Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A França sinalizou sobre a possibilidade de dialogar com o Níger sobre a violência colonial que submeteu o país no passado, mas ainda resiste em reconhecer sua responsabilidade pelos atos brutais contra sua população. O posicionamento de Paris foi revelado pelo representante permanente da França na ONU em um documento visto pelo The Guardian.

“A França permanece aberta ao diálogo bilateral com as autoridades nigerinas, bem como a qualquer colaboração relativa à pesquisa de procedência ou cooperação patrimonial”, escreveu o escritório da autoridade francesa nas Nações Unidas.

Já em relação ao reconhecimento dos atos, Paris transferiu a responsabilidade para o governo do Níger ao afirmar que não chegou a receber pedidos para que artefatos roubados ou restos mortais humanos fossem restituídos, por exemplo.

Segundo o jornal britânico, a sinalização do governo francês ao diálogo teria acontecido em 19 de junho, como resposta a uma carta de Bernard Duhaime, relator especial da ONU que trabalha em uma queixa de comunidades nigerinas contra ações coloniais violentas da França.

As quatro comunidades denunciavam as ações da Missão África Central (MAC) de 1899, descrita pelo Guardian como “uma das campanhas coloniais mais violentas da África”. Sob a liderança dos capitães Paul Voulet e Julien Chanoine, milhares de pessoas desarmadas foram saqueadas e mortas.

Ilustrações dos capitães franceses capitães Paul Voulet e Julien Chanoin, responsáveis pela Missão África Central (MAC) de 1899
Ilustrações de autor desconhecido/Wikicommons

“Só em Birni-N’Konni, estima-se que 400 pessoas foram massacradas em um dia. Vilarejos inteiros ao longo do caminho da missão – incluindo Tibiri, Zinder e comunidades menores – foram queimados e saqueados, com cadáveres pendurados em suas entradas. Alguns sobreviventes fugiram para a vizinha Nigéria e nunca mais retornaram”, escreveu o jornal.

Apesar das atrocidades cometidas na época, nenhum oficial da missão foi responsabilizado. “A França não conduziu nenhuma investigação oficial nem reconheceu os horrores infligidos às comunidades afetadas”, escreveu Duhaime sobre o caso.

A resistência da França em se responsabilizar pela violência colonial no Níger vai na contramão do que o governo do presidente Emmanuel Macron vem fazendo em outros países africanos. Em 2021, reconheceu a responsabilidade francesa no genocídio de Ruanda; em 2022, o massacre de dezenas de milhares de civis em Sétif, na Argélia; E em 2023, realizou um pedido formal de desculpas pela repressão brutal contra a Revolta de Madagascar. Contudo, a “missão Voulet-Chanoine” vive um “encobrimento burocrático”.

E como os “relatos dos descendentes dos sobreviventes têm sido frágeis ou abafados, muitas vezes devido a décadas de silêncio e trauma”, a memória histórica se baseia em documentos de historiadores nigerinos e materiais de arquivo limitados, como relatórios do próprio Voulet – que também são solicitados pelas comunidades representantes das vítimas para que a verdadeira extensão da violência seja revelada.

No âmbito da ONU, Duhaime incluirá suas conclusões como relator especial no próximo relatório de direitos humanos da organização, que será apresentado em outubro. Apesar da falta de clareza em como uma futura reparação aconteceria, o ex-ministro do Ensino Superior do Níger Mamoudou Djibo afirmou: “Não somos mendigos. Nossa demanda por reparação não é que recebamos dinheiro sistematicamente, mas que, antes de tudo, a França reconheça que cometeu crimes contra a humanidade. Quando isso for reconhecido, estaremos prontos para o diálogo”.