Big techs fazem parte da máquina de guerra dos EUA, alerta pesquisador
Sociólogo Sérgio Amadeu explica como grandes empresas de tecnologia passaram a assumir papéis em conflitos armados e atuam no genocídio em Gaza; especialista alerta por 'soberania digital brasileira'
“A tecnologia é um dos principais instrumentos do poder político, econômico e militar global”, alertou o sociólogo brasileiro Sérgio Amadeu da Silveira em seu novo livro As big techs e a guerra total: o complexo militar-industrial-dataficado (2025).
Na obra, lançada no início de setembro, o também professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) denuncia o uso da Inteligência Artificial (IA) pelas Forças Armadas dos EUA em parceria com as big techs como Google, Amazon e Microsoft.
“As big techs integram o complexo de guerra norte-americano, não como uma fornecedora de produtos, mas elas estão dentro desse complexo dada a natureza da atividade”, afirmou.
“As big techs são máquinas geopolíticas. Não vamos ter ilusão. A tecnologia não é só um meio para se atingir uma finalidade. O próprio [Donald] Trump [presidente dos Estados Unidos] diz que as big techs são a linha de frente do poder norte-americano”, explicou o autor em entrevista à Agência Brasil.
De fato, os chefes da Meta, conglomerado que une o Facebook, Instagram e Whatsapp, a Apple, a Micrososft e a OpenIA foram recebidos por Trump em um jantar na Casa Branca no início de setembro. Na posse do presidente republicano para o início de seu segundo mandato nos EUA, em janeiro passado, os donos das big techs tabém ficaram em posição de destaque.

Big Techs são consideradas grandes armadilhas no século atual
Pixabay/Wikimedia
Big techs atuam na máquina de guerra
O principal ponto defendido por Amadeu em sua nova obra é o papel das big techs no militarismo e na guerra. Segundo o sociólogo, tais empresas de tecnologia “nasceram de atividades nas redes sociais e como mecanismos de busca” mas se tornaram “verdadeiros oligopólios, engolindo outras empresas e entrando também nos negócios da guerra”
“Apesar de afirmarem que são empresas neutras, elas foram articuladas por aquilo que se chama o complexo militar-industrial dos EUA”, explica.
Segundo sua análise, essa proximidade decorreu da necessidade das big techs por infraestruturas grandes e trabalhadores especializados para atuarem em seus data centers, que são os centros de processamento de dados dessas empresas. Por isso “as Forças Armadas norte-americanas trouxeram as big techs para o coração da estratégia e das ações táticas da guerra”.
Tudo isso corrobora com uma revelação do Exército dos Estados Unidos, feita em junho passado, de que os executivos de grandes empresas de tecnologia como Meta, OpenIA e Palantir foram nomeados tenentes-coronéis do Destacamento 201, recém-criado para justamente para abrigar esses empresários.
“A posse deles é apenas o começo de uma missão maior para inspirar mais profissionais de tecnologia a servir sem abandonar suas carreiras, mostrando à próxima geração como fazer a diferença no uniforme”, informou o Exército norte-americano na época.
Segundo Amadeu, as big techs também têm outras funções em guerras, como oferecer serviços de nuvem, de desenvolvimento da IA para tipos de combates, de ações táticas, e soluções para momentos de confronto. Além de existir uma “ampla gama de serviços, de inteligência computacional, de desenvolvimento de algoritmos, de arranjos tecnológicos, principalmente de sistemas automatizados para as Forças Armadas”.
O sociólogo alerta que as big techs não ofereceram serviços para todos os países que se interessarem, mas apenas para os EUA e aqueles que Washignton considera como aliados.
Contudo, mesmo que aliados, “se esses países não atuarem como o Estado norte-americano pretende, as big techs ficariam do lado dos EUA. Isso está mais do que evidente”.
Desta forma, muitos de seus serviços são oferecidos apenas para Washignton e “para o seu capataz no Oriente Médio, que é Israel”, afirma Amadeu.
Nesta linha, o professor lembrou que o governo Trump, além de sancionar os juízes da Corte Penal Internacional (TPI) em retaliação ao mandado de prisão por crimes de guerra contra [Benjamin] Netanyahu [primeiro-ministro israelense], mandou bloquear o acesso aos e-mails e todos os arquivos digitais que esses magistrados tivessem na Microsoft.
