Analista aponta riscos de fortalecimento da direita e aumento de influências externas no Nepal
Jhalak Subedi explica queda do premiê KP Sharma Oli ocorrida na terça-feira (09/09)
O Nepal está sob toque de recolher após três dias de protestos que culminaram na renúncia do primeiro-ministro do país, Khadga Prasad Sharma Oli, na última terça-feira (09/09).
Segundo o analista político Jhalak Subedi, com a queda de KP Sharma Oli, do Partido Comunista do Nepal (PCN-UML) e a probabilidade de novas eleições, a direita pode se fortalecer. Além disso, há um risco presente de que “indianos e norte-americanos se tornem mais influentes na política interna do Nepal”, aponta.
Em entrevista à Opera Mundi, Subedi explica as motivações que levaram às manifestações, em grande parte de jovens da chamada “Geração Z” e, que resultaram, até esta quarta-feira (10/09), na morte de pelo menos 22 pessoas, deixando centenas de feridos.
Segundo Subedi, o premiê nepalês perdeu a legitimidade após a repressão aos protestos motivados não apenas pela interdição das plataformas sociais no país, mas por um crescente descontentamento com desemprego, pobreza e degradação da educação e saúde públicas.
Leia a entrevista na íntegra:
Opera Mundi: O que motivou a renúncia do primeiro-ministro K.P. Sharma Oli?
Jhalak Subedi: O primeiro-ministro KP Sharma Oli foi a pessoa mais infame e criticada entre os políticos nepaleses. Ele foi acusado de corrupção, politização dos tribunais e outros organismos constitucionais e instituições importantes, além de violar leis e a própria Constituição.
KP Sharma Oli destituiu o popular Diretor Geral da Autoridade de Eletricidade do Nepal, Kulman Ghising, além de reitores das universidades. Sua legitimidade, no entanto, terminou após a repressão ao protesto de 8 de setembro, que resultou na morte de 19 pessoas.
No dia seguinte (09/09), ele foi forçado a renunciar à medida, o que fez com que a insatisfação crescesse em outros partidos dentro da coalizão do governo, e as agências de segurança hesitaram em seguir suas ordens.
A imprensa ocidental enfatiza que os protestos tiveram como mote a interdição das plataformas de mídia social, isso procede?
A narrativa da imprensa ocidental é parcialmente verdadeira. Mas foi apenas uma faísca que acendeu o fogo de um descontentamento que vinha se formando. Na realidade, as razões foram a desigualdade, a pobreza, o desemprego, a degradação dos padrões de educação pública e serviços de saúde e o cotidiano difícil da classe trabalhadora.
Uma situação que resulta de políticas econômicas neoliberais implementadas desde 1990. Floresceu o capitalismo de compadrio, onde os benefícios são compartilhados entre liderança política, capitalistas e a burocracia. Além disso, as indústrias não foram estabelecidas.

Manifestantes da Geração Z em protesto no Nepal
हिमाल सुवेदी / Wikipedia Commons
Da mesma forma, todos os governos após 1990, estiveram envolvidos em escândalos de corrupção. Em alguns deles, os próprios primeiros-ministros blindaram ministros e aliados. A crença na independência da Justiça diminuiu no país porque membros do partido foram nomeados para os tribunais.
Com isso, ganhou força na nova geração a visão de que o estilo de vida luxuoso dos líderes e de suas famílias é um roubo dos impostos pagos com o suor e o sangue de seus pais. Parece que eles aprenderam, com os eventos em Bangladesh e na Indonésia, sobre como levar os protestos e a rebelião até o fim.
A corrupção é uma doença antiga da política nepalesa. Aqueles que se apoderam do poder estatal ou do governo controlam recursos, financiam e distribuem-nos entre seus aliados. Alguns eventos ocorreram recentemente.
Quais eventos especificamente?
Na política, havia uma dança das cadeiras em andamento entre o líder do PCN-MLU, KP Oli, o presidente do Congresso, Sher Bahadur Deuba, e o presidente maoísta, Prachanda. Embora documentos confirmassem alegações de corrupção contra dois membros atuais do Conselho de Ministros, nenhuma ação foi tomada e eles não foram demitidos.
Ao mesmo tempo, ao tentar cobrar impostos de alguns grandes empresários que não pagaram tarifas de eletricidade, Kulman Ghising, o chefe da autoridade, foi demitido.
Houve também o caso do ex-ministro do Interior, Bal Krishna Khand, uma figura-chave da quadrilha que enviava pessoas para os Estados Unidos com documentos falsos em nome de refugiados butaneses. Ele foi libertado a critério do tribunal.
Notícias não paravam de chegar de que líderes maoístas, do UML e do Congresso, estavam implicados em fraude cooperativa, contrabando de ouro e desvio de fundos estatais. Isso tudo deixou a população indignada.
Como você avalia o impacto da renúncia do primeiro-ministro e as expectativas agora?
Até o momento, o cenário não está claro. O Exército nepalês se apresentou como mediador e, provavelmente, será tomada a decisão de formar um governo interino envolvendo algumas personalidades da sociedade civil e até mesmo líderes do movimento da Geração Z. Também estão previstas a dissolução do Parlamento e a busca por um novo mandato.
Provavelmente será formado um novo órgão para combater a corrupção. Um receio é que, se o prefeito de Katmandu se tornar influente neste novo governo e o Exército permanecer ativo, talvez haja o risco de que o atual sistema democrático e seus valores sejam enfraquecidos e que elementos de direita se tornem influentes. De certa forma, isso levará a uma contrarrevolução.
A situação é semelhante ao colapso dos governos socialistas da Europa Oriental em 1989, quando os próprios líderes comunistas, que passaram anos na prisão, na clandestinidade e lideraram movimentos, terminaram caindo.
Agora, ministros, primeiros-ministros e ex-primeiros-ministros de governos comunistas estão sob proteção do Exército, salvando suas vidas. Algumas de suas casas foram incendiadas. Escritórios do partido foram queimados e alguns sofreram agressões físicas. Em tal contexto, a alternativa de esquerda enfraqueceu.
Alguns pequenos grupos de esquerda estão envolvidos no movimento da Geração Z, mas seu papel é insignificante. Agora, será necessário reorganizar o movimento, pois o novo governo não será capaz de implementar reformas econômicas sólidas. Além disso, o risco de indianos e norte-americanos se tornarem mais influentes na política interna do Nepal, o que poderia levar à direita a nossa política, é igualmente presente.























