Sábado, 6 de dezembro de 2025
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“Oitenta anos do Holocausto na Alemanha: o passado ainda está presente?”, perguntou o jornal alemão Deutche Welle nesta segunda-feira (27/01) quando se recorda da liberação do campo de concentração de Auschwitz pelo Exército Vermelho. O dia foi escolhido como Dia Internacional da Memória do Holocausto pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Aberto em maio de 1940, o local se tornou o maior campo de extermínio de judeus em larga escala. Estima-se que ali os nazistas tenham assassinado mais de um milhão de pessoas, sendo 900 mil judeus. Quando o Exército soviético chegou, os oficiais da SS responsáveis haviam fugido com cerca de 60 mil prisioneiros em direção à Alemanha (a Marcha da Morte).

A ampla reportagem do Deutche Welle destacou a importância da Alemanha ter mais de 300 memoriais e centros de documentação sobre o nazismo e dos currículos escolares tratarem criticamente o tema. Mas alertou que a extrema direita representa uma ameaça a essa memória. “A memória dos crimes nazistas é alvo de ataques”, frisou o jornal.

Exemplo disso seriam as ameaças que Jeans Christian Wagner, diretor do Memorial de Buchenwald e Mettelbau-Dora, vem recebendo por se posicionar contra o partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD).

“Quase todos os memoriais enfrentam vandalismo e negação do Holocausto. (…) Declarações que há 10 anos seriam amplamente rejeitadas hoje recebem muito mais apoio”, diz Veronika Hager, da Fundação Memória, Responsabilidade e Futuro, ao DW.

Alerta contra os que querem erradicar os diferentes

Na mesma linha, o jornal francês Le Monde publicou um artigo da rabina Pauline Bebe alertando sobre a necessidade de permanecer vigilante diante dos movimentos extremistas que atraem pessoas com desejo de erradicar todos os que são diferentes de si.

Mais genérico, o New York Times disse que Auschwitz foi palco de uma “cerimônia solene em uma época de ascensão do nacionalismo na Alemanha e em vários outros países europeus”.

Já o jornal português O Público trouxe a lembrança de Auschwitz para o contexto atual, recordando que, oito décadas depois, “as percepções e atitudes antissemitas estão a aumentar em todo o mundo”.

Segundo o periódico, isso se explica pelas atrocidades cometidas por Israel em Gaza e, sobretudo, pelo crescimento da extrema direita na Europa.

O Washington Post destacou o depoimento de Tova Friedmana mais jovem de todos os sobreviventes. Ela tinha seis anos quando o Exército Vermelho chegou a Auschwitz. Hoje, aos 86, pôs sues olhos críticos no presente e no futuro para lançar o seu alerta:

“O mundo se tornou tóxico. Há tanto ódio ao redor, tanta desconfiança, que se não pararmos, pode haver outra destruição terrível”, disse ela.

entrada de auschwitz

Tulio Bertorini / Wikimedia Commons
Mais de um milhão de pessoas morreram no campo de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial

Wiadomosci, jornal polonês, também destacou a vida de Friedman, mas preferiu as recordações dos seus dias terríveis em Auschwitz.

“Hitler ordenou: sem testemunhas. Sobrevivi porque minha mãe me colocou ao lado de uma mulher morta, entrelaçou nossas pernas e colocou minha cabeça sob a sua axila antes de jogar o lençol por cima”.

‘História lição de lucidez’

Em editorial, o jornal francês Le Figaro apontou que na França, “país de Bernard Lazare, Simone Weil e Marc Chagall”, ressurgem atos antissemitas e que “a história deve ser sempre uma lição de lucidez”.

O jornal espanhol El País destacou que o maior campo de extermínio nazista ainda encerra muitas perguntas sem resposta, como a relação de grandes empresas alemãs com o Holocausto.

“Sobre esse tema ainda há muito o que investigar, em torno a Auschwitz se instalaram vários campos de trabalhos forçados”, apontou o periódico.

Desde 1947, Auschwitz é um museu, além de lugar de memória e investigação. Mas vem se tornando cada vez mais local de turismo massivo que, em 2024, recebeu 1,8 milhões de visitantes.

Diversas reportagens desta segunda-feira destacam os sinais de banalização da história que vem associado com o turismo massivo. O La Vanguardia, por exemplo, mencionou que o museu de Auschwitz chegou a exigir respeito diante da abundância de selfies frívolas: jovens se equilibrando ou saltando entre os trilhos do trem ou fazendo caretas diante dos fornos crematórios.

Os genocídios mais recentes

O jornal argentino Página 12 divulgou um artigo da jornalista Eliana Malamud, ela mesma descendente de vítimas do nazismo. Nele, a repórter se pergunta qual terá sido a deriva emocional arraigada nos sobreviventes e transmitida aos seus filhos, netos e bisnetos.

Ela se pergunta se “suas almas dilaceradas cederam ao ódio e à sede de vingança que os teriam levado a gostar de trancar os vizinhos entre muros e arame farpado, com um instinto genocida semelhante ao que eles próprios sofreram”.

Ou se “conseguiram deleitar-se na procura da Justiça (…) naquele novo Estado-nação que parece embarcado numa insaciável expansão messiânica ao mesmo tempo que, juntamente com os impérios atlantistas, se coloca como guardião oriental do Mediterrâneo, com a pretensão de ser o que não é: a totalidade do que é judaico”.