Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A Prefeitura de São Paulo cancelou a cessão do espaço da Praça das Artes para a realização da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), entre os dias 6 e 10 de agosto, por razões políticas. A gestão de Ricardo Nunes alegou que a Fundação Theatro Municipal (FTM) “suspendeu a realização do evento em razão do uso político por parte de seus organizadores” e da utilização da estrutura pública “para interesses políticos e eleitorais”.

A Flipei acusou estar sofrendo uma “censura política e ideológica” por parte da fundação, após ser comunicada de que a edição deste ano não poderá mais acontecer no local como estava planejado. Para os organizadores, a Fundação Theatro Municipal se curvou diante da pressão do lobby sionista, já que a programação traz debates sobre a questão palestina com a presença do historiador israelense Ilan Pappe.

Toda a programação da Flipei foi transferida para outros locais da capital paulista, como o Galpão Elza Soares e o Sol y Sombra. Para os organizadores, a Flipei “já tomou muita rasteira, mas a gente se levanta sempre”.

O cancelamento ocorreu a menos de uma semana do início do evento, por suposto “conteúdo e finalidade de cunho político-ideológico”. Segundo o diretor-geral da fundação, Abrão Mafra de Oliveira Lopes, que assina o ofício, a programação da Flipei vai na contramão dos “princípios de neutralidade e impessoalidade que regem a administração pública”.

Porém, vale destacar que, em 2024, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro foi homenageada com o título de cidadã paulistana durante uma cerimônia no Theatro Municipal, local que, em outras ocasiões, também serviu como espaço para apresentações de temática religiosa destinadas ao público evangélico.

O ofício foi enviado à organização social Sustenidos, que atualmente administra o complexo cultural. A Flipei havia assinado, há cinco meses, com ela um contrato de cessão onerosa para a realização da festa na Praça das Artes e rechaçou a justificativa.

A Opera Mundi, um das organizadores, Rafael Limongelli, afirmou que há “dois pesos e duas medidas” por parte da fundação, destacando que fica “clara a censura contra a Flipei quando, na quarta-feira (30/07), é publicada a programação no site do Theatro Municipal e, dois dias depois, é cancelado o contrato”.

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Fundação Theatro Municipal falou em ‘conteúdo de cunho político-ideológico’ ao revogar contrato com Flipei

Censura

A edição deste ano da Flipei aborda diversos temas, incluindo o genocídio perpetrado por Israel contra os palestinos na Faixa de Gaza. Sobre o assunto, é esperada a participação de Ilan Pappe, historiador israelense crítico ao governo de extrema-direita do premiê Benjamin Netanyahu. Além dele, o ativista Thiago Ávila também está na lista de participantes. O brasileiro foi um dos tripulantes da Flotilha da Liberdade, que tentava levar ajuda humanitária à população de Gaza e foi preso ilegalmente por Israel.

Neste ano, o evento conta com a participação de diversas personalidades dos campos político, da comunicação e da cultura. O fundador de Opera Mundi, o jornalista Breno Altman, é uma das presenças e denunciou o lobby sionista: “o lobby sionista pressionou a Fundação Theatro Municipal para que rompesse, na noite de sexta, o contrato de realização da Flipei na Praça das Artes, de 6 a 10 de agosto. O novo local será o Galpão Elza Soares. O fascismo sionista é inimigo da cultura, da democracia e do país”, disse.

Além disso, a decisão estaria “acompanhada de manobras institucionais”. Limongelli explicou à reportagem que esta edição reúne mais de 500 trabalhadores, 180 editoras e feita de forma gratuita para o público. Para isso, emendas parlamentares garantiram apoio estrutural ao evento. No entanto, uma delas, a do vereador Nabil Bonduki, já estava aprovada e foi derrubada.

“A gente precisava de uma expansão da nossa estrutura, como um palco e uma sonorização. Na quinta (31/07), recebemos uma negativa [da emenda], e todo mundo estranhou, porque no dia 4 de agosto eu começaria a montar a estrutura do evento. Estávamos alinhando bombeiros, segurança patrimonial, porque estamos fazendo tudo dentro dos conformes”, disse.

À reportagem, o vereador Nabil Bonduki disse ser “injustificável” a decisão das autoridades paulistas. “É inadmissível o poder público, em uma democracia, interferir ou vetar debates sobre livros e literatura. O prefeito Ricardo Nunes deveria rever essa posição, que lembra os tempos da ditadura militar e do obscurantismo autoritário”, afirmou.

Limongelli afirmou que a organização está trabalhando com seu time jurídico para entrar com um pedido de indenização contra a Prefeitura de São Paulo e a Fundação Theatro Municipal. “Porque, quando eles fazem a ruptura do nosso contrato, o próprio documento prevê que, se houver perdas e danos por um dos lados na ruptura, esses danos têm que ser indenizados.”

A Liga Brasileira de Editoras (LIBRE) rechaçou a decisão da fundação, afirmando que a alegação pelo cancelamento “pode ser traduzida como censura”. “Enquanto a Prefeitura de São Paulo silencia o autor Ilan Pappe, pessoas seguem sendo mortas em Gaza”, diz a nota.

Dias antes, redes sociais oficiais do Theatro Municipal compartilharam sobre a Flipei; depois apagaram

Lobby sionista contra Ilan Pappe

Ilan Pappe é reconhecido internacionalmente por seus estudos relacionados à Palestina e à ocupação dos territórios palestinos por Israel. O historiador israelense está no Brasil para uma série de participações em eventos, como a Flipei e outras palestras. Ele foi um dos palestrantes na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano e denunciou que houve pressão contra sua presença.

“Houve pressão para que eu não falasse aqui nesta noite. Sou grato ao festival por ter permitido que a gente pudesse discutir a questão palestina de maneira livre e democrática”, disse durante o evento.

A Editora Elefante, que publicou alguns dos livros do historiador no Brasil, denunciou que representantes do lobby sionista “passaram a agir (na surdina, como de costume) para diluir o alcance de suas conferências, e até mesmo para inviabilizá-las”. Ainda segundo a editora, o Sesc-SP, “depois de ter dado como certa a realização de uma grande conferência com Pappe em uma de suas unidades na cidade de São Paulo, em um diálogo iniciado com a Elefante em fevereiro — portanto, com seis meses de antecedência —, na última hora desistiu de recebê-lo, alegando ‘dificuldades de agenda'”.

A Elefante afirmou que alguns eventos ocorrerão como foram planejados, enquanto outros sofreram modificações.