Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a reunião de líderes da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas nesta terça-feira (23/09), em Nova York, com uma defesa contundente da independência e soberania do Brasil, do multilateralismo e do fim do genocídio na Faixa de Gaza.

Desde 1955, é tradição que o país seja o primeiro a discursar, em prática já “estabelecida” pelo secretariado da ONU. Lula foi o primeiro chefe de Estado a falar, após abertura da Conferência pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e pela presidente da Assembleia Geral, Annalena Baerbock.

“Este deveria ser um momento de celebração das Nações Unidas. Criada no fim da Guerra, a ONU simboliza a expressão mais elevada da aspiração pela paz e pela prosperidade. Hoje, contudo, os ideais que inspiraram seus fundadores estão ameaçados como nunca estiveram em toda a sua história”, lamentou o presidente.

“O multilateralismo está diante de nova encruzilhada. A autoridade dessa organização está em xeque. Assistimos à consolidação de uma desordem internacional, marcada por seguidas concessões a políticas do poder, atentados a soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra”, complementou.

Lula destacou que poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio e criticou as “medidas unilaterais que transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de Nação Mais Favorecida”. Ele também defendeu a refundação da OMC, “em bases modernas e flexíveis”. E pediu reformas nas Nações Unidas, em particular, no seu Conselho de Segurança, propondo a criação de um conselho vinculado à Assembleia Geral, com força e legitimidade.

Soberania do Brasil

Sem mencionar os EUA de Donald Trump, o presidente Lula criticou as forças antidemocráticas por atentar contra a soberania, impor sanções arbitrárias e intervenções unilaterais. Disse que o Brasil fez história ao condenar pela primeira vez um ex-chefe de Estado por liderar uma tentativa de golpe; e que o país resistiu, defendendo uma democracia reconquistada há 40 anos pelo povo depois de duas décadas ditatoriais. “Nossa democracia e soberania são inegociáveis”, declarou, sendo aplaudido.

“Em todo mundo forças antidemocráticas tentam subjugar as instituições e sufocar as liberdades. Cultuam a violência, exaltam a ignorância, atuam como milícia física e digitais”, afirmou. “A democracia também se mede pela capacidade de proteger as famílias e a infância”, complementou, ao apontar que as plataformas digitais “têm sido usadas para semear intolerância, xenofobia, misoginia, desinformação”.

“A internet não pode ser terra sem lei. Cabe ao poder publico proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão, mas garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim também no ambiente digital/virtual”, destacou.

Na ONU, Lula defende soberania brasileira ante ataques de Trump: ‘interferência é inaceitável’
Ricardo Stuckert / PR

América Latina e Caribe

Lula também comentou a instabilidade na América Latina e Caribe. “Manter a região como zona de paz sempre foi e é a nossa prioridade. Somos um continente livre de armas de destruição de massa, sem conflitos étnicos e religiosos. É preocupante a equiparação entre criminalidade e terrorismo”, afirmou.

O presidente brasileiro salientou que a forma mais eficaz de se combater o tráfico de drogas “é a cooperação para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas” e que o uso de força letal “em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento”. Ele defendeu que “a via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela”.

Lula salientou que o Haiti “tem direito a um futuro livre de violência” e disse ser “inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo”, sendo novamente aplaudido.

O líder brasileiro defendeu o fim da Guerra da Ucrânia e citou o papel do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica e do Papa Francisco, que “encarnaram como ninguém os melhores valores humanistas”. Também destacou que o século XXI, “para ser pacífico não pode deixar de ser multilateral”. E acrescentou que “a voz do Sul Global deve ser respeitada e ouvida”.

‘Nada justifica genocídio’

Sobre Gaza, o presidente brasileiro foi categórico: “absolutamente nada justifica o genocídio em curso em Gaza. Sob toneladas de escombros estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Em Gaza a fome é usada como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações é praticado impunemente”.

“Ali também estão sepultados os direitos internacional e humanitário e o mito da superioridade étnica do Ocidente. Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo”, afirmou. E alertou: “o povo palestino corre o risco de desaparecer. Ele só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional”.

“Esta é a solução defendida por mais de 150 membros da ONU, reafirmada ontem, aqui neste mesmo plenário, mas obstruída por um único veto”, afirmou, sem citar os Estados Unidos. Lula também criticou que o presidente Mahmoud Abbas tenha sido impedido pelo país anfitrião de ocupar a bancada da Palestina. E destacou que “o alastramento desse conflito para o Líbano, a Síria, o Irã e o Catar fomenta escalada armamentista sem precedentes”.

COP 30

“A COP30, em Belém, será a COP da verdade”, afirmou Lula, ao apontar que o encontro será o momento para que líderes mundiais provem a seriedade de seu compromisso com o planeta. “Sem ter o quadro completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas (as NDCs), caminharemos de olhos vendados para o abismo”, salientou.

Ele lembrou que as nações em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lutam contra outros desafios. “Enquanto isso, os países ricos usufruem de padrão de vida obtido às custas de duzentos anos de emissões. Exigir maior ambição e maior acesso a recursos e tecnologias não é uma questão de caridade, mas de justiça”, complementou.

Sobre os minerais críticos, essenciais para a transição energética, Lula destacou que a exploração das terras raras não pode reproduzir uma lógica predatória. E cobrou a comunidade internacional, afirmando que os países precisam rever suas prioridades: “reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento; aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres, sobretudo os africanos; e definir padrões mínimos de tributação global, para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores.

Confira o discurso do presidente na ONU

Agenda de Lula

O líder brasileiro tem uma agenda intensa durante os três dias nos Estados Unidos. Segundo fontes ligadas à organização da agenda, mais de 30 líderes mundiais solicitaram encontros bilaterais com o presidente brasileiro.

Nesta segunda-feira (22/09), ele discursou durante a Conferência de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão Palestina, no plenário da Assembleia Geral da ONU, defendendo a proposta de dois Estados para o conflito no Oriente Médio. Amanhã (24/09), seus compromissos incluem a Segunda Reunião em Defesa da Democracia e no Combate ao Extremismo e, mais tarde, a abertura de um evento especial sobre clima, organizado pelo secretário-geral da ONU.