Resistência indígena no Paraguai força governo Peña a recuar
Jornalista paraguaio Amado Arrieta falou sobre o protesto de comunidades indígenas que bloqueou estradas no país por vários dias
Há vários dias, diversas comunidades indígenas se mobilizam e protestam no Paraguai contra as recentes decisões do governo de direita de Santiago Peña. Peña é filiado ao Partido Colorado, um dos partidos mais antigos da América Latina, que, aliás, foi a base política da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), um dos ditadores mais longevos da história do século 20.
Os manifestantes exigiram a renúncia do presidente do Instituto Paraguaio de Assuntos Indígenas (INDI) e a restauração da sede da instituição.
Na última sexta-feira (03/10), foi anunciado o sucesso da luta indígena no Paraguai. Os líderes dos protestos declararam: “Nossa heroica resistência deu resultado. Hoje, o primeiro ponto de nossa reivindicação foi alcançado: a destituição de Ramón Benegas da presidência do INDI. Após essa medida, nos reunimos com o novo presidente do INDI, Hugo Samaniego, a quem reiteramos nossas reivindicações. O novo presidente concordou em devolver a sede do INDI à Assunção, o que permitirá a plena reativação dos serviços aos nossos irmãos e irmãs.”
Além disso, as organizações indígenas declararam: “Diante desta situação, decidimos retornar às nossas comunidades e permanecer em assembleia permanente, prontos para voltar às ruas caso o compromisso de reabrir a sede do INDI em Assunção, com todos os seus serviços plenamente garantidos, não seja cumprido. Mais uma vez, demonstramos a força da nossa resistência e da nossa luta. Viva a resistência indígena! Continuamos lutando pela vida e pela dignidade.”
No entanto, a notícia foi silenciada pela grande mídia nacional e internacional, que, em vez disso, tentou retratar o Paraguai como um país sem conflitos sociais significativos, mesmo em meio aos crescentes protestos contra a corrupção do Partido Colorado. Para entender melhor esse momento de luta, o Peoples Dispatch conversou com Amado Arrieta, jornalista paraguaio e membro do Partido Popular.
Peoples Dispatch: Qual foi o contexto político do protesto das comunidades indígenas?
Amado Arrieta: A situação política no Paraguai é bastante preocupante. Estamos em um estado de regressão. No Paraguai, a narcopolítica tomou conta dos poderes do Estado. Nas últimas eleições, houve denúncias de fraudes fenomenais, mas a instituição responsável pelas eleições não permitiu que as urnas e os envelopes onde os registros eram mantidos fossem auditados. Houve muitas denúncias. Nesse contexto, foram criadas as condições para que o movimento do Partido Colorado, chamado Honra Colorado e liderado por Horacio Cartes, obtivesse maioria absoluta no Parlamento. Os Estados Unidos cancelaram o visto de Cartes e o declararam corrupto, entre outras coisas, e ele agora não pode sair do país. Ele é praticamente o presidente nas sombras. Santiago Peña trabalhou com a empresa ligada à família Cartes e, obviamente, segue as ordens de Cartes à risca. E o outro fator é que os Estados Unidos evidentemente chegaram a um acordo com esse movimento político, e Santiago Peña obedece a tudo o que os Estados Unidos lhe ordenam.
E qual é o poder do grupo Cartes no Paraguai?
Existe um monopólio de todos os negócios por parte deste grupo político [Cartes]. Eles são donos de praticamente todos os postos de gasolina. As grandes redes, supermercados e as principais redes de mídia foram adquiridas por Horacio Cartes. Portanto, não há jornalismo crítico. Existem pouquíssimos veículos de mídia alternativos que tentam destacar o outro Paraguai que não é visto na grande mídia. Em consonância com isso, nossa organização, o Partido Popular, tem um veículo de mídia cidadã que está prestes a comemorar seu 14º aniversário e é o único veículo de mídia de esquerda em todo o país: a Rádio TV Paraguai. Há um sentimento de cansaço e sofrimento entre as pessoas, entre muitas pessoas. E, em meio a essas dificuldades e maus-tratos, as comunidades indígenas são as que mais sofrem.

