Justiça italiana investiga crimes de Israel contra ativistas da Flotilha da Liberdade
Caso começou a ser apurado após integrantes italianos das embarcações denunciarem tentativa de homicídio, tortura e sequestro
A Procuradoria de Roma, na Itália, abriu nesta quarta-feira (22/10) uma investigação sobre os crimes cometidos pelo Estado de Israel contra os ativistas italianos da missão Flotilha da Liberdade, que iria para Gaza com ajuda humanitária. O caso coloca o país no centro de um delicado tabuleiro diplomático e jurídico.
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O caso começou a ser apurado após 37 integrantes das embarcações apresentarem queixas formais, nas quais denunciam crimes como tentativa de homicídio, tortura, sequestro, naufrágio e pirataria.
Conduzida pelo procurador-geral da capital italiana, Francesco Lo Voi, a investigação segue em duas frentes: a primeira examina o que ocorreu em águas internacionais, onde 45 embarcações da Flotilha foram interceptadas pela Marinha israelense; a segunda concentra-se nos abusos que os ativistas afirmam ter sofrido em solo israelense, desde o porto de Ashdod até a prisão de Ketziot, onde permaneceram detidos antes da deportação.
Opera Mundi apurou com fontes ligadas ao judiciário italiano que o procurador Lo Voi designou Lucia Lotti, coordenadora dos assuntos judiciais internacionais, e Stefano Opilio, promotor com histórico em casos de cooperação internacional, para comandar a investigação.
O inquérito inclui dois expostos formais: um apresentado pela equipe jurídica da Flotilha, em nome de 36 ativistas, e outro protocolado pelo advogado Flavio Rossi Albertini, representando Antonio La Piccirella. O primeiro deverá ser ampliado nos próximos dias, quando as vítimas enviarão memoriais escritos relatando os abusos sofridos durante a detenção em Israel, como já fez individualmente La Piccirella.
De acordo com os documentos iniciais, os fatos se desenrolaram até 1º de outubro, quando, a cerca de 70 a 80 milhas náuticas da costa de Gaza, navios militares israelenses abordaram os barcos da missão humanitária e prendeu suas tripulações. Os ataques de drones registrados na madrugada de 25 de setembro são descritos pelos advogados como “tentativa de homicídio múltiplo” e “naufrágio”, crime que, no direito penal italiano, se configura pelo simples risco à vida. Já a interceptação das embarcações é tratada como pirataria e sequestro de pessoas.
Como os incidentes aconteceram em águas internacionais, as embarcações italianas são consideradas extensão do território nacional, o que dá à Procuradoria de Roma jurisdição direta sobre o caso, sem necessidade de autorização de outro Estado.

Florilha rumo a Gaza foi interpectada pela Marinha israelenses no começo de outubro
Gaza Freedom Flotilha / Instagram
Abusos em solo estrangeiro
A segunda parte da investigação se concentra nos relatos de tortura, maus-tratos, isolamento e privação do direito a um advogado que os ativistas dizem ter enfrentado após o desembarque forçado em Israel.
Neste caso, de acordo com a apuração da reportagem, para que a Procuradoria possa agir sobre crimes cometidos em território estrangeiro, é necessária a autorização do Ministério da Justiça italiano. Praticamente o mesmo mecanismo jurídico utilizado em casos emblemáticos, como o do estudante Giulio Regeni, assassinado no Egito, e nos processos da Operação Condor, julgados em Roma.
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A denúncia dos ativistas também pede que se investigue o governo italiano. O Estado tinha o dever de proteger seus cidadãos em águas internacionais. O fato de duas fragatas, Fasan e Alpino, terem sido mobilizadas para a área indica que o governo estava ciente do perigo. Se for comprovado que o Estado se omitiu, essa inação poderá configurar crime. O artigo 40 do Código Penal italiano indica: “não impedir um evento que se tem obrigação jurídica de impedir equivale a causá-lo”.
O inquérito ainda está em sua fase inicial. Nas próximas semanas, é esperado que os promotores ouçam os ativistas. No entanto, um obstáculo previsível se aproxima: para identificar os soldados envolvidos, a Itália precisará enviar um pedido formal de cooperação a Israel. A resposta de Tel Aviv é incerta e tem potencial para transformar uma questão judicial em um impasse diplomático.























