Pressão pelo desarmamento do Hezbollah eleva tensão no Líbano; entenda
Protestos aumentaram no país após governo defender projeto encabeçado pelos EUA e que prevê desarmar grupos até final de 2025
Centenas de simpatizantes do Hezbollah, grupo armado e partido político xiita libanês, tomaram as ruas de Dahyeh, subúrbio ao sul de Beirute e reduto histórico da organização, em manifestação contra a decisão do governo libanês de desarmar todos os grupos do país até o final de 2025.
Em comunicado neste sábado (09/08), o Exército libanês afirmou que não vai tolerar ameaças “à segurança ou à paz civil”, nem bloqueios de estradas. Uma fonte militar confirmou ao jornal libanês L’Orient Le Jour que sete pessoas foram detidas durante o protesto de sexta-feira.
O plano de desarmamento do Hezbollah e de outros grupos armados, elaborado sob coordenação do governo norte-americano e apelidado de “Barack” — em referência ao enviado especial dos Estados Unidos ao Líbano, Tom Barack — estabelece um processo em quatro etapas para desmantelar o arsenal do grupo xiita.
A iniciativa combina o desarmamento progressivo do Hezbollah com a retirada gradual de Israel de áreas ocupadas no território libanês. O projeto foi aprovado apesar da ausência dos ministros xiitas na reunião que deliberou o assunto, em sinal de protesto contra a medida.
O plano tem como base a implementação do Acordo de Taef, assinado em 1989 para pôr fim à guerra civil libanesa (1975-1990) e que estabeleceu como prioridades tanto o desarmamento de milícias quanto a retirada das forças israelenses do território libanês — um processo encabeçado pelo Hezbollah desde os anos 1980, e que justifica sua existência e atuação militar.
Após o fim da guerra civil libanesa, o Hezbollah, criado em 1982, foi o único grupo autorizado a manter seu armamento, já que atuava contra a ocupação israelense no sul do Líbano.
No contexto atual, o grupo segue sendo uma força política e militar relevante no país, especialmente diante da agressão militar israelense em curso desde outubro de 2023, após o Hezbollah declarar apoio à população de Gaza. Desde então, bombardeios israelenses continuam e atingem principalmente o sul do Líbano, resultando na morte de civis.

Funeral do Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah por mais de três décadas, em fevereiro de 2025
Giovanna Vial
Hezbollah como única opção
“As pessoas veem o Hezbollah como única opção”, explicou Mahdi, libanês morador de Dahyeh, ao Opera Mundi. “O governo (libanês) não tem estrutura para defender o país. Tudo o que possui vem dos Estados Unidos e está cheio de condições — que incluem não atacar Israel. É um governo fracassado, incapaz de oferecer proteção à população civil”.
Mahdi relatou que as pessoas estão protestando nas ruas de Dahyeh por medo de ficarem desprotegidas contra os ataques israelenses, caso o desarmamento do Hezbollah avance.
Para Joseph Daher, autor do livro Hezbollah: a economia política do partido de Deus, o processo de desarmamento, orquestrado pelo Estado libanês, representa uma tentativa de equilibrar as forças dentro do país e, de forma mais ampla, na região, contra o Hezbollah e seu principal patrocinador, o Irã.
“O desarmamento do Hezbollah não pode ser dissociado das mudanças geopolíticas que ocorreram no último ano e meio — incluindo a queda de Bashar al-Assad na Síria”, disse. Ele observou que, embora o grupo armado e político esteja isolado na cena política nacional e haja apoio interno ao seu desarmamento, o plano é impulsionado principalmente pela pressão de atores ocidentais, particularmente os Estados Unidos.
“Nada está sendo dado à população (apoiada pelo Hezbollah) em troca do desarmamento. Temo que isso aprofunde as tensões sectárias. Há uma falta de alternativas políticas para as classes populares xiitas. Na minha opinião, o processo atual pelo qual está sendo implementado é perigoso e aprofundará as tensões internas no Líbano sem oferecer uma maneira de integrar a base popular xiita em um projeto nacional mais amplo, enquanto os ataques e a ocupação israelenses contra o Líbano continuam”, explicou o autor.
Aumento das tensões sectárias
Nos subúrbios xiitas de Beirute, o aumento da tensão previsto por Daher vem se consolidando desde a aprovação do plano de desarmamento. Na tarde deste sábado, um grupo autodenominado “jovens do subúrbio sul” convocou uma nova mobilização em massa para a noite, em protesto contra “qualquer tentativa de desarmar a resistência”, alegando que são as armas desse grupo que “protegem a pátria”.
O Líbano é um país marcado por uma divisão sectária, com 18 religiões oficialmente reconhecidas, que se traduzem em identidades políticas variadas — algumas delas rivais. A população muçulmana xiita — que compartilha a mesma fé do Hezbollah — tem sido desproporcionalmente afetada pelos recentes ataques israelenses.
Historicamente, o alinhamento da comunidade muçulmana com a causa palestina foi um dos pilares da guerra civil libanesa (1975-1990). O Hezbollah, que surgiu durante esse conflito com o objetivo de combater o avanço israelense, hoje é visto por uma parcela significativa da população cristã do país como um obstáculo para a resolução dos problemas nacionais.























