Socialismo na terra dos bilionários: Mamdani quer taxar mais ricos em Nova York
Candidato socialista a prefeito defende criar nova faixa de tributação para quem tem renda anual superior a US$ 1 milhão (mais de R$ 5 milhões)
Assim como no Brasil, o imposto sobre grandes fortunas agita o cenário político de uma das cidades mais importantes dos Estados Unidos: Nova York. Há um mês das eleições municipais, a proposta do candidato favorito ao pleito, Zohran Mamdani, de aumentar os impostos cobrados dos bilionários que vivem na cidade preocupa não apenas os executivos de Wall Street, mas também setores que se beneficiam indiretamente do dinheiro movimentado por esses nova-iorquinos endinheirados.
Em uma cidade com mais bilionários do que qualquer outra no mundo, cresce um debate que parece contraditório: é possível falar em socialismo e redistribuição de riqueza no coração do capital financeiro global?
A proposta de Mamdani
O deputado estadual e candidato a prefeito defende criar uma nova faixa de tributação para nova-iorquinos com renda anual superior a US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,4 milhões), que passariam a pagar um imposto municipal de 5,9%. Somado à atual alíquota máxima da cidade, de 3,876%, esse adicional faria com que a taxa combinada de impostos municipal e estadual chegasse a 16,7%, a mais alta de todo o país.
Considerando também o imposto federal, a carga total poderia alcançar 53,7% para os mais ricos. Além disso, Mamdani propõe elevar a alíquota estadual máxima do imposto corporativo de 7,25% para 11,5%. Enquanto isso, estados como a Flórida não cobram imposto estadual de renda, tornando-se refúgio de ricos em busca de carga tributária mais leve.
O candidato também já colocou no papel políticas de alto custo, como transporte público gratuito em toda a cidade, creches universais e supermercados municipais, que seriam financiados por essa nova arrecadação. Atualmente, quem mora em Nova York paga, além do imposto federal, até 15% adicionais de tributos estaduais e municipais sobre a renda.
O problema, porém, é que a cidade precisa da aprovação do governo estadual para elevar o imposto de renda local — e a governadora Kathy Hochul se opõe firmemente à ideia.

Mamdani durante manifestação dos baristas da Starbucks
Vozes dos trabalhadores
Na última semana, Mamdani participou de um ato do sindicato dos baristas do Starbucks, que há três anos luta por contratos formais. Sua presença deu visibilidade a uma mobilização que simboliza as desigualdades da cidade.
“O que esses trabalhadores pedem é o mínimo: um salário que permita viver, horários que permitam planejar a vida e o fim das violações da lei trabalhista. Eles merecem uma cidade que esteja ao lado deles — e é isso que Nova York vai ser”, disse o democrata durante o piquete do Starbucks a um de seus estabelecimentos da zona financeira da cidade.
A barista Kai Fritz, de 23 anos, que vive em Nova York há cinco anos, explicou que o contraste entre a realidade dos trabalhadores e a remuneração da cúpula da empresa é gritante. “O CEO da empresa ganhou US$ 96 milhões só no ano passado — isso é 6.666 vezes o que recebe um barista médio. Enquanto isso, eu tive um aumento de apenas 30 centavos, o que me deixa com menos de US$ 30 mil por ano. Depois do aluguel, das contas e da comida, não sobra nada. O sindicato é importante porque reúne todos nós em busca de condições dignas”.
Kai também denunciou que a empresa tem fechado lojas de forma repentina, provocando demissões em massa sem oferecer alternativas aos funcionários. Para ela, a presença de candidatos como Mamdani nos piquetes é simbólica: “qualquer candidato que apoie nossa causa demonstra que se importa com a classe trabalhadora. Nós vamos vencer essa luta”.
No campo da saúde, os novaiorquinos dependem do sistema público, sobrecarregado, enquanto hospitais privados de ponta permanecem inacessíveis sem seguros caros. Na educação, escolas privadas de elite podem custar mais de US$ 60 mil (cerca de R$ 3,2 milhões) por ano, ao passo que a rede pública enfrenta salas superlotadas e carência de professores, especialmente em bairros de maioria imigrante, negra e latina. Essa disparidade garante que quem nasce rico continue tendo acesso às melhores oportunidades, enquanto quem nasce pobre luta até pelo básico.
