Justiça ordena prisão preventiva de prefeito comunista do Chile; defesa fala em ‘perseguição política’
Uma das principais figuras progressistas do país e defensor da causa palestina, Daniel Jadue é acusado de fraude contábil no chamado 'Caso das Farmácias Populares'
A Justiça do Chile determinou nesta segunda-feira (03/06) a prisão preventiva de Daniel Jadue, ex-candidato presidencial e uma das maiores figuras do Partido Comunista do país, que faz parte da coalizão do governo, no âmbito da investigação do chamado “Caso das Farmácias Populares”.
Atual prefeito do município de Recoleta, Jadue foi acusado de suborno, administração desleal e fraude contábil durante sua gestão na pandemia, quando esteve à frente da Associação Chilena de Municípios com Farmácias Populares (Achifarp) e promoveu uma iniciativa inovadora que consistia no oferecimento de medicamentos de baixo custo em redes comerciais.
A juíza Paulina Moya, que emitiu a ordem de prisão conforme solicitado pelo Ministério Público, avaliou que a liberdade de Jadue seria “perigosa para a segurança da sociedade”. Por outro lado, a defesa do prefeito afirma que se trata de perseguição política.
“Julgam-me por nossa gestão transformadora. (…) Vamos recorrer desta medida desproporcional!”, afirmou Jadue em rede social.
Me juzgan por nuestra gestión transformadora. No hay ni un peso en mi bolsillo, pero me dan la máxima cautelar. Apelaremos a esta medida desproporcionada!
— Daniel Jadue (@danieljadue) June 3, 2024
Apesar de seu partido integrar o governo, o prefeito é um forte crítico do presidente Gabriel Boric, que o derrotou em uma eleição primária em julho de 2021.
A Opera Mundi, a doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e analista internacional, Ana Prestes, afirmou que “a forma como está sendo conduzida a investigação demonstra perseguição”:
“Ele foi, por muito tempo, o candidato com maior intenção de voto nas pesquisas para presidente, no ano em que se elegeu o [Gabriel] Boric. Só não foi o candidato porque houve uma campanha anticomunista, usando o fato de ele ser membro do Partido Comunista chileno”, disse Prestes, acrescentando que Jadue “é uma ameaça ao establishment, como também uma ameaça no Chile pela forma popular como conduz a sua gestão na prefeitura [de Recoleta].”
Partido Comunista no Chile: medida é ‘desproporcional’
Em comunicado, o Comitê Central do Partido Comunista (PC) chileno manifestou o seu apoio a Jadue, classificando a medida cautelar como “desproporcional” e reiterando a inocência do prefeito. O partido também garantiu que seguirá acompanhando todo o processo do caso.
“Como Comitê Central do Partido Comunista do Chile, e em absoluto respeito ao que foi definido nesta segunda-feira, e ao processo de investigação que foi decretado após a formalização, acreditamos que a medida cautelar de prisão preventiva é desproporcional, porque somos assistidos pela convicção política da inocência de nosso camarada Daniel Jadue, a quem continuaremos a acompanhar neste processo. como garante o princípio da inocência em nosso sistema penal”, afirma a nota.

Twitter/Aníbal Molina
A Justiça chilena determinou nesta segunda-feira (03/06) a prisão preventiva de Daniel Jadue, ex-candidato presidencial e uma das maiores figuras do Partido Comunista
Juristas denunciam lawfare
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), uma das organizações signatárias da Carta de Apoio a Daniel Jadue, classificou a situação contra o prefeito chileno como uma perseguição judicial politicamente motivada.
“Aqueles que tiveram seus interesses ameaçados começaram uma intensa campanha difamatória contra Daniel Jadue. Assim como ocorreu no Brasil, o lawfare se propaga no Chile como método para inviabilizar lideranças democráticas”, diz a nota da ABJD.
A associação ainda aponta que Jadue está sendo vítima por desafiar as estruturas do poder em seu país e destaca a experiência progressista promovida por ele à frente da gestão municipal.
“A experiência de Recoleta demonstrou que outro Chile é possível. Farmácias populares, óticas populares, livraria popular, imobiliária popular, escola e universidade abertas compõem um ecossistema que rompeu com a lógica de mercantilização da vida materializada pela Constituição de Pinochet, de 1980”, afirma o texto.
Daniel Jadue e a luta palestina
A dupla formação acadêmica de Jadue, em arquitetura e sociologia, foi seu cartão de entrada no mundo da política, mas seu surgimento como figura nacional se deu por suas origens. Além de militante comunista desde 1993, Jadue é filho de imigrantes palestinos e sua primeira aparição com maior destaque em meios de comunicação foi como Presidente da União de Estudantes Palestinos, em 1987.
O prefeito chegou a ser presidente da União Geral de Estudantes Palestinos entre 1987 e 1991, e coordenador geral da Organização da Juventude Palestina da América Latina e Caribe entre 1991 e 1993.
Leia a íntegra da nota do Comitê Central do Partido Comunista:
“O Comitê Central do Partido Comunista do Chile, reunido em sua XX Plenária no sábado, 1º de junho, concordou em dar seu mais amplo apoio e apoio ao camarada Daniel Jadue, prefeito de Recoleta, que enfrentou uma audiência de formalização por estes dias para o caso da associação de farmácias populares.
