Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O primeiro turno das eleições presidenciais no Chile está se aproximando, a votação ocorre no próximo domingo (16/11). Nos dias finais de campanha, ganha mais força a questão da imigração, um dos debates mais importantes desde o início da corrida eleitoral, mas que adquiriu maior relevância a partir do empate mostrado por pesquisas recentes entre dois candidatos que mais apostam nesse discurso.

Segundo uma pesquisa recente da consultora Atlas Intel, os dois principais representantes da extrema direita chilena, José Antonio Kast (Partido Republicano) e Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário), estariam empatados em segundo lugar, ambos com 18% das intenções de voto – a líder é a candidata governista Jeannette Jara, do Partido Comunista, com 33%.

A pesquisa, no entanto, revela a força que o discurso anti-imigração tem no debate eleitoral chileno, já que apresenta dois candidatos cujas plataformas priorizam esse tema em boa colocação e com capacidade de chegar ao segundo turno. O discurso não é reproduzido apenas pelos candidatos presidenciais, mas também pelos que tentam se eleger ao Congresso – lembrando que estas eleições gerais incluem a renovação da totalidade da Câmara e de metade do Senado.

Durante a campanha, alguns candidatos ao Parlamento afirmaram que, caso cheguem ao Legislativo, irão promover projetos para a instalação de minas terrestres nas fronteiras chilenas com a Bolívia e com o Peru, no norte do país. Entre esses, está Sebastián Huerta, do partido União Democrata Independente (UDI), que defende não só a instalação de minas terrestres, como também a militarização das cidades fronteiriças para que atuem na repressão aos imigrantes.

A proposta de espalhar minas terrestres busca frear não somente a imigração boliviana e peruana, mas principalmente a de venezuelanos e colombianos, que se tornaram as duas mais numerosas comunidades de imigrantes no território chileno e cujo fluxo principal ingressa pelas fronteiras ao norte do país, de acordo com os dados oficiais.

Segundo o jurista Javier Pineda, conhecido como um dos mais destacados advogados de direitos humanos do Chile, os candidatos da extrema direita estão apostando na retórica anti-imigração aliada à retórica de segurança, “pois essa é uma fórmula que está se mostrando uma das mais rentáveis eleitoralmente este ano”.

“Nesse discurso, a migração está sendo associada a níveis mais altos de criminalidade, razão pela qual o discurso anti-imigração está diretamente ligado a propostas de aumento da segurança. Devido aos vínculos entre o crime organizado e estrangeiros, mesmo que, na prática, esses números representem uma pequena porcentagem da população migrante total no Chile, funciona como argumento e está penetrando nos setores populares”, disse a Opera Mundi.

Voto migrante

A retórica anti-imigração utiliza a estigmatização relacionada à segurança pública, o surgimento de grupos criminosos organizados, como o chamado Tren de Aragua, e até o debate sobre a regulamentação do voto migrante. O direito ao voto da população migrante se tornou um tema polêmico, já que esta eleição presidencial terá voto obrigatório pela primeira vez desde o retorno da democracia no país, com o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Essa mudança ocorre graças a uma nova legislação que permite a participação eleitoral de estrangeiros com mais de cinco anos de residência legal.

Segundo dados do Serviço Eleitoral do Chile (Servel), mais de 880 mil migrantes estão aptos a votar nesta eleição, o dobro do número de inscritos para a eleição presidencial de 2021.

Essa população votante vem principalmente de países como Venezuela, Peru e Colômbia. Ademais, a maioria reside em distritos urbanos da região central de Santiago, capital do Chile, e representa até 20% do eleitorado em alguns desses distritos.

Kaiser, Jara, Kast e Matthei disputam vaga para o segundo turno
Arte de Maurício Leandro Osorio

Paradoxo da direita

A direita chilena, que durante a campanha insistiu em “retomar o controle das fronteiras”, encara o poder desse novo eleitorado de forma pragmática. Em 2024, a vitória do conservador Mario Desbordes na disputa pela prefeitura de Santiago, desbancando a ex-prefeita comunista Irací Hassler, foi interpretada como o primeiro triunfo impulsionado pelo voto venezuelano.

De acordo com um estudo da Universidade do Desenvolvimento, 71% dos migrantes venezuelanos aptos a votar preferem candidatos de direita. Dentro desse grupo, Kast e a também conservadora Evelyn Matthei (UDI) são os presidenciáveis que obtêm maior apoio. No entanto, existe uma contradição no âmago da direita chilena, visto que sua narrativa rejeita a imigração, mas o voto migrante começa a ter peso em seus resultados eleitorais.

Entre os candidatos da direita melhor posicionados nas pesquisas, Kast e Kaiser são os que enfatizam, em seu discurso, as propostas em favor de um controle maior das fronteiras, enquanto Matthei tenta se apresentar como uma candidata mais moderada. Vale recordar, porém, que grande parte dos imigrantes venezuelanos que vivem atualmente no Chile faz parte de grupos antichavistas ou anti-Maduro.

Sobre esse curioso paradoxo, o jurista chileno Javier Pineda observa que “em todo o mundo, os imigrantes geralmente votam na esquerda”. Porém, de acordo com o especialista, migrantes venezuelanos, e em menor grau os migrantes cubanos, “priorizam sua ideologia em detrimento de seus interesses imediatos”.

“O caso paradigmático é o dos migrantes venezuelanos, que apoiam aqueles que querem expulsá-los e privá-los de seus direitos. Em menor escala, observa-se também o efeito de que aqueles que conseguem entrar não querem mais a entrada de ninguém, um fenômeno também constatado em diversos estudos sobre migração”, afirmou.

Dilema governista

Por outro lado, o progressismo chileno enfrenta uma situação complexa. O governo do presidente Gabriel Boric apresentou um projeto de lei para aumentar o tempo mínimo de residência exigido para que imigrantes possam votar, de cinco para 10 anos, argumentando que a lei atual “não é compatível com a prática internacional”. No entanto, esse mecanismo ainda não foi aprovado.

Ao mesmo tempo, o deputado Daniel Manouchehri, do Partido Socialista, usou uma retórica estigmatizante em relação ao voto da população estrangeira, afirmando que no Chile “não queremos que nossa política seja sobre rum e arepas (iguaria da culinária colombo-venezuelana)”, em contraste com o tradicional vinho tinto chileno e as empanadas.

Organizações de direitos humanos, como a Anistia Internacional, questionam o debate eleitoral no Chile, indicando que ele transmite uma mensagem errada e demonstra “desconfiança em relação àqueles que já fazem parte da comunidade política do país”.

O dilema enfrentado pela coalizão governista reflete a mudança de postura, que passou do slogan de um Chile mais plural, enfatizado no primeiro processo constitucional, para a regulamentação do direito de voto de estrangeiros com mais de cinco anos de residência no país.

Fratura social

A expansão do voto migrante ocorre em um Chile marcado por dois processos constitucionais fracassados após as manifestações de 2019. Questões como segurança pública, desemprego e crise habitacional remodelaram a percepção da população migrante, associando-a, por meio do discurso midiático, a empregos precários e criminalidade.

Segundo um estudo do Centro de Políticas Públicas da Universidade Católica do Chile, 91% dos chilenos acreditam que a imigração provoca um aumento da criminalidade, embora 76% afirmem não ter tido problemas com estrangeiros.

Não obstante, outros estudos demonstram que a presença migrante sustenta setores inteiros da economia chilena, incluindo o comércio varejista, o trabalho doméstico e o trabalho de cuidado.