dos presos palestinos já foram torturados durante interrogatórios. Outra razão é que esse serviço não é oferecido pelo governo. A reabilitação de vítimas de tortura exige um tratamento especial e um conhecimento especializado. E 40% dos torturados sofrem de síndrome de estresse pós-traumático*.
E como funciona esse trabalho, desde a identificação dos pacientes até o tratamento e reabilitação?
Temos uma ficha para cada paciente. Primeiro, ele é avaliado física, psiquiátrica e psicologicamente. A partir dessa avaliação, recebe um tratamento único, acompanhado por médicos e assistentes sociais. O tratamento começa com terapias individuais, depois com dinâmicas, terapias em grupo, familiar, dependendo das necessidades. Vamos até os pacientes e suas casas. No ano passado, fizemos mais de 15 mil visitas porque é importante envolver a família das vítimas de tortura no tratamento.
Também treinamos estudantes para que possam identificar casos de trauma em suas comunidades. Há ainda um treinamento muito importante de direitos humanos e saúde mental para as forças de segurança palestinas. 60% de seus membros são ex-prisioneiros que foram torturados nas prisões israelenses. E agora são eles que torturam da mesma forma.
Quanto tempo, em média, leva um tratamento?
Quando estão em crise, eles são atendidos duas vezes por semana. Depois, uma vez e, com o tempo, a cada dois meses. Muitos pacientes precisam de um, dois anos de tratamento. O problema é que a maioria dos nossos pacientes sofre de traumas múltiplos. Por exemplo, estamos cuidando de uma pessoa e quando o tratamento faz dois meses, ela é presa novamente, perde um irmão ou sua casa é destruída. 80% dos nossos pacientes têm mais de um trauma. Isso deixa o tratamento mais difícil.
Quais as principais consequências desses traumas?
As consequencias são muito duradouras. Elas podem aparecer depois de muitos anos em forma de problemas sociais, familiares. Atrás de cada ato suicida, há uma história e um trauma. Quem foi torturado ou perdeu algum ente querido tem vários traumas e está disposto a cometer um ato suicida. Os palestinos que se explodiam em Israel não eram religiosos. O suicídio não tem motivação religiosa.
Leia a segunda parte:
Pessimismo impera entre as crianças de Gaza
*Síndrome de estresse pós-traumático: transtorno que ocorre depois que o indivíduo passa por uma experiência muito chocante. Ele revive a experiência como quando passou por ela, com todas as sensações e o mesmo sofrimento.
Veja fotos do Centro de Tratamento e Reabilitação de Vítimas de Tortura.


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