Sábado, 6 de dezembro de 2025
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A aprovação do Projeto de Lei Antifacção na Câmara representou uma derrota para o governo e expôs as dificuldades do presidente da Casa Baixa, Hugo Motta (Republicanos-PB) em chegar a um acordo para o PL. Depois de seis relatórios de Guilherme Derrite (PP-SP), a extrema direita conseguiu promover mudanças no texto apresentado pelo Ministério da Justiça e, agora, congressistas de esquerda apostam em uma aliança com o relator do texto no Senado: Alessandro Vieira (MDB-SE).

A ideia do governo é deixar o texto o mais parecido possível com o que foi enviado ao Congresso. A leitura da esquerda é de que Derrite subverteu o texto, mudando trechos considerados fundamentais e, assim, se apropriou do projeto para construir a narrativa de que foi ele quem “salvou” o PL. A percepção agora é que, no Senado, a situação pode ser diferente.

Primeiro porque, no Senado, o governo tem maioria. A tendência é que os senadores progressistas consigam pautar o PL e arrastar os outros congressistas do Centrão para o seu lado, retomando uma parte importante do projeto.

Há uma expectativa também de que o texto passe por uma comissão antes de ir ao plenário. O desejo dos governistas é que a tramitação comece na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que hoje é presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA). Apesar de não ser um aliado de primeira hora, o congressista costuma ter um afinamento político em diversas pautas com o governo e terá influência na configuração do projeto, especialmente com a escolha do relator na CCJ.

Alencar publicou um vídeo nas redes sociais dizendo que, se o texto for para a CCJ, terá uma análise estratégica. Ele disse que vai ouvir Ministério Público, a Polícia Civil e a Polícia Federal para ter um projeto mais robusto.

“Iremos construir o texto final da lei, ou seja, as regras e medidas que realmente vão fortalecer o combate ao crime e proteger as comunidades que mais sofrem. Estou comprometido em levar essa proposta ao plenário da Casa Alta e entregar ao Brasil uma lei eficaz e transformadora, para endurecer, de uma vez por todas, as penalidades contra esse mal que são as facções”, disse na publicação.

Essa seria uma primeira etapa para “melhorar” o texto que foi aprovado na Câmara. O segundo passo seria no próprio plenário. O relator escolhido para o texto já foi definido. Alessandro Vieira. A indicação é um alívio para o governo porque, mesmo que não seja progressista, o senador também não tem um alinhamento político com a extrema direita e pode ser entendido como independente nessa discussão.

Vieira agora concentra poderes na discussão sobre segurança pública no Congresso, já que também é o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o crime organizado no Brasil.

O próprio presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) deu uma alfinetada na discussão feita na Câmara e garantiu que “protegerá” o texto na Casa Alta.

“Flávio Bolsonaro, assim como o senador Sergio Moro e outros senadores, me pediram para relatar essa matéria. Então eu de maneira muito equilibrada indiquei Alessandro Vieira com muito respeito a todos que gostariam de relatar, mas eu gostaria de proteger esse projeto do debate que nós estamos vivenciando infelizmente na Câmara dos Deputados entre situação e oposição. E proteger o relatório é defender os brasileiros”, disse.

Vieira também garantiu que o texto terá mudanças no Senado para melhorar o projeto. A ideia, para ele, é “não tirar nenhum centavo da PF” e ouvir especialistas em segurança pública para ajustar o documento final.

Críticas do governo

Desde o começo das discussões, governistas têm se manifestado contra a “distorção” feita por Derrite no texto. Mesmo sendo enviado pelo Ministério da Justiça, o próprio governo votou contra o texto na Câmara.

Alessandro Vieira (MDB-SE) já é relator da CPI do Crime Organizado e é visto como uma figura independente no debate sobre segurança pública
Jefferson Rudy/Agência Senado

Nesta quarta-feira (19/11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou pela primeira vez de maneira mais enfática sobre o PL. Em publicação nas redes sociais, ele disse que é preciso “leis mais firmes” para combater o crime organizado e disse que as mudanças em “pontos centrais” no projeto enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica.

“Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei. É importante que prevaleça, no Senado, o diálogo e a responsabilidade na análise do projeto para que o Brasil tenha instrumentos eficazes no enfrentamento às facções criminosas. O compromisso do governo é com o fortalecimento da Polícia Federal, garantindo maior integração entre as forças de segurança para atingir as estruturas de comando que sustentam e financiam seus crimes”, afirmou em publicação.

Outro que criticou o texto foi o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele disse na manhã desta quarta que o PL aprovado da forma como foi enfraquece as operações da Polícia Federal.

“O projeto enfraquece essas operações. Não apenas asfixia financeiramente a Polícia Federal para os próximos anos, como cria uma série de expedientes frágeis que vão ser utilizados pelos advogados do andar de cima do crime organizado para obter vantagens no Judiciário, que vai ter que respeitar a nova lei se ela for aprovada”, disse.

Como ficou o projeto

O texto aprovado na Casa Baixa propõe o aumento da pena para pessoas ligadas ao crime organizado para até 40 anos. O projeto estabelece o conceito de “organização criminosa ultraviolenta” e cria uma nova lei chamada marco legal da segurança pública, que categoriza as organizações em uma nova tipificação. O governo entende que era preciso manter o uso do termo “facções criminosas”, que já está qualificado no direito criminal.

O projeto da Câmara tipifica o novo cangaço, domínio territorial, uso de explosivos ou drones e ataques à infraestrutura como crimes que serão enquadrados no código penal.

O texto aprovado também propõe que o vínculo com crime organizado seja insuscetível de anistia, indulto e liberdade condicional. O relator incluiu no último relatório que os presos cumpram a pena e que a progressão de regime seja possível somente com 85% da pena cumprida.

Outra crítica dura do governo se dá pela distribuição de bens apreendidos em operações. O relator incluiu no projeto que os bens fossem destinados aos fundos estaduais quando as operações fossem realizadas por policiais locais, e para o fundo nacional quando realizado pela PF. Já em casos de operações conjuntas, os bens seriam compartilhados.

Para o governo, isso enfraquece a PF porque, antes, os bens apreendidos em operações compartilhadas iam para o Fundo Nacional de Segurança Pública, que repassava para outros fundos. Sem isso, o Fundo Nacional Antidrogas, por exemplo, ficaria enfraquecido e teria seu orçamento reduzido.

O relator também classificou o garimpo ilegal como agravante para o aumento das penas de organizações criminosas.

Um dos pontos importantes para o governo que foi mantido é a possibilidade de o Estado poder determinar o bloqueio de bens dos investigados ainda durante as investigações, para evitar que os grupos criminosos escondam o patrimônio.

O texto final também autoriza que sejam monitoradas conversas entre advogados e acusados durante as investigações.