Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Em menos de 48 horas, uma crise que manteve grande parte da mídia global em estado de alerta foi resolvida: a insurreição armada de Yevgeny Prigozhin, fundador da empresa militar privada (PMC) Wagner, envolvida na guerra na Ucrânia.

Muitas informações tendenciosas foram divulgadas, especialmente a partir da América do Norte e da Europa Ocidental, por isso é imperativo esclarecer os detalhes dos eventos. Dessa forma, poderemos ter uma visão mais clara dos acontecimentos e material suficiente para uma análise dos fatos.

Antecedentes imediatos

O ministro da Defesa da Rússia, General Sergey Shoigu, assinou uma ordem determinando o procedimento para organizar as atividades das “formações voluntárias” no serviço militar. Isso foi relatado pelo vice-ministro Nikolai Pankov no dia 10 de junho.

A ordem obriga as “formações de voluntários” a assinar contratos com o Ministério da Defesa para sua inclusão no comando central da liderança militar russa, com os mesmos benefícios do serviço militar oficial. Essas organizações têm até o próximo dia 1º de julho para se subordinarem às ordens do Ministério.

Até essa data, mais de 13.500 russos haviam assinado contratos com o Ministério da Defesa.

Entre essas “formações voluntárias” estão empresas militares privadas, como a Wagner, que não têm regulamentação na Federação Russa. A assinatura de contratos lhes daria o status legal necessário para continuar seus serviços.

No dia seguinte, em 11 de junho, surgiram relatos de que Yevgeny Prigozhin se recusou a assinar qualquer contrato com o Ministério da Defesa da Rússia.

Em 13 de junho, o presidente Vladimir Putin disse que apoiava a ordem do Ministério da Defesa.

Nos meses anteriores, Prigozhin havia feito declarações públicas contra a liderança militar da Rússia, especificamente contra o Ministério da Defesa e o ministro Shoigu, em várias questões relativas à Operação Militar Especial (OME) russa na Ucrânia e no Donbass, especificamente sobre a preparação da Batalha de Bakhmut e alguns de seus desdobramentos.

Por exemplo, em 2 de junho, Prigozhin disse que o exército russo havia plantado minas nas rotas de saída do Wagner em Bakhmut. Como resultado, o Grupo Wagner capturou o tenente-coronel Roman Venevitin e o submeteu a um interrogatório publicado pelo serviço de assessoria de imprensa do grupo mercenário.

O blogueiro militar que publica sob o nome de “Simplicius The Thinker” publicou um relatório com uma série de mentiras – verificadas por dados concretos no campo de batalha – que o chefe do Wagner proferiu sobre a situação da guerra no terreno na Ucrânia e no Donbass.

Em resumo, Prigozhin teria mentido sobre:

– Áreas capturadas pelo exército ucraniano que, na verdade, estão sob controle russo.

– O papel agressivo e genocida de Kiev sobre a população do Donbass.

– As razões pelas quais a OME foi implantada, diminuindo o papel da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e do Estado ucraniano nas origens do conflito.

– As intenções do governo de Vladimir Zelensky de negociar um acordo de paz.

– O suposto mau planejamento da OME.

Em outras palavras, Prigozhin tem apontado o dedo para o Ministério da Defesa – e não diretamente para o presidente Putin – como culpado por ter criado um casus belli para a implantação da OME, argumentando que a “verdadeira causa” dessa guerra é que os oligarcas russos precisam dela. Falácias comprovadas por uma análise dos fatos.

O fundador da Wagner tem um ressentimento com o ministro Shoigu e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas, general Valery Gerasimov, a quem ele acusou pessoalmente de tomar decisões “estúpidas” ao dar “ordens criminosas” enquanto “enganava” o presidente Putin sobre a OME.

Não menos importante, o The Washington Post publicou uma entrevista com o presidente ucraniano Zelenski em 13 de maio, na qual ele revelou a existência de um canal de contato entre seu governo e Prigozhin, de acordo com um documento vazado do Pentágono. Zelenski não negou a informação, mas pareceu alarmado com o vazamento e a mídia dos EUA excluiu essa parte da entrevista, que foi resgatada pela agência de notícias russa RT.

Durante esses dias, surgiram relatos de supostos acordos entre Zelenski e Prigozhin para ceder posições russas no campo de batalha ucraniano.

Cronologia de uma insurreição fracassada

Em uma série de vídeos divulgados na sexta-feira, 23 de junho, Prigozhin acusou o Ministério da Defesa russo e o ministro Shoigu de “tentar enganar a sociedade e o presidente e nos dizer que houve uma agressão tresloucada da Ucrânia e que eles estavam planejando nos atacar com toda a OTAN”.

Ele também acusou o Ministério da Defesa russo de lançar um ataque mortal com mísseis em um acampamento do Wagner, e prometeu retaliação.

Motim realizado por líder do grupo mercenário 'Wagner', aparentemente foi o cume de uma série de disputas com o ministério da Defesa russo

Wikicommons

Yevgeny Prigozhin, fundador da empresa militar privada (PMC) Wagner, envolvida na guerra na Ucrânia.

