Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A polícia indiana invadiu diversos mercados e residências, detendo homens muçulmanos em estados governados pelo partido nacionalista hindu do primeiro-ministro Narendra Modi. Pelo menos 22 processos foram registrados contra mais de 2.500 muçulmanos em setembro, por escreverem “Eu amo Maomé” em cartazes, camisetas ou publicações nas redes sociais.

As autoridades consideram a expressão sobre o Profeta uma ameaça à “ordem pública”. No mínimo, 40 indivíduos foram presos em vários estados sob administração do Partido Bharatiya Janata (BJP), de acordo com a organização sem fins lucrativos Associação para a Proteção dos Direitos Civis (APCR).

Desde que Modi assumiu o poder em 2014, a repressão e a violência contra muçulmanos indianos se intensificaram. Nos últimos 11 anos, os incidentes de discurso de ódio voltado a minorias religiosas dispararam. Os casos documentados saltaram de 668 em 2023 para 1.165 no ano passado, um aumento de aproximadamente 74%. A maioria significativa desses episódios ocorreu em estados governados pelo BJP ou em locais onde eleições estavam próximas.

Celebração islâmica

Em 4 de setembro, muçulmanos residentes na cidade de Kanpur, no estado de Uttar Pradesh, no norte da Índia, comemoravam o Eid al-Milad al-Nabi, a celebração do nascimento do profeta Maomé, quando um morador do bairro colocou um quadro iluminado com a frase: “Eu amo Maomé”.

Entretanto, o painel atraiu críticas de alguns hindus locais. Inicialmente, a queixa alegava que a decoração era uma novidade nas festividades tradicionais da ocasião, uma vez que as leis de Uttar Pradesh proíbem acréscimos às celebrações religiosas públicas. Cerca de 20% da população de Kanpur é muçulmana.

Com base em denúncias, a polícia instaurou um processo contra duas dúzias de pessoas sob acusações mais graves: promoção de inimizade com base em religião. A acusação prevê pena de até cinco anos de prisão em caso de condenação.

O episódio de Kanpur atraiu críticas generalizadas de líderes políticos muçulmanos, e protestos contra a ação policial se espalharam para outros estados, incluindo Telangana, no sul; Gujarat e Maharashtra, no oeste; e Uttarakhand e Jammu e Caxemira, no norte. Os cartazes e mensagens com a inscrição “Eu amo Maomé” surgiram em todo o país – desde perfis de usuários em redes sociais até camisetas.

De Kanpur a Bareilly, protestos contra prisões por "Eu amo Maomé" são violentamente reprimidos, com onda de detenções em múltiplos estados

De Kanpur a Bareilly, protestos contra prisões por “Eu amo Maomé” são violentamente reprimidos, com onda de detenções em múltiplos estados
@abuasimazmi / X

Em 26 de setembro, um grupo de pessoas que foram às ruas em Bareilly, Uttar Pradesh, para manifestar contra as prisões de Kanpur sofreu repressão violenta por parte da polícia, afirma o The Muslim News. Cerca de 75 indivíduos foram detidos, incluindo o imã Tauqeer Raza — ativista islâmico indiano e líder do partido político All-India Ittehad-e-Millat Council (IMC) —, seus parentes e assessores. Pelo menos quatro prédios pertencentes aos acusados foram demolidos pelas autoridades locais.

Enquanto isso, dezenas de outros muçulmanos foram presos em diferentes estados — incluindo alguns no estado natal de Modi, Gujarat — por postagens e vídeos em mídias sociais com o slogan “Eu amo Maomé”.

É ilegal?

A Constituição da Índia garante a liberdade de religião e o direito de expressá-la. O Artigo 25 protege a liberdade de cada indivíduo de praticar sua fé. Os cidadãos também são amparados pelo Artigo 19(1)(a), que assegura o direito à liberdade de expressão e de opinião, a menos que incite diretamente à violência ou ao ódio.

Nos casos de pessoas detidas como parte da repressão à campanha “Eu Amo Maomé”, a polícia as acusou, majoritariamente, com base em disposições legais que proíbem grandes aglomerações com o objetivo de cometer “travessuras” ou por atos que supostamente provocam tensões religiosas. No entanto, essas disposições foram aplicadas contra indivíduos presos por postagens em redes sociais ou por usar camisetas com a inscrição.

Nadeem Khan, coordenador nacional da APCR, a organização sem fins lucrativos que vem monitorando esses casos, já enfrentou processos anteriores contra autoridades governamentais por terem atacado muçulmanos por meio de expressões semelhantes nas redes sociais ou quando suas casas foram demolidas.

Khan disse à emissora catari Al Jazeera que as autoridades estavam usando criteriosamente dispositivos legais que não se concentram na expressão “Eu amo Muhammad” em si, mas em supostas ofensas cometidas por aqueles que a utilizaram ou protestaram contra repressões policiais relacionadas. “Eles sabem que não há lei que criminalize apenas a mera expressão ‘Eu amo Muhammad’”, afirmou.

Khan observou que, em toda a Índia, imagens de deuses hindus empunhando suas armas tradicionais são comuns há muito tempo. “Essas imagens estão em todos os cantos do país; elas também deveriam ofender ou ameaçar todos os muçulmanos?”, questionou. “Todos devem entender que o governo não pode criminalizar uma religião como essa”, acrescentou, referindo-se ao islamismo.

Criminalizar o direito das pessoas à liberdade de expressão e crença religiosa cria um precedente profundamente preocupante, disse Aakar Patel, presidente do conselho da Anistia Internacional Índia.

“Atacar pessoas com slogans como ‘Eu amo Maomé’, que são pacíficos e isentos de qualquer incitação ou ameaça, não atende ao limite de restrição criminal sob a lei constitucional indiana ou a lei internacional de direitos humanos”, declarou Patel à Al Jazeera.

“O papel do Estado é salvaguardar os direitos de forma igualitária, não policiar expressões de crença”, disse Patel, da Anistia Internacional. “Respeitar compromissos constitucionais e internacionais não é opcional; é uma obrigação legal.”

Após o episódio “Eu amo Muhammad” em Kanpur, os líderes do BJP no distrito eleitoral de Modi, Varanasi, colocaram cartazes dizendo “Eu amo tratores” nos principais cruzamentos da cidade, em referência à demolição das casas dos acusados.