Madagascar: coronel assume Presidência após queda de Rajoelina em meio à revolta da Geração Z
Cerimônia marca início de transição política liderada por militares, em resposta a semanas de protestos impulsionados pela Geração Z
Nesta sexta-feira (17/10), o coronel Michael Randrianirina foi empossado presidente da “Refundação da República de Madagascar”, após a queda de Andry Rajoelina. A cerimônia, realizada na Alta Corte Constitucional, marca o início de uma transição política liderada por militares, em resposta a semanas de protestos populares impulsionados pela juventude malgaxe, especialmente da Geração Z.
Madagascar atravessa uma das mais profundas crises políticas de sua história recente. Após três semanas de manifestações lideradas por jovens da Geração Z, o presidente Andry Rajoelina foi destituído pela Assembleia Nacional e deixou o país em circunstâncias ainda envoltas em mistério.
A mobilização popular começou em 25 de setembro, motivada por cortes constantes de água e energia elétrica, agravados por denúncias de corrupção e má gestão. O movimento, articulado principalmente pelas redes sociais sob o nome Gen Z Madagascar, rapidamente ganhou força e apoio de sindicatos, organizações civis e, surpreendentemente, de setores das Forças Armadas.
A unidade militar CAPSAT — a mesma que havia apoiado Rajoelina em sua ascensão ao poder em 2009 — se rebelou e se juntou aos manifestantes. No dia 12 de outubro, o grupo anunciou ter assumido o controle das Forças Armadas e nomeado o general Demosthene Pikulas como novo chefe do Exército. No dia seguinte, Rajoelina fugiu do país a bordo de um avião militar francês, segundo fontes diplomáticas.
A Assembleia Nacional ignorou a tentativa de dissolução feita por Rajoelina e votou sua destituição por abandono de cargo. A Alta Corte declarou o cargo de presidente vago e convidou Randrianirina a assumir a liderança do país.
Posse e promessas de transição
Em seu discurso de posse, Randrianirina afirmou que o país vive um “momento histórico” e prometeu romper com o passado autoritário. “Com um povo em ebulição, movido pelo desejo de mudança e pelo amor profundo à pátria, iniciamos com entusiasmo um novo capítulo da vida nacional”, declarou.
O coronel prometeu realizar eleições em até dois anos e formar um governo de transição civil. Também se comprometeu a reformar profundamente o sistema administrativo, político e socioeconômico, além de garantir liberdades fundamentais como a liberdade de expressão.

Em discurso de posse, Randrianirina afirmou que Madagascar vive “momento histórico”
Gasybeaugosse2020/Wikicommons
A cerimônia contou com a presença de representantes diplomáticos de países como França, Reino Unido, China, Suíça, Alemanha e da União Europeia. A União Africana, por outro lado, suspendeu Madagascar do bloco
A força da juventude e o papel das redes sociais
A Geração Z, composta por jovens nascidos entre 1995 e 2010, foi o motor da revolta. Em Madagascar, onde a idade média da população é inferior a 20 anos e cerca de 75% vivem na pobreza, os jovens têm se mostrado cada vez mais engajados politicamente. O movimento Gen Z Mada utilizou plataformas como TikTok e Facebook para organizar protestos, denunciar abusos e exigir mudanças estruturais.
Segundo a ONU, ao menos 22 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas durante os confrontos com as forças de segurança. A repressão foi duramente criticada por organizações internacionais como a Anistia Internacional, que pediu investigações sobre o uso excessivo da força e a revogação de leis repressivas.
Madagascar tem um histórico de instabilidade política desde sua independência da França em 1960. O próprio Rajoelina chegou ao poder em 2009 por meio de um golpe militar. Reeleito em 2023 em uma eleição boicotada pela oposição, ele enfrentava crescente descontentamento popular diante da deterioração dos serviços públicos e da persistente pobreza.
Entre 1960 e 2020, o PIB per capita do país caiu 45%, segundo o Banco Mundial. A estatal de energia Jirama é acusada de má gestão e corrupção, agravando os apagões e a escassez de água que motivaram os protestos.
Reações internacionais e futuro incerto
A ONU e a União Africana expressaram preocupação com a tomada de poder pelos militares. O secretário-geral da ONU, António Guterres, condenou a mudança de governo e pediu o retorno à ordem democrática. A União Africana suspendeu Madagascar do bloco e alertou para possíveis sanções.
Apesar das promessas de Randrianirina, analistas alertam para o risco de repetição de ciclos autoritários. O coronel, que já esteve preso por suposta tentativa de golpe em 2023, agora lidera um governo que ainda precisa provar seu compromisso com a democracia.
Enquanto isso, os jovens continuam mobilizados, exigindo não apenas a saída de Rajoelina, mas reformas profundas que garantam dignidade, oportunidades e justiça social. Madagascar, uma das nações mais pobres do mundo, enfrenta agora o desafio de transformar uma revolta popular em um processo legítimo de reconstrução nacional.























