Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A filósofa Judith Butler denunciou em entrevista que a Universidade da Califórnia (UC), em Berkeley, entregou uma lista com 160 nomes e arquivos de alunos, professores e funcionários ao Departamento de Educação do governo Trump.

A declaração aconteceu durante sua participação no noticiário do Democracy Now, ocasião na qual ela disse estar “chocada” com o fato em si e com as alegações da UC Berkeley para justificar a medida.

Butler, que é judia e uma das conselheiras do coletivo Voz Judaica pela Paz, está na lista de nomes enviados pela universidade na última sexta-feira (12/09), e avalia o episódio como mais um exemplo da repressão generalizada ao ativismo em solidariedade palestina nas universidades norte-americanas.

“De fato, Gaza é o pano de fundo desta questão específica na UC Berkeley. Os que se opuseram ao genocídio ou que apoiaram os direitos e liberdades palestinos têm sido constantemente acusados de antissemitismo, embora não haja evidências concretas de que o antissemitismo seja generalizado no campus”, apontou.

Butler salientou que “posicionar-se contra o genocídio certamente não é algo antissemita. A maioria dos judeus é contra o genocídio. Fomos ensinados a ser contra o genocídio e que “nunca mais” é um slogan que deve se aplicar a todas as pessoas”.

Em sua avaliação, o seu discurso político está sendo alvo da política de Trump. “Nunca disse nada que fosse antissemita”, frisou, ao apontar que pela definição da Associação Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), qualquer crítica forte ao Estado de Israel torna uma pessoal vulnerável à alegação de antissemitismo.

A definição deles de antissemitismo incluiu “todos os tipos de discurso político que deveriam ser protegidos pela Primeira Emenda. E eu sou abertamente crítica do Estado de Israel. Tenho chamado isso de genocídio desde o início”, apontou.

Judith Butler critica Berkeley por entrega de 160 nomes a Trump: ‘Gaza é o pano de fundo’
Miquel Taverna / CCCB – Wikimedia Commons

Alegações

A filósofa contou que não sabe exatamente quais são as alegações da Casa Branca contra ela. “A maioria de nós soube que há uma alegação encaminhada, mas não temos o direito saber qual é”, porque o Escritório para a Prevenção de Assédio e Discriminação da universidade deixou de operar em vista da investigação.

“É chocante para mim, como membro do corpo docente da UC Berkeley, que dedicou 30 anos àquela instituição, ou quase, ver que a administração entregaria nomes e arquivos”, afirmou.

A Berkeley justificou a medida afirmando que seus campi estão sujeitos à supervisão federal e estadual. Para Butler, obviamente, a universidade tem obrigações legais, mas todos os acusados têm o direito de saber qual é a alegação do governo contra eles, para poder refutá-la e saber o que está acontecendo.

Ela destacou que o campus da Berkeley foi o único que informou aos atingidos sobre o envio dos arquivos, e que não sabe o número de pessoas investigadas nas comunidades e em todos os campi da UC. “Podem ser mil. Podem ser mais de mil. São 160 na UC Berkeley. Quanto é na UCLA ? Não sei”, afirmou.

Butler também disse estar correndo menos riscos do que outros citados, ao mencionar o caso de estudantes e professores internacionais que dependem de visto. “Eles podem ser detidos, sequestrados, podem ser — como sabemos por Tufts, da Columbia, ser parados na rua e deportados. Eles podem perder o emprego e o lugar na universidade, ser expulsos”, salientou.

‘Você não leu Hannah Arendt?’

Ela contou ter questionado o consultor jurídico da UC Berkeley sobre a entrega dos nomes. “Por que você obedeceu?”, perguntou a ele e ouviu como resposta: “este é o meu trabalho”. Butler insistiu: “Já lhe ocorreu não obedecer?”, e ele respondeu: “não”. A filósofa então perguntou: “você sabia que outras pessoas não obedeceram?” E ele disse “não, não estou ciente disso”.

Em meio à conversa, Butler contou ter pensando “ele não leu Hannah Arendt”, filósofa alemã e judia que  na época do nazismo, ao cobrir o julgamento de Eichmann, denunciou que todos os funcionários solicitados a implementar políticas ditatoriais reproduzem e intensificam o fascismo. “Eles deveriam ter dito não”, salientou. “Todos os consultores jurídicos que realmente sabem que isso é uma profunda ab-rogação de direitos básicos” mesmo assim, “cumprem, produzem as listas e enviam esses arquivos”, frisou.

Butler também analisou a dependência de financiamento federal da universidade: “temos tanto o medo de perder dinheiro, por um lado; quanto a cumplicidade com o apoio dos EUA às condições genocidas e às práticas em andamento em Gaza”.

‘Está acontecendo de novo’

Em sua avaliação, os direitos à liberdade de expressão dos estudantes da Berkeley estão “sendo demonizados e criminalizados neste momento”. “Esses estudantes são os corajosos que estão, de fato, levando a tradição da liberdade de expressão de Berkeley para o futuro. Deveríamos aplaudi-los. Não deveríamos criminalizá-los”, destacou.

Butler também comentou sobre a ascensão de poderes autoritários em diferentes partes do mundo, como o de Viktor Orbán na Hungria, Javier Milei na Argentina, Trump nos Estados Unidos e Jair Bolsonaro no Brasil. “Podemos pensar no regime de Bolsonaro — presumo que ele vá para a cadeia; acho que é uma boa ideia; sou abolicionista, mas acho que é uma boa ideia”, reiterou.

O ponto principal, avaliou, é a supressão de direitos. “Há direitos constitucionais e internacionais que estão sendo destruídos em todos os níveis” e isso expressa “uma tática importante dos poderes autoritários”.

Sobre o assassinato do ativista extremista Charlie Kirk, Butler destacou que a direita cristã norte-americana produziu dois tipos de espectros: o das pessoas trans e dos migrante no país. “Eles unem racismo com transfobia, antifeminismo também”, salientou. “Que as comunidades mais vulneráveis são demonizadas, sabemos disso pela história do fascismo. Está acontecendo de novo. Precisamos combater isso — não apenas com argumentos fortes, mas com visões realmente convincentes”, frisou.

Confira a entrevista de Judith Butler ao Democracy Now.