Big techs atuam no genocídio em Gaza
A capa do livro de Amadeu é uma imagem das ruínas deixadas pelo genocídio promovido por Israel na Faixa de Gaza. O sociólogo explica que a escolha decorreu porque “o primeiro grande laboratório do uso de IA para fixação de alvos militares foi” justamente o enclave palestino.
“A IA já vinha sendo usada, mas não para mapear a população civil e encontrar alvos que deveriam ser eliminados fora de áreas de combate. Isso foi feito de maneira intensa na Faixa de Gaza uma vez que essas big techs atuam para o Estado de Israel”, afirmou.
Segundo Amadeu, “a IA pode montar uma máquina de alvos” que permite o recolhimento de dados de toda a população palestina. “Elas possuem os dados do uso de redes sociais das pessoas em Gaza, além de outras bases de dados geográficos e de companhias de telefone”, acrescenta.
“Elas fazem um tratamento desses dados e criam um modelo, um padrão, para identificar supostos militantes do Hamas. A partir dos rastros digitais deles nas redes sociais, a IA identifica, com base no padrão prévio, quem seria um militante do Hamas, um apoiador, um simpatizante”, detalha
De acordo com o sociólgo, esse trabalho da IA leva Israel a realiza os ataques contra os prédios em Gaza para, supostamente, eliminar os alvos identificados.
Brasil precisa investir em soberania digital
Diante do que expôs, Amadeu defende o desenvolvimento nacional de infraestrutura digital que acabe com a dependência do Brasil dos gigantes dos EUA.
“Sem soberania tecnológica e digital, não há soberania nacional. Isso é básico e economicamente fundamental”, alerta. Segundo ele, a contratação de empresas estrangeiras para atuar em serviços de órgãos públicos brasileiros gera muitos riscos, uma vez que deixa os bancos de dados vulneráveis.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, em parceria com o Serpro e a Dataprev, lançou em 7 de setembro a “Nuvem Soberana”, iniciativa para processar e guardar dados públicos em uma infraestrutura física sob gestão do Estado, ainda que com tecnologia de empresas internacionais.
Para Amadeu, o lançamento é um avanço em um país como o Brasil, mas ainda não é suficiente diante das políticas expansionistas de Trump.
“Do jeito que o mundo está hoje, você não pode deixar arquivos estratégicos e sensíveis na mão da Microsoft, da Google ou Amazon. Há todo um arcabouço legal norte-americano que essas empresas têm que cumprir”, afirma, lembrando que “toda a pesquisa da Universidade brasileira está armazenada na Google e na Microsoft”.
“O Ministério da Educação precisa desenvolver infraestruturas públicas sob controle total do Brasil, com baixo impacto ambiental, para as universidades”, sugeriu.
Amadeu também falou sobre a dependência do Brasil às big techs em outro campo. Em julho de 2024, o governo brasileiro fez uma parceria com a Amazon, por meio do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para assuntos de defesa.
“Quando o grupo X, antigo Twitter, do Elon Musk, não quis acatar decisões judiciais brasileiras, se avaliou bloquear a Starlink, outra empresa do Musk de conexão por satélite. Tive acesso a um ofício das Forças Armadas alertando o Judiciário para não suspender a Starlink porque isso iria prejudicar a mobilização das tropas”, detalhou sobre o caso.
Em sua análise, essa parceira mostra que as Forças Armadas brasileiras “têm a sua infraestrutura de conectividade na mão de uma empresa norte-americana com interesses no Brasil e que trabalha, em última análise, para o Departamento de Estado americano”.
“Mas esse alto comando militar brasileiro não se importa com essa dependência”, lamenta.
Em conclusão, defende necessidade de “recuperar as empresas públicas de dados que surgiram nos anos 60 e que o neoliberalismo desvirtuou”, alertando as organizações brasileiras como o Serpro e a Dataprev contratam as big techs para o armazenamento de dados. “Isso tem que ser anulado”, defende.
(*) Com Agência Brasil























