Movimentos latinos reafirmam compromisso anti-imperialista 20 anos após campanha contra ALCA
Reunião em Mar del Plata recordou os esforços que culminaram na derrota à tentativa dos EUA de estabelecer acordo de livre comércio na América Latina
No mesmo local onde o projeto regional de livre comércio foi “enterrado” há duas décadas, 150 delegados de vários movimentos sociais do Brasil, Uruguai, Bolívia, Cuba, México, Portugal, Haiti, Palestina, Chile, Nicarágua, Peru e Paraguai se reuniram para reafirmar o espírito anti-imperialista que levou à rejeição regional do projeto da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
“O mundo enfrenta maiores níveis de desigualdade, injustiça e autoritarismo, com uma crescente concentração de poder financeiro e tecnológico que aprofunda a pobreza e limita a autonomia dos países do Sul Global“, disseram os delegados na declaração final do evento.
A reunião também contou com a presença do governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, que afirmou que a rejeição da ALCA em 2005 foi uma “nova declaração de independência” para os países latino-americanos. “A rejeição da ALCA foi uma vitória da soberania latino-americana, expressa por um grupo de presidentes com enorme coragem, representado em nosso país por Néstor Kirchner. Vinte anos depois desse marco histórico, temos a responsabilidade de continuar construindo a unidade, porque não há possibilidade de desenvolvimento para nossos países fora do marco da integração regional. Não podemos nos dar ao luxo de não ter um projeto em nome de nosso povo, porque a Argentina e os países da América Latina não são o quintal de ninguém”, escreveu Kicillof na plataforma X.
Por sua vez, o secretário de Relações Exteriores da Central Sindical dos Trabalhadores (CTA) argentina, Adolfo Aguirre, afirmou: “Neste mesmo lugar, diante do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e diante dos olhos de todo o mundo, nossos povos, trabalhadores, juntamente com líderes como Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Luiz Inácio Lula da Silva, marcou um ponto de virada. Dissemos não à rendição, não à dependência, não ao modelo que queria transformar nossa América no quintal do poder econômico.

Delegados de vários movimentos sociais de países latino-americanos se reuniram para reafirmar rejeição regional do projeto da ALCA
X/Axel Kicillof
Vinte anos atrás, nasceu o slogan anti-imperialista
Há vinte anos, na Argentina, vários líderes políticos da esquerda latino-americana se reuniram em uma Cúpula dos Povos, cujo slogan fundamental era a rejeição da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), uma iniciativa promovida, entre outras, pelo governo George W. Bush. A ALCA buscou reduzir significativamente as barreiras alfandegárias entre os países americanos.
De acordo com as forças populares e de esquerda da América Latina e do Caribe, o acordo teria promovido um mercado regional no qual os Estados Unidos teriam uma enorme vantagem sobre outros países e que, a longo prazo, teria levado à destruição da ainda imatura indústria regional para beneficiar os interesses das grandes empresas norte-americanas.
No entanto, o projeto econômico e geopolítico não prosperou devido à oposição feroz e coordenada de vários presidentes latino-americanos, incluindo Néstor Kirchner (Argentina), Hugo Chávez (Venezuela) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), entre outros. A manobra política ocorreu em Mar del Plata, durante a Cúpula das Américas, onde Bush e sua comitiva sofreram um grave revés. Assim, a proposta que estava em andamento e planejada desde 1994 em Miami e foi definitivamente derrotada.
A Cúpula das Américas é considerada por vários especialistas como um ponto de inflexão nas relações geopolíticas do continente americano. Novos processos progressistas e pró-soberania se juntaram aos da Argentina, Brasil e Venezuela, dando origem a uma tentativa de integração regional que até hoje é impulsionada pelo progressismo e boicotada pelos aliados neoliberais de Washington.
Enquanto a cúpula acontecia, milhares de pessoas de movimentos e partidos políticos de esquerda e progressistas se reuniram em uma conferência paralela com o slogan “Não à ALCA”, que acabou contando com a presença de vários líderes políticos. Entre eles, Hugo Chávez fez uma declaração em seu discurso que entraria para a história: “ALCA (ALCA em espanhol), al carajo! (ALCA, vá para o inferno!)”.
Um evento histórico
A região mudou, sem dúvida, sua composição política. A ascensão aparentemente imparável de governos progressistas está agora fragmentada devido ao surgimento de novos projetos de direita e neoliberais, como os de Javier Milei na Argentina e Daniel Noboa no Equador, e a recente vitória da direita boliviana após mais de 20 anos de governos de esquerda, entre outros.
No entanto, em vários países, o progressismo conseguiu recuperar o governo, como no caso do próprio Lula da Silva, ou conseguiu permanecer no poder, como no caso do Partido Socialista Unido da Venezuela. Além disso, em outros países, como a Colômbia com Gustavo Petro e o México com Andrés Manuel López Obrador e Claudia Sheinbaum, governos progressistas assumiram o cargo pela primeira vez em sua história recente.
Nesse sentido, a disputa sobre governos na América Latina permanece aberta, e grande parte da estrutura dessa disputa pode ser encontrada no que aconteceu em Mar del Plata há 20 anos, onde um projeto regional foi enterrado e outro se estabeleceu, por quase uma década, como modelo de integração regional em torno de uma posição que, embora tivesse seus limites claros, sempre se declarou soberano e independente.























