Lula manda recado direto a Trump: ‘democracia e soberania do Brasil não estão em pauta’
Carta foi publicada no New York Times neste domingo (14); presidente denuncia ‘falsos pretextos’ e motivação política por trás das sanções norte-americanas
Em artigo publicado pelo jornal The New York Times neste domingo (14/09), o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva enviou um recado direto ao seu homólogo norte-americano Donald Trump declarando abertura às negociações. No entanto, reforçou: “democracia e soberania do Brasil não estão em discussão”.
“Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em discussão”, disse o mandatário, lembrando o magnata o fato de que “Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente do Brasil” ao rejeitar a interferência norte-americana em assuntos que competem à nação.
Assim que Jair Bolsonaro, aliado político do republicano, foi condenado na quinta-feira (11/09) por liderar uma tentativa de golpe de Estado, pouco demorou para que o Departamento de Estado norte-americano publicasse uma nova ameaça à suposta “caça às bruxas” brasileira contra o ex-presidente.
Lula inicia seu texto esclarecendo que, por meio deste, deseja estabelecer um “diálogo aberto e franco com o presidente dos EUA”, enfatizando que analisou os argumentos apresentados pelo governo Trump para a imposição do tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros. Segundo ele, “recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado”.
“O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento da tarifa imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com nosso país, nem estão sujeitos a altas tarifas”, explicou, voltando a afirmar que Washington acumulou um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços nos últimos 15 anos.
De acordo com o presidente brasileiro, a falta de justificativa econômica por trás das medidas punitivas contra o país expõe a “motivação política” da Casa Branca. Lula denunciou o tarifaço e a Lei Magnitsky aplicada contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da trama golpista, para “buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023”.
“Tenho orgulho da decisão histórica tomada na quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que protege nossas instituições e o Estado de Direito democrático. Não se tratou de uma ‘caça às bruxas’. A decisão foi resultado de um processo conduzido de acordo com a Constituição brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Ela veio após meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do Supremo Tribunal Federal. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022”, explicou.
O petista também mencionou as acusações “falsas” proferidas por Trump contra o Judiciário de perseguir e censurar empresas de tecnologia norte-americanas, além das “igualmente infundadas” alegações sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico
“Todos perdem”, diz Lula no momento em que os EUA abandonam “uma relação de mais de 200 anos”.
“Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2017, o senhor disse que ‘nações soberanas fortes permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo’. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitar e cooperar para o bem dos brasileiros e dos americanos. Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente do Brasil”, conclui o mandatário.

Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva reitera ao seu homólogo norte-americano, Donald Trump, que democracia e soberania são inegociáveis
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Leia a carta na íntegra:
“Decidi escrever este ensaio para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociações, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em consideração todos os interesses em jogo. É por isso que examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros.
Trazer de volta os empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou sobre seus efeitos prejudiciais. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington, uma receita política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação geral dominante desde a década de 1990, justificou a posição brasileira.
Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento da tarifa imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com nosso país, nem estão sujeitos a altas tarifas.
Nos últimos 15 anos, acumulou um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Segundo nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre os produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos dez principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão.
A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que estavam trabalhando para abrir canais de negociação. O governo dos EUA está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas.
Tenho orgulho da decisão histórica tomada na quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que protege nossas instituições e o Estado de Direito democrático. Não se tratou de uma “caça às bruxas”. A decisão foi resultado de um processo conduzido de acordo com a Constituição brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Ela veio após meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do Supremo Tribunal Federal. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022.
O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, sejam elas nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser um terreno sem lei, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes.
Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico e sua suposta falha em fazer cumprir as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos EUA, o sistema de pagamento digital do Brasil, conhecido como PIX, possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia.
Nos últimos dois anos, reduzimos pela metade a taxa de desmatamento na Amazônia. Somente em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em bens usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa.
O aumento da temperatura global pode transformar a floresta tropical em uma savana, alterando os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o meio-oeste americano.
Quando os Estados Unidos abandonam uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que devam impedir dois governos de trabalharem juntos em áreas onde têm objetivos comuns.
Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em discussão. Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2017, o senhor disse que “nações soberanas fortes permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo”. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitar e cooperar para o bem dos brasileiros e dos americanos. Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente do Brasil.”