O transporte público também reflete a desigualdade. O metrô, utilizado majoritariamente pela classe trabalhadora, sofre com falhas constantes e falta de investimento, enquanto as elites circulam de helicóptero, carro de luxo ou iate. Até serviços intermediários, como Uber e taxis, acabam reforçando essa divisão, já que estão fora do alcance da renda média da maioria dos nova-iorquinos.
A cidade das desigualdades
Segundo o ranking de 2025 da Forbes, Nova York abriga 123 bilionários, cuja fortuna combinada ultrapassa US$ 750 bilhões (cerca de R$ 4 trilhões). Essa concentração de riqueza convive lado a lado com alguns dos custos de vida mais altos do mundo. Em fevereiro de 2025, o aluguel médio de um apartamento de um quarto em Manhattan já superava US$ 4.500 (R$ 24.075), de acordo com relatório da Douglas Elliman/Miller Samuel, impulsionado pela demanda por imóveis de luxo comprados como ativos financeiros, o que pressiona os preços e expulsa famílias de baixa e média renda de bairros centrais.

Kai Fritz é barista e defende melhores salários pela rede Starbucks
No campo da saúde, o sistema público NYC Health + Hospitals atende quase um milhão de nova-iorquinos por ano, segundo dados oficiais da própria rede, mas segue sobrecarregado, enquanto hospitais privados de ponta permanecem inacessíveis sem seguros caros. Na educação, escolas privadas de elite como a Spence School já cobram mais de US$ 68 mil (R$ 363.800) por ano (dados de 2025), ao passo que a rede pública enfrenta salas superlotadas e falta de professores, especialmente em bairros de maioria imigrante, negra e latina. Essa disparidade garante que quem nasce rico continue tendo acesso às melhores oportunidades, enquanto quem nasce pobre luta até pelo básico.
O transporte público também reflete a desigualdade. O metrô, utilizado majoritariamente pela classe trabalhadora, sofre com falhas constantes e falta de investimento, enquanto as elites circulam de helicóptero, carro de luxo ou iate. Até serviços intermediários, como Uber e táxis, acabam reforçando essa divisão, já que estão fora do alcance da renda média da maioria dos nova-iorquinos.
Eles vão embora?
Críticos da proposta de taxação de Mamdani afirmam que um aumento de impostos poderia acelerar a saída de bilionários para estados sem tributação. Pesquisas acadêmicas reforçam esse risco: um estudo publicado em 2024 no American Economic Journal: Economic Policy, de Cassidy, Dinecco e Troiano, mostrou que, ao longo do século 20, estados norte-americanos que criaram imposto de renda viram um aumento de arrecadação, mas também registraram a saída de contribuintes mais ricos, justamente por sua alta mobilidade. Outro trabalho, de Young, Varner, Lurie e Prisinzano, publicado em 2016 na American Sociological Review, chegou a conclusões semelhantes ao analisar o chamado “imposto dos milionários” em alguns estados, mostrando que parte dos contribuintes de alta renda migrou após a taxação.
Por outro lado, reportagens como a da Rolling Stone, com o título sugestivo “Tax the Rich. They’ll Stay” (“Taxe os ricos. Eles vão ficar”), lembram que há pouca evidência de que os super-ricos deixem Nova York em massa diante de aumentos de imposto. O argumento é que a cidade, apesar do custo, ainda oferece vantagens únicas em termos de redes de negócios, cultura e estilo de vida, o que dificulta a saída.
Mais que uma conta, um símbolo
A proposta de Mamdani é mais do que uma mudança fiscal. Ela simboliza uma disputa de visões: entre quem defende a permanência de Nova York como playground dos super-ricos e quem sonha com uma cidade que volte a ser sinônimo de oportunidades para a maioria.
“Esta é uma cidade que merece um prefeito que saiba o que é uma linha de piquete, e não alguém que passa os dias pedindo doações a bilionários”, afirmou Mamdani diante dos manifestantes do Starbucks.
Na terra dos bilionários, o socialismo pode até soar improvável. Mas é justamente esse contraste que dá força ao debate — e que pode definir o futuro de Nova York.























