‘Pix não é ameaça, é alternativa’: empresas exportam sistema e não temem falas de Trump
CEO de companhia para pagamentos digitais ressalta que ‘Pix não foi criado para prejudicar empresas dos EUA’ e defende modelo como ‘tendência global’
As tarifas impostas pelo governo de Donald Trump contra o Brasil entraram em vigor nesta quarta-feira (06/08). Apesar do tarifaço, os produtos brasileiros vendidos nos Estados Unidos não foram o único alvo das ameaças protecionistas do mandatário republicano.
O Pix, sistema de transferência monetária instantânea criado pelo Banco Central do Brasil, também entrou na mira do país norte-americano por supostas ameaças que colocava contra os sistemas de pagamentos tradicionais de empresas dos EUA.
“O Pix não é uma ameaça, é uma alternativa. Ele não foi criado para prejudicar empresas norte-americanas e, tecnicamente, nem atua em concorrência direta com elas. Trata-se de uma solução nacional, processada em reais, voltada às necessidades do consumidor brasileiro”, defende a Opera Mundi Alex Hoffmann, CEO e cofundador da PagBrasil, empresa brasileira de tecnologia que desenvolve soluções de pagamento digital.
A PagBrasil exportou o Pix para diversos países, inclusive para os EUA, para funcionar como uma alternativa de pagamento para brasileiros que estão no exterior. Mesmo neste caso, do “Pix Internacional”, “o foco continua sendo o público do Brasil, que viaja ou consome” fora do país, explica Hoffmann.
O empresário substitui o termo “ameaça” por “desconforto” causado pelo sistema brasileiro em empresas norte-americanas que historicamente dominaram esse mercado, em especial as de cartão de crédito como Visa, Mastercard e American Express.
“É natural que um sistema tão eficiente e com adesão tão massiva gere desconforto nessas empresas. À medida que o Pix ganha funcionalidades, como o futuro Pix Garantido, que permitirá parcelamento, ele passa a ocupar espaços tradicionalmente dominados pelos cartões. E isso, sim, representa uma alerta ao modelo de negócio dessas empresas”, explica.
Além das tradicionais empresas de cartão de crédito, Hoffmann menciona que há big techs norte-americanas que se sentem impactadas pela dominância do Pix entre o público brasileiro.
Ele resgata que a Meta, conglomerado que abrange o WhatsApp, Instagram e Facebook, tentou lançar o WhatsApp Pay no Brasil, mas enfrentou entraves regulatórios. “Com o avanço do Pix, soluções privadas de pagamento instantâneo podem perder relevância ou até mesmo a janela de entrada em países que optam por adotar soluções públicas e interoperáveis”, como o Brasil.
Apesar de reconhecer uma concorrência indireta e não objetivada entre o Pix e as empresas norte-americanas, o líder da PagBrasil defende que “não faz sentido” compreender o cenário como “uma prática desleal do Brasil”, como acusou o governo Trump.
“A consolidação do Pix como o principal meio de pagamento no Brasil não é resultado de favorecimento regulatório, e sim de uma tecnologia superior, mais barata e acessível. Por isso, é difícil sustentar, do ponto de vista técnico, que o Pix representa uma ameaça desleal a outras formas de pagamento”, conclui.
Tendência global
A PagBrasil começou a levar o Pix para os Estados Unidos em 2023, por meio de uma parceria com a multinacional norte-americana de pagamentos eletrônicos Verifone. Segundo Hoffmann, “o processo foi complexo” porque a mentalidade do comércio no país “ainda é muito centrada no uso do cartão de crédito”.
Com esse histórico, ele avaliou que o tarifaço de Trump não deve afetar a PagBrasil, pois a empresa não trabalha com firmas que exportam produtos físicos do Brasil para os Estados Unidos, e nem mesmo as ameaças de investigação contra o Pix impactaram diretamente suas operações. Muito pelo contrário: “curiosamente, a atenção que o tema recebeu acabou fortalecendo a curiosidade sobre o Pix no mercado internacional. Muitos lojistas passaram a querer entender o que é esse sistema que tem desafiado gigantes como Visa e Mastercard”.
Para ele, essa movimentação reforça que o mundo precisa de mais diversidade nos meios de pagamento. O empresário explica que “vários países estão desenvolvendo sistemas de pagamentos instantâneos” similares: a Interface de Pagamentos Unificada (UPI) na Índia; o Cobro Digital (CoDi) no México; e até mesmo os Estados Unidos, com o lançamento do FedNow pelo Federal Reserve, além do Zelle, mantido por grandes bancos norte-americanos.
De acordo com Hoffmann, “a tendência é global”, mas a velocidade de implementação e a alta adesão do público realmente diferenciam o Pix dos demais sistemas.
A PagBrasil atua em dez países, distribuídos por quatro continentes, América do Sul (Uruguai, Argentina, Chile e Peru), América do Norte (Estados Unidos e México), Europa (Portugal, Espanha e Holanda) e Ásia (China), contudo ele não acredita que o Pix deve ser “empurrado” para todos os mercados, nem que vá substituir completamente os meios de pagamento existentes.