Após mobilizações dos povos indígenas, presidente do Instituto Paraguaio dos Povos Indígenas (INDI), Juan Ramón Benegas, renunciou
Por que os povos indígenas protestaram nesta ocasião?
O INDI, Instituto Paraguaio de Assuntos Indígenas, é o órgão governamental responsável por atender às necessidades dos povos indígenas. Um dia, Santiago Peña decidiu fechar sua sede em Assunção e, supostamente, abrir escritórios departamentais com a desculpa de que isso facilitaria os procedimentos administrativos. O que o governo realmente quer evitar é que indígenas venham à Assunção [capital do Paraguai], porque eles frequentemente vêm, organizam protestos e acampam ao redor da sede do INDI por meses. É por isso que fechou o escritório. De fato, o governo mudou a sede do INDI: abandonou o prédio histórico onde o escritório sempre esteve localizado e o transferiu para um quartel militar para impedir que indígenas acampassem lá. Mas não funcionou, porque os indígenas fecharam todas as estradas ao redor.
Então eles solicitaram a reabertura da sede…
A mobilização indígena começou com a reivindicação da reabertura da sede em Assunção, basicamente porque todas as instituições que podem ajudar a atender às necessidades dos povos indígenas estão em Assunção, não nas capitais departamentais. Portanto, não faz sentido abrir vários escritórios departamentais com a desculpa de que isso facilitará o processo, porque não é verdade. Afinal, no fim das contas, tudo se resolve em Assunção. [Os povos indígenas] se reuniram, não sei quantas vezes, com o presidente e outras autoridades governamentais para tentar negociar a reabertura, mas foi impossível. Então, a mobilização indígena se intensificou, e o que eles pediram em primeiro lugar foi a reabertura da sede. [E agora] estão pedindo a destituição do atual presidente. Estão pedindo mais orçamento para a aquisição de terras e o fim dos despejos e abusos violentos sofridos pelas comunidades.
As mobilizações duraram 11 dias e fecharam estradas nas capitais departamentais. [Nos locais dos protestos] policiais de choque, promotores e governadores compareceram, tentando dialogar e ameaçando expulsá-los das estradas para permitir o livre trânsito, que é uma garantia constitucional, mas também são a mobilização e o protesto.
Quais povos indígenas protestaram?
Basicamente, são todos povos indígenas da região oeste, ou Chaco Paraguaio, e da região leste.
Quais eram as formas de protesto dos povos indígenas?
Eles bloquearam estradas. Em alguns lugares, era intermitente, ou seja, fechavam a estrada por uma hora e depois a abriam por 30 minutos. Mas em outros lugares, fechavam as estradas por quatro ou cinco horas. Depende de onde os indígenas são mais numerosos, então nesses lugares as medidas também são mais rigorosas. Alguns bloqueios duram quatro ou cinco horas e causam engarrafamentos que se estendem por quilômetros. Consequentemente, houve protestos contra os bloqueios. Somente após vários dias de protestos a mídia começou a falar sobre a mobilização, mas dizia que os indígenas estavam infringindo a lei e impedindo o livre trânsito, sempre criminalizando as medidas e nunca falando sobre o problema subjacente, o que os indígenas estão pedindo e exigindo.
Qual foi a resposta do governo Peña?
Durante vários dias, a resposta do governo foi absolutamente nula. Temos um governo quase ditatorial que tem dificuldade em dialogar. Basta dizer que Santiago Peña esteve por dois dias no Brasil. Ele pouco ou nada se importa com o que está acontecendo. Mas os transtornos causados pelos protestos, os engarrafamentos infernais e a perda de tempo em praticamente todo o país o forçaram a dialogar.
(*) Matéria originalmente publicada em Peoples Dispatch























