Sábado, 6 de dezembro de 2025
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As tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil reacenderam o debate na América Latina sobre o protecionismo norte-americano e suas implicações geopolíticas. Para a venezuelana Anabel Díaz e o cubano Abel Prieto, as medidas não podem ser vistas como episódios isolados, pois representam parte de uma estratégia de um império em decadência, disposto a usar instrumentos econômicos para manter influência e conter a ascensão de um mundo multipolar.

Atual diretor da Casa de las Américas, Prieto afirmou a Opera Mundi que Trump, sua guerra tarifária e outras ações semelhantes “estão ligadas ao declínio do império ianque”. O cubano defende que as elites dos Estados Unidos e do Ocidente temem o fortalecimento de novas potências, como a China e o BRICS.

Em tom simbólico, compara a conjuntura à cena final de o filme Moby Dick: “um monstro ferido de morte que, mesmo agonizante, ainda é capaz de destruir tudo ao seu redor”. Segundo o ex-ministro da Cultura de Cuba, é isso que representam ações como o tarifaço contra o Brasil: reações desesperadas de uma potência que se recusa a aceitar a perda de hegemonia.

“O principal legado que Fidel Castro nos deixou é que devemos preservar a unidade em meio às piores circunstâncias. Assim tem sido e assim será. De qualquer forma, trata-se de instrumentos muito semelhantes [entre as sanções contra Cuba e as tarifas ao Brasil]: pressionar economicamente os países que o império quer subjugar. É a lógica medieval do castigo, da tortura, do estrangulamento”, disse.

Diante desse cenário de ofensivas econômicas e pressões políticas, Prieto defendeu uma resposta conjunta dos países da América Latina e do Caribe. “Somos membros de uma só família cultural e espiritual”, afirmou ele ao apoiar a necessidade de se construir uma Pátria Grande, baseada na solidariedade, cooperação e no respeito à diversidade.

Bloqueios, sanções e resistência

Tanto Cuba quanto Venezuela conhecem de perto o peso dessas políticas norte-americanas. Prieto recusa chamar de “bloqueio” o que seu país enfrenta e prefere “guerra econômica e midiática implacável”. Segundo ele, trata-se de sufocar a população e incitar revoltas contra o governo.

donald trump

Donald Trump ameaçou Brasil com sobretaxas de 50%
White House / Joyce N. Boghosian

Já a historiadora venezuelana Anabel Díaz classifica a ofensiva como “terrorismo tarifário”. “Os Estados Unidos já não são grandes produtores, mas sim um grande mercado. Tentam extrair capitais de outros países para favorecer sua balança comercial, algo cada vez mais difícil de alcançar”, avaliou.

Díaz disse que medidas desse tipo podem ter mais impacto midiático do que real, mas que fazem parte de uma lógica de sanções e medidas coercitivas unilaterais historicamente aplicadas por Washington contra nações que buscam diversificar parceiros.

A historiadora recordou os anos mais duros do bloqueio venezuelano, entre 2014 e 2017, agravados pela dependência de importações e por sabotagem interna. “Houve desabastecimento programado, retirada da moeda nacional de circulação e grandes empresas se uniram a esse boicote, mas a consciência popular e a organização social impediram uma explosão incontrolável”.

Ambos destacam que, mesmo diante das dificuldades, seus países buscaram alternativas: Cuba, com incentivo à produção de alimentos e diversificação das exportações; Venezuela, fortalecendo laços com China, Turquia e países do BRICS para furar bloqueios.

Olhar para o Brasil

A venezuelana chama atenção para o papel do Brasil na conjuntura. “Para Trump, Bolsonaro é um aliado e fará de tudo para fortalecer a corrente ultraconservadora. Lula e o povo brasileiro precisam olhar para os vizinhos e fechar fileiras com os governos progressistas da região”, disse.

Prieto, embora evite enviar mensagens diretas, deixa um gesto de apoio: “desde Havana, da Casa de las Américas, envio uma saudação fraterna. Desejo ao povo do Brasil muito êxito diante dos desafios desta nova época”.