O Ministério da Defesa da Rússia negou a acusação, alegando que se tratava de uma “provocação informativa”.

Prigozhin declarou que “o conselho de comandantes da PMC Wagner tomou uma decisão: o mal trazido pela liderança militar do país deve ser interrompido”.

Ele prometeu marchar até Moscou – a “Marcha da Justiça” – e chamar à responsabilidade os supostos responsáveis.

Pouco tempo depois, o carismático comandante militar russo na Ucrânia, general Sergey Surovikin, conclamou publicamente as tropas do Wagner a se submeterem às autoridades “antes que seja tarde demais”, a retornarem aos quartéis e a resolverem suas queixas pacificamente.

O Serviço Federal de Segurança (FSB), na sexta-feira, chamou o levante de “rebelião armada” e disse que iria abrir um processo. O quartel-general do Wagner em São Petersburgo foi isolado e o Gabinete do Procurador-Geral disse que “esse crime é punível com prisão de 12 a 20 anos”.

Em um pronunciamento à nação no sábado, 24 de junho, em Moscou, o presidente Vladimir Putin condenou veementemente os eventos, descrevendo-os como “um motim armado” e pedindo a “consolidação de todas as forças”.

Ele condenou “todos os tipos de aventureiros políticos e estrangeiros” que poderiam se beneficiar “da situação, dilacerando o país para dividi-lo”.

O presidente Putin prometeu que aqueles “que organizaram e prepararam um motim militar, que pegaram em armas contra seus camaradas, que traíram a Rússia” seriam punidos.

Em seu discurso à nação, Putin não chegou a alegar qualquer “mão estrangeira” nos eventos atuais, observando que “ambições excessivas e interesses pessoais levaram à traição”, referindo-se a Prigozhin sem citar seu nome.

No sábado (24/06), Prigozhin e os combatentes do Wagner que seguiram seu chamado afirmaram estar a caminho de Rostov-on-Don, 700 km ao sul de Moscou. Essa é a localização da base de comando regional da Rússia, onde está sediado o Distrito Militar do Sul.

Imagens publicadas pela agência RT mostram as consequências da passagem do Wagner em Rostov-on-Don, com ruas cheias de lixo e marcadas com rastros de tanques. O vídeo também mostra os portões danificados do circo local, onde os combatentes do Wagner haviam estacionado um tanque no dia anterior.

Foi relatado que, durante o dia de sábado, 24, houve negociações entre Prigozhin e o presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, para impedir a marcha do Wagner para Moscou. O chefe do Grupo Wagner aceitou a proposta de Lukashenko. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, deu detalhes do acordo:

– O processo criminal contra o fundador da empresa militar privada Wagner, Yevgeny Prigozhin, será arquivado.

– O indivíduo deixará a Rússia e revelou que “irá para Belarus”. Ele não entrou em detalhes sobre o que o empresário fará no país vizinho.

– Ele acrescentou que os combatentes do Wagner não serão processados, levando em conta seus esforços nas frentes do conflito ucraniano. Peskov explicou que a equipe do presidente Vladimir Putin “sempre respeitou suas façanhas”.

– Os contratados da PMC Wagner que se recusaram a participar do motim poderão assinar contratos com o Ministério da Defesa russo. Dos 32.000 combatentes da Wagner, apenas cerca de 8.000 participaram da “rebelião”, de acordo com dados compilados pelo blogueiro militar “Simplicius The Thinker”.

Por sua vez, o serviço de comunicação do presidente Lukashenko publicou o seguinte:

“Esta manhã, o presidente russo Vladimir Putin informou seu colega bielorrusso sobre a situação no sul da Rússia com a empresa militar privada Wagner. Os líderes acordaram ações conjuntas.

Após os acordos, o presidente bielorrusso, depois de esclarecer a situação por meio de seus próprios canais, manteve conversas com o chefe da PMC Wagner, Yevgeny Prigozhin, em coordenação com o presidente russo.

As conversas duraram um dia inteiro. Como resultado, eles concordaram com a inadmissibilidade de desencadear um banho de sangue no território da Rússia. Yevgeny Prigozhin aceitou a proposta do presidente Alexander Lukashenko de interromper o movimento de combatentes do Wagner rumo à Rússia e de tomar outras medidas para diminuir as tensões.

Por enquanto, uma opção absolutamente vantajosa e aceitável para resolver a situação, com garantias de segurança para os combatentes do Wagner PMC, está na mesa.

Conforme relatado anteriormente, durante a reunião de hoje, o presidente de Belarus realizou duas reuniões com o bloco de segurança do país sobre essa situação”.

Em conclusão, o porta-voz do Kremlin disse que, apesar de um dia crítico “cheio de eventos trágicos”, os eventos não teriam nenhum impacto sobre a Operação Militar Especial (OME). Dessa forma, Moscou conseguiu reprimir uma insurreição armada, no contexto da guerra na Ucrânia, com um terceiro elemento de mediação aliado, em menos de 48 horas.

(*) Traduzido por Pedro Marin, da Revista Opera