Sábado, 6 de dezembro de 2025
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O Nepal está sob toque de recolher após três dias de protestos que culminaram na renúncia do primeiro-ministro do país, Khadga Prasad Sharma Oli, na última terça-feira (09/09).

Segundo o analista político Jhalak Subedi, com a queda de KP Sharma Oli, do Partido Comunista do Nepal (PCN-UML) e a probabilidade de novas eleições, a direita pode se fortalecer. Além disso, há um risco presente de que “indianos e norte-americanos se tornem mais influentes na política interna do Nepal”, aponta.

Em entrevista à Opera Mundi, Subedi explica as motivações que levaram às manifestações, em grande parte de jovens da chamada “Geração Z” e, que resultaram, até esta quarta-feira (10/09), na morte de pelo menos 22 pessoas, deixando centenas de feridos.

Segundo Subedi, o premiê nepalês perdeu a legitimidade após a repressão aos protestos motivados não apenas pela interdição das plataformas sociais no país, mas por um crescente descontentamento com desemprego, pobreza e degradação da educação e saúde públicas.

Leia a entrevista na íntegra:

Opera Mundi: O que motivou a renúncia do primeiro-ministro K.P. Sharma Oli?

Jhalak Subedi: O primeiro-ministro KP Sharma Oli foi a pessoa mais infame e criticada entre os políticos nepaleses. Ele foi acusado de corrupção, politização dos tribunais e outros organismos constitucionais e instituições importantes, além de violar leis e a própria Constituição.

KP Sharma Oli destituiu o popular Diretor Geral da Autoridade de Eletricidade do Nepal, Kulman Ghising, além de reitores das universidades. Sua legitimidade, no entanto, terminou após a repressão ao protesto de 8 de setembro, que resultou na morte de 19 pessoas.

No dia seguinte (09/09), ele foi forçado a renunciar à medida, o que fez com que a insatisfação crescesse em outros partidos dentro da coalizão do governo, e as agências de segurança hesitaram em seguir suas ordens.

A imprensa ocidental enfatiza que os protestos tiveram como mote a interdição das plataformas de mídia social, isso procede?

A narrativa da imprensa ocidental é parcialmente verdadeira. Mas foi apenas uma faísca que acendeu o fogo de um descontentamento que vinha se formando. Na realidade, as razões foram a desigualdade, a pobreza, o desemprego, a degradação dos padrões de educação pública e serviços de saúde e o cotidiano difícil da classe trabalhadora.

Uma situação que resulta de políticas econômicas neoliberais implementadas desde 1990. Floresceu o capitalismo de compadrio, onde os benefícios são compartilhados entre liderança política, capitalistas e a burocracia. Além disso, as indústrias não foram estabelecidas.

Manifestantes da Geração Z em protesto no Nepal
हिमाल सुवेदी / Wikipedia Commons

Da mesma forma, todos os governos após 1990, estiveram envolvidos em escândalos de corrupção. Em alguns deles, os próprios primeiros-ministros blindaram ministros e aliados. A crença na independência da Justiça diminuiu no país porque membros do partido foram nomeados para os tribunais.

Com isso, ganhou força na nova geração a visão de que o estilo de vida luxuoso dos líderes e de suas famílias é um roubo dos impostos pagos com o suor e o sangue de seus pais. Parece que eles aprenderam, com os eventos em Bangladesh e na Indonésia, sobre como levar os protestos e a rebelião até o fim.

A corrupção é uma doença antiga da política nepalesa. Aqueles que se apoderam do poder estatal ou do governo controlam recursos, financiam e distribuem-nos entre seus aliados. Alguns eventos ocorreram recentemente.

Quais eventos especificamente?

Na política, havia uma dança das cadeiras em andamento entre o líder do PCN-MLU, KP Oli, o presidente do Congresso, Sher Bahadur Deuba, e o presidente maoísta, Prachanda. Embora documentos confirmassem alegações de corrupção contra dois membros atuais do Conselho de Ministros, nenhuma ação foi tomada e eles não foram demitidos.

Ao mesmo tempo, ao tentar cobrar impostos de alguns grandes empresários que não pagaram tarifas de eletricidade, Kulman Ghising, o chefe da autoridade, foi demitido.

Houve também o caso do ex-ministro do Interior, Bal Krishna Khand, uma figura-chave da quadrilha que enviava pessoas para os Estados Unidos com documentos falsos em nome de refugiados butaneses. Ele foi libertado a critério do tribunal.

Notícias não paravam de chegar de que líderes maoístas, do UML e do Congresso, estavam implicados em fraude cooperativa, contrabando de ouro e desvio de fundos estatais. Isso tudo deixou a população indignada.

Como você avalia o impacto da renúncia do primeiro-ministro e as expectativas agora?

Até o momento, o cenário não está claro. O Exército nepalês se apresentou como mediador e, provavelmente, será tomada a decisão de formar um governo interino envolvendo algumas personalidades da sociedade civil e até mesmo líderes do movimento da Geração Z. Também estão previstas a dissolução do Parlamento e a busca por um novo mandato.

Provavelmente será formado um novo órgão para combater a corrupção. Um receio é que, se o prefeito de Katmandu se tornar influente neste novo governo e o Exército permanecer ativo, talvez haja o risco de que o atual sistema democrático e seus valores sejam enfraquecidos e que elementos de direita se tornem influentes. De certa forma, isso levará a uma contrarrevolução.

A situação é semelhante ao colapso dos governos socialistas da Europa Oriental em 1989, quando os próprios líderes comunistas, que passaram anos na prisão, na clandestinidade e lideraram movimentos, terminaram caindo.

Agora, ministros, primeiros-ministros e ex-primeiros-ministros de governos comunistas estão sob proteção do Exército, salvando suas vidas. Algumas de suas casas foram incendiadas. Escritórios do partido foram queimados e alguns sofreram agressões físicas. Em tal contexto, a alternativa de esquerda enfraqueceu.

Alguns pequenos grupos de esquerda estão envolvidos no movimento da Geração Z, mas seu papel é insignificante. Agora, será necessário reorganizar o movimento, pois o novo governo não será capaz de implementar reformas econômicas sólidas. Além disso, o risco de indianos e norte-americanos se tornarem mais influentes na política interna do Nepal, o que poderia levar à direita a nossa política, é igualmente presente.