Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Em meio à possibilidade do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, encontrar seu homólogo dos Estados Unidos, Donald Trump, no próximo domingo (26/10), o professor da Universidade de Denver Rafael Ioris alertou que a reunião não ocorre “por caridade” norte-americana, mas sim pela “pressão de interesses econômicos e políticos” dentro do país.

Em entrevista a Opera Mundi, o docente que leciona História Latino-Americana nos EUA afirmou que a “mudança de postura” de Trump em relação ao Brasil ocorre porque há setores que estão sendo punidos, em especial com o aumento do custo das importações, como consequência da implementação das tarifas de 50% sobre os produtos brasileiros comercializados em território norte-americano.

Por outro lado, o especialista analisou que se a reunião for confirmada, significa que o posicionamento brasileiro em meio à crise “deu certo”.

“O governo [do presidente Luiz Inácio Lula da Silva] sinalizou o desejo pelo diálogo, mas defendeu que não abriria mão de alguns tópicos, como o julgamento de Bolsonaro no STF, apenas para agradar os EUA e abrir a conversa”, relembrou.

Para Ioris, o discurso de Lula em relação à soberania brasileira e independência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no país foi bem-sucedido, uma vez que Washington percebeu que “o Brasil não ia ceder da forma esperada”.

O que pode ser negociado?

Segundo o analista, a forma que os dois presidentes podem negociar a questão tarifária “é uma enorme incógnita”, de modo que é esperado apenas a inclusão de novos produtos brasileiros na lista de isenção das tarifas norte-americanas ou a renegociação do valor das tarifas.

“Por mais carismático, bom articulador e preparado que o Lula seja, Trump é imprevisível. Ele “sabe ser diplomático” quando interessa, mas como a reunião deve ocorrer às margens da 47ª Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia, ele também estará envolvido em outras agendas.

“O que cabe ao Brasil é apresentar-se aberto ao diálogo, em um caminho de moderação, cedendo em certas áreas, mas mantendo outras posições”, defendeu.

Contudo, há outros elementos que a parte brasileira tem interesse em abordar, segundo o especialista, reconhecendo que esses podem ser “processos mais longos”: a regulamentação do funcionamento das big techs no Brasil; terras raras, e investimentos empresariais.

Segundo especialista, se reunião for confirmada, significa que posicionamento brasileiro em meio à crise “deu certo”
Ricardo Stuckert / PR

Segundo Ioris, o tema da regulamentação das big techs está relacionado com a soberania brasileira. “Os EUA não querem nada [de regulação], mas o Brasil sim. Então pode haver uma discussão para abrandar a regulamentação exigida, é uma área importante”, declarou.

No Brasil, discute-se a responsabilidade das plataformas digitais em relação a conteúdos criminosos que circulam nas redes, que vão desde pedofilia e apologia à violência nas escolas, até defesa de golpe de Estado.

Na carta enviada pelos EUA, ao governo do Brasil comunicando as tarifas, Trump cita “ataques contínuos do Brasil às atividades comerciais digitais de empresas americanas” e suposta “censura” contra plataformas de redes sociais dos Estados Unidos, “ameaçando-as com multas de milhões de dólares e expulsão do mercado de mídia social brasileiro”.

Em relação às terras raras, o professor apontou que o tema é uma questão fundamental, uma vez que fonte de tensão entre a China e os Estados Unidos. Washington e Brasília vêm dialogando sobre exploração de minérios críticos, que são recursos essenciais para setores estratégicos, como tecnologia, defesa e transição energética, cuja oferta está sujeita a riscos de escassez ou dependência de poucos fornecedores.

Eles incluem elementos como lítio, cobalto, níquel e terras raras, fundamentais para baterias de veículos elétricos, turbinas eólicas, painéis solares e semicondutores — essenciais para a indústria tecnológica em meio à disputa no setor entre a China e o ocidente.

Por fim, explicou que Washington tem pressionado o Brasil para aceitar mais etanol norte-americano em seu mercado, além da troca empresarial em outros setores, que contariam com a participação de empresas como a JBS e a Embraer.

Ioris também analisou que Lula vai precisar convencer os assessores ideológicos de Trump, como o secretário de Estado Marco Rubio, de que o Brics não é uma organização anti-ocidental, ao mesmo tempo em que deve defender o direito dos países emergentes a representarem o Sul Global e, se desejado, fazer seus comércios em moedas locais e sem usar o dólar.

Já pelo lado norte-americano, Ioris avalia que Trump deve abordar questões pontuais, como quais mercados no país serão abertos para os EUA.

Ameaças contra Venezuela

O encontro entre Trump e Lula ocorre em meio aos ataques dos EUA no Caribe e ao aumento das ameaças contra a Venezuela. Sobre o tema, Ioris afirmou a Opera Mundi que essa pode ser uma questão que Washington não vai abrir mão e que “o máximo” que Lula deve conseguir fazer é demonstrar preocupação e oferecer o intermédio do Brasil no conflito.

“O Brasil pode fazer muito pouco para que os EUA mudem de curso. O Lula pode falar que a situação precisa ser discutida na Organização dos Estados Americanos (OEA), mas Trump é contra as agências multilaterais, ele não quer saber o que que vai ser discutido de maneira multilateral. O raciocínio dele é quase sempre unilateral”, afirmou.

(*) Com Agência Brasil