Ameaças de Trump contra Pix não afetam empresas brasileiras que exportam sistema instantâneo
Official White House Photo by Joyce N. Boghosian
“O Pix pode sim ser protagonista em um ecossistema global de pagamentos instantâneos, mas conectado a outras iniciativas regionais, como o UPI na Índia, por exemplo. A verdadeira democratização acontece quando essas soluções são interoperáveis, ou seja, quando se integram e permitem que o consumidor escolha o que faz mais sentido para sua realidade”, defende.
O CEO da PagBrasil afirma que o objetivo não é ter “uma única solução dominante” como acontece com as bandeiras de cartão de crédito. “Trata-se de criar uma rede de alternativas tecnológicas avançadas, mais acessíveis, transparentes e vantajosas”.
“Exportamos porque não há nenhuma barreira”
Outra empresa que facilita pagamentos feitos pelos brasileiros no exterior é a VoucherPay. Criada em 2018, em conjunto com o banco digital BS2, ela atuou inicialmente no Paraguai, para tornar o pagamento das compras mais seguro devido ao câmbio flutuante, conquistou a grande maioria dos países da América Latina e, em 2020, foi implementada na Europa.
Segundo Juliane Oliveira, diretora de vendas e marketing da VoucherPay na Europa, uma expansão da empresa para a América do Norte, em especial nos Estados Unidos, já chegou a ser considerada. “Nos EUA já oferecem pagamentos parcelados e outras formas de pagamento. Acredito que seja um mercado mais concorrido. Mas não é um plano abandonado, acredito que está sendo gestado”, explica.
Oliveira também afirma que as ameaças do governo dos EUA contra o Pix não afetaram os negócios da VoucherPay, que tem como foco seu mercado na Europa, onde já opera na França, Portugal, Irlanda, Malta, Itália, Alemanha, Inglaterra e Espanha.
“A nossa prioridade é a Europa, porque não é só um país, é um continente, que inclusive está de portas abertas, admirando, inspirando e adotando o Pix. Não tem nenhuma barreira aqui”, relata.
Segundo Oliveira, clientes da Voucherpay não se preocuparam diante do tarifaço, dificuldade nos vistos e ameaças contra o Pix impostas pelos EUA justamente porque o Pix está cada vez mais presente como alternativa na Europa.
Com este crescimento, Oliveira afirma que a utilização do Pix como ferramenta para facilitar os pagamentos efetuados pelos brasileiros no exterior é uma tendência crescente, mesmo diante do cenário de ameaças protecionistas do governo Trump.
Ela também analisa que a facilitação de pagamentos por Pix no exterior, que podem ser parcelados, leva os clientes brasileiros em outros países a se tornarem independentes das bandeiras de cartão de crédito, inclusive as tradicionais norte-americanas.
“Isso com certeza é um risco a todos os cartões de crédito. Os Estados Unidos veem o Pix como um risco [às suas empresas de pagamentos tradicionais] e ele realmente é. Não imaginávamos que o pagamento via Pix teria tanta adesão, mas é quase 70% dos pagamentos, e em valores altos”.
Como essas empresas levam o Pix para fora do Brasil?
De acordo com entrevistas concedidas pelos empresários a Opera Mundi, a experiência do brasileiro que usa o Pix como pagamento no exterior é muito semelhante à ação que tomariam para fazer a transação no Brasil. Além disso, não exige conta em dólar nem cadastro em aplicativos específicos, apenas comprovação de dados como CPF para evitar fraudes.
Oliveira, da VoucherPay, afirma que os comércios voltados ao turismo aceitam o Pix como pagamento de brasileiros nos países onde atuam, como hotéis, guias, motoristas, agências de viagem, farmácias, perfumarias, e restaurantes.
“Primeiro temos um trabalho pedagógico de explicar o que é o Pix, porque afinal são culturas muito diferentes. Depois passamos por um período de cadastramento dos comércios estrangeiros”, detalha.
O lojista estrangeiro insere o valor da compra, na moeda local, em seu dispositivo de pagamento, como a maquininha, e um QR Code de Pix é gerado com o valor já convertido para reais e com IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) incluído. O consumidor brasileiro escaneia o código com o aplicativo do seu banco e visualiza, antes de confirmar, o valor final em reais. Após a aprovação, o pagamento é concluído instantaneamente, explica Hoffmann, da PagBrasil.
Segundo o CEO, uma das grandes vantagens é que no Pix Internacional, o câmbio é fixado no momento da transação, o que permite que o comprador veja e aprove o valor final em reais antes de concluir o pagamento, diferentemente do cartão de crédito, que só revela o valor definitivo no fechamento da fatura e “pode surpreender negativamente”.























