Após ameaça europeia, Irã reafirma compromisso em novo acordo nuclear
Chanceler de Teerã afirmou a ONU que decisões acerca de programa nuclear devem ser baseadas no ‘respeito mútuo, não na coerção’
Após o Reino Unido, a França e a Alemanha decidirem reativar sanções contra o Irã devido ao seu programa nuclear, Teerã reafirmou à Organização das Nações Unidas (ONU) seu compromisso na busca de um novo acordo desde que seus interesses também sejam considerados.
A intenção foi transmitida por meio de uma carta do ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, ao secretário-geral da ONU, António Guterres, enviada nesta quinta-feira (28/08). “O caminho a seguir está no respeito mútuo, não na coerção”, defendeu o chanceler.
“A República Islâmica do Irã reitera mais uma vez seu compromisso com um engajamento diplomático construtivo visando a obtenção de um novo acordo. Tal acordo, ao mesmo tempo em que respeita os direitos do Irã sob o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), também deve atender às preocupações de todas as partes envolvidas, incluindo as severas sanções que afetam o bem-estar do povo iraniano”, disse o chanceler no documento.
As tensões crescem diante da cláusula de reversão prevista no acordo nuclear de 2015, o Plano de Ação Integral Conjunto (JCPOA), que permite que os participantes restabeleçam sanções em casos de descumprimento grave. Os três Estados europeus, conhecidos como E3, informaram à ONU, também nesta quinta, que haviam ativado o processo para restabelecer as medidas suspensas pela Resolução 2231.
Araqchi contestou a base da alegação, enfatizando que o Irã havia ativado formalmente o Mecanismo de Resolução de Disputas (DRM) em maio de 2018, e não em 2020, como alegado pela parte europeia. Ele citou diversas reuniões da Comissão Conjunta que se seguiram, observando que as questões não resolvidas levantadas pelo Irã naquela época permanecem pendentes.
“A reunião da Comissão Conjunta de nível ministerial de 6 de julho de 2018 reconheceu questões referidas pelo Irã como ‘não resolvidas’”, escreveu ele, acrescentando que o raciocínio da E3 “admite que medidas corretivas não podem ser invocadas contra medidas corretivas anteriores”.
Na carta, o ministro das Relações Exteriores rejeitou a ideia de que a ativação do DRM exigisse consenso, argumentando que essa lógica invalida a própria tentativa de recuperação da Europa. Ele criticou o E3 por “conduta de má-fé” por não cumprir suas obrigações, ao mesmo tempo em que descreveu as medidas legais do Irã como inadimplentes.
O Irã também defendeu sua decisão de reduzir os compromissos do JCPOA após os EUA abandonarem unilateralmente o acordo em 2018 e reimporem as sanções contra Teerã. “Essas medidas legais foram tomadas em plena conformidade com os direitos do Irã previstos nos parágrafos 26 e 36 do JCPOA”, escreveu Araqchi. “Elas visavam preservar o acordo, obrigando-o a cumpri-lo, e não miná-lo.”
Araqchi também abordou a questão da expiração da Resolução 2231, que endossa o JCPOA e deve expirar em outubro de 2025.
“A Resolução deve terminar no Dia do Término”, disse ele. “Qualquer outra tentativa contrariaria a realidade, desconsideraria o propósito da resolução, estabeleceria um precedente ruim e aprofundaria as divisões dentro do Conselho de Segurança.”
A carta rejeitou a “oferta” do E3 de uma extensão limitada das “disposições relevantes da Resolução 2231 do Conselho de Segurança da ONU”, dizendo que ela “desconsidera as realidades” e “aprofunda as divisões” dentro do Conselho.
Araqchi enfatizou que a iniciativa de snapback da E3 “não tem validade, pois não foi explicitamente reconhecida por outros participantes”.
Ele observou que o Irã havia comunicado formalmente a ativação e o esgotamento do mecanismo de resolução de disputas, alertando que qualquer movimento para desencadear o snapback agora “equivale a uma solução contra uma solução que não foi reconhecida por todos os participantes nem totalmente esgotada”.
“As medidas do Irã, tomadas em total conformidade com seus direitos sob os parágrafos 26 e 36, tinham como objetivo preservar o acordo, obrigando o cumprimento”, disse Araqchi.
Por fim, alertou que o Irã “reagiria de forma decisiva e proporcional, considerando seus supremos interesses nacionais”, caso as disposições da resolução fossem estendidas. Araqchi também pediu aos membros do Conselho que “rejeitem as manipulações políticas injustificadas e defendam a integridade do direito internacional”.
Medida “insensata, imoral, injustificada e ilegal”
Araghchi voltou a falar sobre o assunto nesta sexta-feira (29/08), classificando a decisão europeia como uma “pressão maliciosa contra o povo iraniano”, além de “insensata, imoral, injustificada e ilegal”.
Ao alertar que acionar o snapback “transformará o E3 em uma força permanentemente esgotada”, Teerã afirmou que tal “jogada imprudente” tem sido apresentada pelos países europeus como “uma tentativa de “avançar na diplomacia”.
Acting on behalf of Israel and the U.S., the E3 have decided to maliciously pursue pressure on the Iranian people. This folly—which Iran has sternly warned against—is immoral, unjustified, and unlawful.
Iran has cautioned that having been left out by the U.S. on all global…
— Seyed Abbas Araghchi (@araghchi) August 29, 2025
“Liderei pessoalmente negociações com os EUA nas últimas duas décadas. Meu país participou de cinco rodadas de negociações nucleares com o governo Trump este ano. Às vésperas da sexta rodada de negociações, o Irã foi bombardeado. Primeiro por Israel e depois pelos Estados Unidos”, resgatou a autoridade.