Somos gratos pelas muitas manifestações de solidariedade que nosso companheiro recebeu, tanto no Chile quanto no exterior; Declarações que, além de destacar sua gestão política, pública e municipal, apresentaram argumentos claros em relação às acusações contra ele.
A gestão na comuna da Recoleta é reconhecida, em primeiro lugar, pelos seus próprios habitantes, mas também a nível nacional e internacional. Uma comuna que desponta como uma das comunidades com maior participação cidadã, nas esferas política, cultural e esportiva, dando especial ênfase aos avanços no sistema educacional, por meio de projetos como a universidade aberta, bibliotecas populares, feiras sociais do livro e outros.
Com a mesma convicção e respeito que temos pelo Estado de Direito, pelas instituições e pelo Judiciário de nosso país, esperamos que as provas e argumentos apresentados pela defesa do nosso companheiro sejam sopesados por aqueles que têm a responsabilidade de executar a lei.
Como Comitê Central do Partido Comunista do Chile, e em absoluto respeito ao que foi definido nesta segunda-feira, e ao processo de investigação que foi decretado após a formalização, acreditamos que a medida cautelar de prisão preventiva é desproporcional, porque somos assistidos pela convicção política da inocência de nosso camarada Daniel Jadue, a quem continuaremos a acompanhar neste processo. como garante o princípio da inocência em nosso sistema penal.
Assim como respeitamos o nosso Estado de Direito e o pronunciamento do Poder Judiciário neste caso, defendemos o legítimo direito de nos solidarizarmos com o colega. Reiteramos nosso compromisso de continuar apoiando iniciativas que promovam a justiça social e o bem-estar dos cidadãos.
Continuaremos a trabalhar com a força da verdade para construir um futuro melhor para o nosso povo, sempre no quadro do respeito pelas instituições e pela lei em vigor.”
Leia a íntegra da Carta de Apoio da ABJD:
“A guerra judicial, ou Lawfare, é uma prática que assola projetos emancipatórios e coloca no centro a transformação do neoliberalismo que empobrece e violenta os povos. As elites nacionais, regionais e globais, e defensoras dos interesses do capital financeiro internacional, passaram anos lutando contra políticas sociais destinadas a erradicar a pobreza e reduzir profundas desigualdades sociais, usando suas defesas corporativas como pretexto para atacar projetos e líderes legitimamente eleitos pelo voto popular.
Assim, os derrotados nas urnas procuram impor seus interesses sobre a soberania popular: criminalizando e destruindo a política, condenando por meio da mídia hegemônica antes mesmo de submeter o caso a juízo imparcial, violando o princípio do devido processo legal e as garantias constitucionais do acusado. O método é idêntico em todos os lugares: uma parte da imprensa politicamente envolvida cria o fato e o divulga amplamente (uma mentira que dita mil vezes acaba virando “verdade”); com base exclusivamente nessas notícias forjadas, abre-se uma investigação que visa sustentar a tese jornalística já disseminada, e não buscar a verdade. Com isso, se criam as condições para a morte jurídica e política do adversário (visto que atualmente não se mostra adequada sua destruição física).
Vemos com preocupação a perseguição midiática, judicial e política de Daniel Jadue, sobretudo pelo que ele representa: um projeto de democratização e protagonismo popular que melhorou substancialmente a vida de milhares de famílias chilenas, gerando uma referência nacional e internacional no que respeita aos governos locais.
Com espanto, vimos como ele foi ameaçado para não sair do país, sem que houvesse decisão judicial ou sequer um processo, mas apenas as notícias da imprensa hegemônica. Como apontou a Comissão Chilena de Direitos Humanos, esse procedimento é questionável do ponto de vista jurídico. Mais uma vez, aqueles que deveriam zelosamente perseguir a objetividade da investigação, revelam que o motor de suas ações é a proscrição de líderes, fechando a porta na cara de nossas democracias já enfermas.
Tirar do caminho lideranças políticas populares e profundamente incômodas ao status quo é a garantia que aqueles que estão no topo precisam para propiciar a eleição de candidaturas sujeitas aos interesses do mercado, que ignoram a população, especialmente os mais pobres.
Face ao exposto, tornamos público o nosso apelo a toda a comunidade internacional, aos movimentos sociais, às militâncias populares e a todos os democratas do mundo, para que acusem o recebimento deste alerta democrático e impeçam o caminho da proscrição, não apenas das lideranças políticas, mas do Estado de Direito.
Assinam em 28 de maio:
– Rede Lawfare Nunca Mais
– Associaçao Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD
– Coletivo por Um Ministério Público Transformador – TRANSFORMA MP
– Serviço Paz e Justiça SERPAJ Brasil – Órgão Consultivo das Nações Unidas
– Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho – ALJT
– Associação Nacional dos Ex-Diretores, Ex-Conselheiros e Ex-Empregados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – ANAPEX”
(*) Com Brasil de Fato























