‘Nova Geringonça’ pode ser opção contra ascensão da extrema direita em Portugal após queda de premiê
Renúncia de António Costa abre espaço para uma possível convocação de novas eleições, que teria o extremista André Ventura como um dos protagonistas, mas que também pode recuperar coalizão de esquerda
Após a crise instalada com a renúncia de António Costa ao cargo de primeiro-ministro, o secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo afirmou nesta terça-feira (07/11) estar preparado para enfrentar novas eleições, apesar do difícil quadro político que Portugal enfrenta neste momento.
Depois de aceitar a demissão, cabe agora ao presidente da República nomear um novo premiê ou convocar novas eleições. Marcelo Rebelo de Sousa fará uma reunião extraordinária com o Conselho de Estado para anunciar a sua decisão na próxima quinta-feira (09/11).
“Os desenvolvimentos desta situação, em que se inclui a demissão do primeiro-ministro, são consequência da fragilização do Governo, que é indissociável das suas opções políticas que deixam sem resposta e solução os principais problemas dos trabalhadores e do povo”, afirmou Paulo Raimundo ao lembrar que o Partido Socialista (PS), liderado por Costa, possui a maioria absoluta no Parlamento português, e que o país está diante de “uma operação de chantagem que contou com a colaboração do Presidente da República”.
O líder comunista lembra ainda que, no plano constitucional, a demissão do primeiro-ministro não obriga a dissolução do Parlamento e que a decisão de Rebelo precisa levar em conta a responsabilidade com os desenvolvimentos institucionais futuros, pois o escândalo de corrupção e a consequente na renúncia de Costa aconteceram em um momento no qual está sendo discutido o Orçamento de Estado para o próximo ano.
“A situação do país exige a rejeição da política de direita que tem sido prosseguida pelo governo do PS e que é acompanhado pelos setores de direita em tudo o que serve o grande capital, e a concretização de uma política alternativa que assegure o aumento de salários e pensões, a defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e do acesso à saúde, a garantia do direito à habitação, os direitos das crianças e dos pais, a defesa da soberania e do desenvolvimento”, explicou o secretário-geral do PCP.
Denúncia sem provas
Com as buscas e apreensões realizadas pela polícia portuguesa na residência oficial do primeiro-ministro, em São Bento, vários partidos e representantes da direita parlamentar defenderam a saída de António Costa. Em sua declaração oficial à imprensa, o agora ex-primeiro-ministro sublinhou que não podia continuar a exercer suas funções porque a dignidade do cargo é “incompatível com qualquer suspeita sobre a sua integridade”.
A investigação tem como alvo principal um projeto de exploração de lítio e hidrogênio verde no país, que poderia envolver crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. Os contratos que estão sob suspeita incluem as concessões de exploração de lítio das minas de Romano e Covas do Barroso, ambas relacionadas a um projeto de produção de energia desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines, pela empresa Start Campus.
A oposição de esquerda vê a situação com mais cautela devido ao crescimento da extrema-direita no país. Apesar das acusações de corrupção, a investigação do Ministério Público ainda não apresentou provas materiais que possam incriminar o líder do governo e demais ministros.

Tiago Petinga / Agência Lusa
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa deve convocar novas eleições em Portugal para definir sucessor de António Costa
Ascensão da extrema-direita
De acordo com uma pesquisa recente, realizada entre 2 e 5 de outubro pelo instituto Aximage, se as eleições legislativas fossem hoje, o PS voltaria a ser o partido mais votado pelos portugueses, com 27,6% dos votos, mas sem obter a maioria absoluta no Parlamento, como aconteceu na última eleição do país, em 2019 – quando obteve 36,3%, suficiente para conformar uma bancada de 108 representantes.
As pesquisas também mostram o Partido Social Democrata (PSD), de direita, com 24,1% das intenções. A novidade é a aparição da extrema-direita, representada pelo partido Chega, no terceiro lugar da disputa, com 12,8%. No pleito realizado há quatro anos, a legenda ficou em sétimo lugar, com apenas 1,3%.
Embora os sociais-democratas neguem uma possível coligação com o Chega, a verdade é que o líder do partido extremista, o deputado André Ventura, vem buscando o apoio não só do PSD, como também da Iniciativa Liberal, que aparece com 5% das intenções, e do conservador Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), com 2,4%.
‘Nova Geringonça’
O deputado Pedro Filipe Soares, presidente da legenda progressista Bloco de Esquerda, afirmou nesta terça que é preciso apurar e responsabilizar quem quer que seja. “A justiça deve ser célere, rápida, justa, doa a quem doer, sem poupar ninguém que tenha responsabilidades. Ninguém está acima da lei”, reforçou Soares. O Bloco de Esquerda se posicionou favorável à possibilidade de eleições antecipadas.
Com esse novo contexto político, se especula a hipótese de uma nova ‘Gerigonça’, em referência à aliança que reuniu PS, PCP e Bloco de Esquerda, para permitir a primeira vitória eleitoral de Costa, em 2015. Caso se reproduza novamente, essa coalizão poderia contar com setores ambientalistas com viés progressista, como o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o Livre.
Em um comunicado na rede social X (antigo Twitter), João Ferreira, vereador e ex-candidato à presidência pelo PCP, afirmou que a provável realização de eleições pode ser uma oportunidade de reforçar a luta social e a influência dos comunistas, além de sustentar que a ascensão eleitoral do PS dificultou a adoção das medidas necessárias nos últimos anos.
“Instabilidade social e política. Problemas na saúde, escola pública, habitação. Privatizações. Degradação do nível de vida. Chega e Iniciativa Liberal (saídos da barriga da mãe) e os valores retrógrados que defendem incessantemente promovidos. Podemos abrir caminhos e perspectivas que de outra forma não se vislumbram”, escreveu.
Ana Gomes, ex-deputada e ex-candidata à presidência da República pelo Partido Socialista, reagiu à renúncia de António Costa dizendo que não vai especular sobre a direção do partido, pois é apenas “uma militante de base” e não ocupa nenhuma posição de poder. A jurista completou dizendo que vai deixar que o PS “se reorganize democraticamente”, pois é um partido “essencial à democracia”.























