Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Após 20 anos, o partido Movimento ao Socialismo (MAS) deixa o governo da Bolívia. O primeiro turno da eleição presidencial, realizado no último domingo (17/08), alçou candidatos da direita para disputar a segunda etapa do pleito: o senador Rodrigo Paz e o ex-presidente neoliberal Jorge Quiroga. Na avaliação do analista político Amauri Chamorro, o resultado “é uma decisão popular”, mas consequências das “decisões inaceitáveis” da esquerda boliviana.

“Essa foi uma decisão popular e soberana, porém também é um resultado da decisão medíocre e inaceitável dos líderes populares que, apesar de terem feito um governo histórico, entregaram o país de volta ao que há de pior em sua sociedade”, declarou a Opera Mundi. A fala de Chamorro foi em relação ao racha entre o ex-presidente Evo Morales e o atual mandatário Luis Arce.

De acordo com o analista, há três tipos de votos que precisam ser considerados para compreender o cenário que levará ao segundo turno em 19 de outubro: o voto dos “insatisfeitos históricos que não se sentiam representados pelo MAS”, dos críticos à carreira política do empresário Samuel Medina, que apesar dos bons resultados nas pesquisas, ficou fora do segundo turno, e também os votos nulos convocados por Morales em protesto à sua inabilitação em concorrer.

“Todos os candidatos não representavam as organizações de massa que compõem o MAS. Por isso os candidatos de esquerda tiveram votos tão baixos”, explicou ainda.

Chamorro também analisou o futuro da esquerda e da militância de Evo Morales na Bolívia.

Leia a entrevista completa:

Opera Mundi: a Bolívia foi às urnas e o esperado da direita avançar ao segundo turno de fato aconteceu. Como avalia o processo eleitoral do país?

Amauri Chamorro: um resultado muito ruim, não só para a Bolívia, mas também para toda a América Latina. Depois de 20 anos liderando a comunidade indígena e os trabalhadores, que conseguiram estatizar os recursos naturais e toda a riqueza do país para acabar com a desigualdade e construir escolas, estradas, hospitais e dar direitos ao povo, você acaba entregando novamente toda essa riqueza nas mãos da direita pró-Estados Unidos, que sem dúvida alguma vai entregar toda a riqueza do país de novo aos Estados Unidos.

Essa foi uma decisão popular e soberana, porém também é um resultado da decisão medíocre e inaceitável dos líderes populares [Evo Morales e Luis Arce], que, apesar de terem feito um governo histórico de 20 anos desenvolvendo a Bolívia para os bolivianos, por questões pessoais, praticamente, entregaram de volta o país ao que há de pior em sua sociedade.

As pesquisas apontavam o avanço da direita para o segundo turno, mas não com o senador Rodrigo Paz, e sim com o empresário Samuel Medina. O que ocorreu?

Rodrigo Paz cresceu abismalmente capturando dois tipos de voto, dos insatisfeitos históricos do MAS que não se sentiam representados — uma espécie de voto de protesto, e também com a queda de Medina por ter sido visto como um um político de carreira. Porém, há quase 20% de nulos convocados pelo ex-presidente Evo Morales, o que também favoreceu Paz.

“MAS fez governo histórico, porém entregaram de volta o país ao que há de pior em sua sociedade”, avaliou analista
Brasil de Fato/Flickr

O senador e candidato independente da esquerda Andrónico Rodríguez obteve menos de 10% dos votos. A quantidade de votos de Eduardo del Castillo, candidato apoiado por Luis Arce, também foi mínima. O que explica esse resultado? Por que Andrónico Rodríguez não conseguiu ocupar espaço nesta corrida eleitoral?

O voto do MAS se dividiu entre as pessoas que não foram votar a pedido de Evo Morales e aqueles que não se sentiam representados por ninguém. O MAS é um conjunto de organizações camponesas, indígenas e trabalhadoras, principalmente vinculadas ao sindicato Confederação Obreira Boliviana (COB).

Então há um ‘voto de máquina’, que não foi mobilizado porque esses candidatos não representam essas organizações de massa que compõem o MAS. Então, houve um desgaste e por isso os candidatos de esquerda tiveram votos tão baixos.

De acordo com o TSE, houve mais de 1,25 milhão de votos nulos. Essa estratégia foi encabeçada pelo ex-presidente Evo Morales. Como avalia essa tática? Ela prejudicou ou foi acertada?

É uma tragédia. O que Evo fez é um erro monumental. Agora vai ser muito difícil a esquerda voltar ao poder na Bolívia, a não ser que a direita erre muito. Então, esse chamado ao voto nulo foi terrível para o país.

O MAS estava há 20 anos no poder, o que deve acontecer com o partido? E com a esquerda boliviana no geral?

A representação partidária, o instrumento da esquerda boliviana está fraturada, pulverizada. Voltar a se recompor vai ser muito difícil, porque Evo Morales demonstrou que não está disposto a negociar ou a construir algo que não seja para ele. E isso é um alerta para toda a América Latina entender o que pode acontecer se um projeto pessoal se sobrepor a um projeto coletivo, e foi isso que aconteceu na Bolívia.

E o que podemos esperar da liderança de Morales agora? Ele diz que vai manter sua militância, mas isso será possível com a direita tentando efetivar seu mandado de prisão?

Vai ser muito difícil o futuro de Evo Morales e um governo de direita, que estaria disposto a fazer qualquer coisa para detê-lo e cumprir a lei [diante de seu mandado de prisão]. Ele está entrincheirado pelo sindicato dos cocaleiros no Trópico de Cochabamba, que é uma região muito forte do seu nicho, e vai ser muito difícil ele fazer um trabalho de militância e construção de partido. Essa possibilidade não existe mais, a esquerda boliviana vai precisar se reinventar para além da vontade do Evo Morales. Esse é o grande desafio.