Com paralisação do governo Trump, funcionários públicos recorrem a bancos de alimentos
Cerca de 300 mil cargos no serviço público foram eliminados desde começo do ano, enquanto servidores que continuam empregados trabalham sem remuneração
Um ano após a reeleição de Donald Trump, em 5 de novembro de 2024, seu retorno à Casa Branca foi marcado por uma guerra comercial, tarifas generalizadas, uma ofensiva contra imigrantes, preocupações com o Estado de Direito e também por uma caça a funcionários federais. Quase 300 mil cargos foram eliminados no serviço público desde o início do ano, em nome da “eficiência governamental”, e os funcionários federais vêm sofrendo com a paralisação do governo, o chamado shutdown, há mais de um mês.
Os servidores públicos norte-americanos, exaustos, estão trabalhando sem receber salário ou foram colocados em licença não remunerada. Eles já não têm o suficiente para suprir suas necessidades básicas. A situação é tão grave que bancos de alimentos estão organizando distribuições específicas para funcionários públicos, como ocorre em Memphis, no Tennessee.
No estacionamento de uma igreja, nos arredores da cidade, três caminhões carregados de alimentos foram disponibilizados para servidores federais. O banco de alimentos surgiu para ajudar pessoas que jamais imaginaram estar nessa situação. Há um sentimento generalizado de humilhação e desvalorização.
Lisa conta que, após um mês de paralisação do governo, sua geladeira está vazia e ela não tem outra escolha: “Trabalho para o governo federal. Meu trabalho está suspenso. Estou alocada no Serviço de Receita Federal (IRS), no Departamento do Tesouro. Preciso comer e venho aqui buscar comida para mim e minha família. É extremamente difícil, não temos mais nenhuma fonte de renda. Dependemos de familiares e amigos, mas eles estão na mesma situação. É muito difícil”.
“Estamos vendo as filas ficarem cada vez maiores”
Em frente ao banco de alimentos, a fila impressiona. São centenas de carros parados lado a lado. Famílias inteiras vieram buscar o equivalente a uma semana de mantimentos: batatas, suco de maçã, batatas fritas, azeite, pasta de amendoim. Tudo está bem organizado e o atendimento é rápido. Nem é preciso sair do carro, basta abrir o porta-malas e os voluntários o abastecem com os produtos essenciais fornecidos pelo banco de alimentos, graças a doações e financiamento privado.
“É o que sempre digo: aqui nos Estados Unidos, muitas vezes não nos damos conta, mas vivemos com um único salário. Nunca se sabe o que pode acontecer”, explica Nicole Willis, membro da comissão organizadora.
“Você pode ser demitido ou seu salário pode cair repentinamente. Sempre tem alguma coisa acontecendo. Já estamos vendo filas maiores, principalmente porque os preços dos alimentos continuam subindo”, diz Willis.

Retorno de Donald Trump à Casa Branca foi marcado por uma guerra comercial, tarifas generalizadas, uma ofensiva contra imigrantes, preocupações com o Estado de Direito e também por uma caça a funcionários federais
Fotos Públicas/Joyce N. Boghosian
Servidores públicos em apuros
Esses servidores ganham, em média, entre US$ 40 mil e US$ 50 mil por ano (o equivalente a aproximadamente R$ 214 mil e R$ 268 mil, respectivamente) salários decentes no papel, mas o custo de vida nos Estados Unidos é tão alto que, entre plano de saúde e educação, é impossível economizar. E, diante de uma recessão, não há rede de segurança.
Christie, por exemplo, trabalha na base militar de Millington, no Tennessee. Ela também foi ao banco de alimentos com seu filho adolescente. Ela não recebe nenhum benefício desde 1º de outubro: “Todo mundo está precisando de ajuda. E eu nem consigo um emprego temporário; se eu aceitar, vou ter que largar tudo da noite para o dia, porque no dia em que o shutdown acabar, tenho que voltar ao meu trabalho imediatamente. O que eu vou fazer? Me candidatei a uma vaga de entregadora, mas não estão contratando no local perto da minha casa, então estou presa nessa situação”, desabafa.
Eles estão em um impasse, e a raiva é palpável. Mas antes de criticar o governo, os servidores públicos escolhem suas palavras com cuidado. Eles precisam manter a discrição. Não culpam nem os democratas, nem os republicanos.
Como disse um funcionário de um hospital público durante a distribuição de alimentos: “Nossos líderes precisam encontrar uma maneira de chegar a um acordo, mesmo que não compartilhem das mesmas opiniões”.























