Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O Tribunal Especial para a Paz na Colômbia emitiu nesta quinta-feira (18/09) a primeira sentença por assassinatos e desaparecimentos forçados de civis com penas máximas e sanções contra 12 ex-integrantes do Batalhão La Popa. Os mortos haviam sido apresentados ilegalmente como vítimas de combate com as forças militares na Costa do Caribe entre janeiro de 2002 e julho de 2005. Os sentenciados serão obrigados a trabalhar em seis projetos restaurativos desenvolvidos com a participação das vítimas: povos indígenas e afro-colombianos.

Esta é a primeira sentença emitida pela Jurisdição Especial pela Paz (JEP) contra os principais responsáveis ​​por assassinatos e desaparecimentos forçados apresentados ilegalmente como vítimas de combate por agentes do Estado durante o conflito armado interno colombiano.

Foram sentenciados cinco oficiais, quatro suboficiais e três militares profissionais, todos aposentados, que pertenciam ao Batalhão de Artilharia nº 2 ‘La Popa’, de Valledupar.

De acordo com a Jurisdição Especial para a Paz, criada junto com o pacto com a guerrilha das FARC em 2016, espera-se que essas sanções permitam que os responsáveis ​​contribuam para a reparação das vítimas e para a construção da paz por meio de projetos que visem gerar benefícios reais para as comunidades afetadas, bem como a reintegração social dos que comparecem.

A decisão também determina que diversas entidades estatais coordenem seus esforços para garantir a viabilidade e a sustentabilidade dos projetos, bem como a segurança dos que comparecem e o cumprimento dos compromissos assumidos.

Os réus foram considerados os principais autores do assassinato de 135 civis em Cesar e La Guajira. Na época, as vítimas foram apresentados ilegitimamente como vítimas de combate. Milhares de jovens colombianos foram sistematicamente assassinados durante a ofensiva militar contra organizações como as FARC. A maioria era de pobres e desempregados. Os assassinatos, estupros e desaparecimentos faziam parte de estratégia militar de inflar os números obtidos nas operações e então beneficiar os militares com folgas ou condecorações.

As investigações revelaram que havia um modus operandi recorrente entre os militares: as vítimas eram forçadas a usar uniformes militares, destituídas de sua identidade civil, às vezes mantidas presas por horas ou dias, submetidas a tortura e, por fim, executadas. Seus documentos eram posteriormente destruídos para dificultar sua identificação e armas eram plantadas no local dos crimes para simular um suposto envolvimento em combate contra as forças de segurança, segundo a JEP. Devido à essa prática, algumas vítimas permanecem desaparecidas até hoje.

Esses atos constituem crimes contra a humanidade e graves violações do direito internacional humanitário, praticados de forma generalizada e sistemática, num contexto de perseguição de indivíduos e povos com condições e características específicas, e sob uma estratégia institucional de encobrimento.

Nesta decisão, os réus são responsabilizados criminalmente e individualmente, demonstrando como cada um contribuiu substancialmente para o padrão macrocriminal. Ou seja, a partir de sua posição na estrutura militar, suas decisões, ações ou omissões contribuíram para o fenômeno criminal geral.

O presidente da JEP, Juiz Alejandro Ramelli Arteaga, destacou que esses fatos cometidos na costa caribenha colombiana demonstram como o conflito “não só se aproveitou dos mais vulneráveis, daqueles que nunca pensaram que buscariam justiça, mas também dos povos indígenas, que, em sua diferença e idiossincrasia, se tornaram alvo recorrente de estigmatização e acusações, desculpas que serviram para incentivar a prática desses crimes e garantir sua impunidade”.

A implementação dessas sanções restaurativas será monitorada in loco pelo Mecanismo de Monitoramento e Verificação de Sanções da Secretaria Executiva da JEP, com o apoio da Missão de Verificação da ONU na Colômbia.

“Com esta decisão, a JEP não apenas cumpre seu mandato judicial, mas também fortalece a legitimidade democrática e reafirma que a paz se constrói com base na verdade, na reparação e no compromisso coletivo de não repetição”, explica a juíza Ana Manuela Ochoa Arias, presidente da Seção de Reconhecimento da Verdade e que liderou a fase do julgamento.

As vítimas desses crimes foram camponeses, indígenas, afrodescendentes e pessoas em situação de vulnerabilidade, que foram perseguidas, perfiladas, enganadas, detidas, torturadas e executadas por aqueles que estavam encarregados de protegê-las.

jep

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JEP

Das 135 vítimas, seis foram reconhecidas como afrodescendentes e 14 como indígenas. Dez delas pertenciam ao povo Kankuamo e quatro ao povo Wiwa. Uma das mulheres assassinadas era menor de idade do povo Wiwa e outra era mãe solteira.

Também foram encontradas evidências suficientes de que esses crimes afetaram não apenas indivíduos e famílias, mas também comunidades indígenas inteiras, sujeitas à estigmatização, perseguição e controle territorial, em particular os povos Kankuamo e Wiwa, acusados ​​de serem colaboradores da guerrilha, submetidos a confinamento, restrições alimentares e medicamentosas e trabalho forçado. Da mesma forma, os conselhos comunitários afrodescendentes Kusuto Ma Gende e José Prudencio Padilla sofreram graves impactos coletivos.

Projetos restaurativos

Os trabalhos, projetos ou atividades restaurativas que aqueles que comparecem perante o tribunal devem realizar em conformidade com a sanção definida foram elaborados com a contribuição e consideração das vítimas.

Os juízes que compõem a Seção de Reconhecimento da Verdade consideraram especialmente os conhecimentos e costumes dos Povos Indígenas Wiwa e Kankuamo, bem como dos Povos Afro-Colombianos dos Conselhos Comunitários Kusuto Ma-Gende e José Prudencio Padilla para desenvolver os projetos restaurativos.

“As vítimas estão no centro deste processo. Suas contribuições e expectativas se refletem nas sanções. Nenhuma medida pode restaurar integralmente o que foi perdido ou atender a todas as demandas por verdade, mas esta decisão abre caminhos para a dignidade e a restauração. É mais benéfico para o país que os responsáveis ​​não sejam confinados em prisões, onde a verdade e as possibilidades de reparação estariam trancadas, mas sejam forçados a responder às comunidades com ações restaurativas”, explica a juíza Ochoa Arias.

O JEP, como componente da Justiça, é responsável por investigar, processar e punir os crimes mais graves e representativos do conflito armado, com o objetivo de garantir os direitos das vítimas e garantir que esses eventos não se repitam.