Ministro iraniano enfatizou que iniciativa de europeia “não tem validade, pois não foi explicitamente reconhecida por outros participantes”
Tasnim News Agency
Desta forma, Araghchi analisou como “repugnante” a forma que a Europa acusa o Irã de se afastar da mesa de negociações e rejeitar o diálogo. “A realidade é que chegamos a um ponto em que o Ocidente não pode sequer garantir que cessará novos ataques militares ilegais contra meu povo enquanto as negociações estiverem em andamento”, declarou.
“As ações da troika europeia efetivamente recompensam o infrator e punem a vítima. Foram os Estados Unidos, e não o Irã, que se retiraram unilateralmente do JCPOA em 2018 e reimpuseram sanções. Foi a Europa, e não o Irã, que não cumpriu seus compromissos de mitigar o impacto econômico da retirada dos EUA. Foi também a Europa, e não o Irã, que não só não cumpriu seus compromissos no Dia da Transição (outubro de 2023), como também impôs novas sanções ilegais à aviação civil e à navegação iranianas”, ressaltou sobre o histórico dos países ocidentais nas negociações.
Assim, o ministro iraniano alertou que a decisão do E3 “terá impactos adversos significativos na diplomacia” e “prejudicará gravemente o diálogo em curso entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA)”, além de exigir “uma resposta adequada”.
Por fim, Araghchi apelou que o Conselho de Segurança da ONU contenha “o caminho escolhido pela Europa”.
Reação da Rússia
A Rússia condenou “veemente”, também nesta sexta-feira (29/08), a decisão do Reino Unido, França e Alemanha em reativar as sanções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o Irã.
Por meio de um comunicado do Ministério das Relações Exteriores, Moscou classificou a ação como “uma manipulação” realizada “fora do âmbito legal”, de modo “condenável e inaceitável”.
“Condenamos veementemente essas atividades dos países europeus e apelamos à comunidade internacional para que as rejeite. Esse tipo de manipulação não pode implicar quaisquer responsabilidades para outros países”, diz a declaração, citada pela agência de notícias russa TASS.
O governo russo denunciou que a tentativa dos países europeus em restabelecer as sanções contra Teerã, que defende a pacificidade de seu programa nuclear, é “uma tentativa descarada de manipular as disposições do Conselho de Segurança da ONU”.
“Aproveitando-se do fato de que o mecanismo previsto na resolução – chamado de snapback – envolve um procedimento único e bastante complexo, sem precedentes na prática mundial, os britânicos e as outras duas nações europeias estão se arrogando o direito de interpretar sua implementação da maneira que acharem adequada”, afirma o documento da chancelaria.
Para a Rússia, a tentativa de Londres, Paris e Berlim “é um sério fator desestabilizador” que mina os esforços para negociações nucleares,além de tratar com “suspeita e preconceito as atividades nucleares pacíficas do Irã”.
“Acreditamos que é importante evitar outra escalada de tensões em torno do programa nuclear iraniano, que, como a agressão estrangeira contra o Irã mostrou em junho, teria consequências terríveis para a paz e a segurança internacionais”, enfatizou o ministério, referindo-se aos ataques de Israel e dos Estados Unidos contra instalações nucleares e civis iranianas.
Moscou ressaltou ainda que as negociações que levaram ao mecanismo de snapback “baseiam-se em um cuidadoso equilíbrio de interesses e, sem ele, deixarão de funcionar”.
“Instamos veementemente que repensem e reconsiderem suas decisões equivocadas antes que elas levem a consequências irreparáveis e a outra tragédia. Estamos confiantes de que sua política de confrontação com Teerã não levará a lugar nenhum”, conclui o comunicado.
Decisão está nas mãos do Conselho de Segurança
Na última quinta-feira (28/08), os países europeus que fazem parte do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês) decidiram restaurar as sanções contra o Irã ao acionar o snapback, mecanismo que autoriza a retomada automática das sanções contra Teerã caso seja considerado que ele não esteja cumprindo sua parte no acordo nuclear.
Ao mesmo tempo, as sanções não entram em vigor imediatamente, o Conselho de Segurança da ONU deve submeter a votação um projeto de resolução sobre a continuação do término das sanções. Se tal resolução não for aprovada dentro de 30 dias, as sanções serão restauradas.
Após a decisão, Mikhail Ulyanov, representante permanente da Rússia na ONU, chamou a decisão de “medida responsável que leva a situação a um impasse total”.
The Ministers of Foreign Affairs of #France, #Germany and the #UK informed today the President of the #UN Security Council that they invoked the so-called #SnapBack procedure aimed at restoration of all previous #sanctions against #Iran. This is a big mistake. Yet another…
— Mikhail Ulyanov (@Amb_Ulyanov) August 28, 2025
Ulyanov disse ainda que a ordem da Alemanha em orientar seus cidadãos a deixar ou não viajar ao Irã “é um reconhecimento de fato de que a ativação do mecanismo Snapback pelo E3 é uma medida de escalada que pode provocar medidas retaliatórias”.
“Em outras palavras, o E3 compreende plenamente o caráter provocativo de suas decisões, mas, ainda assim, cria intencionalmente uma situação de conflito com consequências imprevisíveis”, concluiu.
(*) Com Sputnik e informações da Tasnim News Agency























