Xiang Jingyu: pioneira da revolução e do feminismo na China
Xiang foi uma das primeiras mulheres a auxiliar na construção do Partido Comunista da China e teve papel central na luta pela emancipação das trabalhadoras
Há 130 anos, em 4 de setembro de 1895, nascia a revolucionária comunista Xiang Jingyu. Ativa nos movimentos anti-imperialistas desde a juventude, ela foi uma das primeiras mulheres a auxiliar na construção do Partido Comunista da China — bem como a primeira mulher a integrar o Comitê Central da agremiação.
Xiang fundou o Comitê de Libertação das Mulheres e dirigiu o Departamento Feminino do partido por vários anos. Ela teve papel central na mobilização das mulheres da classe operária, fundando sindicatos, liderando greves e articulando as ações dos movimentos sociais.
Reconhecida como a pioneira do feminismo socialista na China, Xiang permaneceu ativa na luta pela emancipação das trabalhadoras até seu assassinato em 1928. Capturada por agentes franceses, ela foi entregue para ser torturada e assassinada pelas forças anticomunistas do Kuomintang.
Os primeiros anos
Xiang Jingyu nasceu em Xupu, um condado da província de Hunan, no sul da China. Ela pertencia a uma família numerosa e abastada, filha de Deng Yugui e do comerciante Xiang Ruiling, o presidente da Câmara de Comércio do condado. A mãe faleceu precocemente e Xiang foi criada com a ajuda dos irmãos mais velhos.
Aos sete anos, Xiang Jingyu passou a frequentar a escola primária fundada por seu irmão, Xiang Xianyue. Seguindo o costume das famílias afluentes à época, Xianyue foi educado no Japão. Ele se impressionou com as reformas modernizantes instituídas durante a Era Meiji, em especial o fortalecimento do sistema educacional. Quando retornou à China, Xianyue decidiu abrir sua própria escola e instituiu um modelo pedagógico inovador, rompendo com a tradição educacional confucionista.
Xianyue não era um caso isolado. Desde o fim do século 19, o confucionismo passou a ser cada vez mais contestado na China. Os reformistas, antimonarquistas e jovens intelectuais enxergavam a doutrina como um obstáculo ao progresso do país, associando-a ao obscurantismo, ao autoritarismo e à submissão feminina.
O declínio das ideias confucionistas se acentuou a partir de 1911, após a eclosão da Revolução Xinhai e a subsequente queda da Dinastia Qing. A família de Xiang Jingyu apoiou o processo revolucionário e as iniciativas modernizantes — incluindo a abertura das escolas femininas.
Após concluir o ensino básico, Xiang Jingyu se mudou para Changsha, a capital da província, a fim de prosseguir com os estudos. Ela se matriculou na Escola Normal Feminina de Hunan e posteriormente se transferiu para a Escola Secundária Zhou Nan — instituição que é considerada o berço do feminismo socialista chinês.
Militância estudantil e atuação como educadora
Durante os estudos em Changsha, Xiang Jingyu ingressou no movimento estudantil e iniciou sua militância política. Ela foi colega de classe e amiga de Yu Manzhen, mãe da futura líder feminista Ding Ling. As duas participaram de diversos protestos e manifestações contra as interferências estrangeiras na China.
Em 1915, em meio à Primeira Guerra Mundial, Xiang ajudou a organizar o movimento contra as “21 Exigências” — um conjunto de demandas apresentadas pelo Japão à China, exigindo a concessão de privilégios econômicos e o direito de intervir politicamente no país.
Após concluir os estudos secundários e obter a licença para exercer o magistério, Xiang retornou a Xupu. Ela pretendia lecionar na escola local, mas se deparou com um grande obstáculo: a instituição fora devastada por uma enchente e estava abandonada desde então.
Xiang mobilizou a comunidade para reformar a escola, organizando uma série de mutirões. Ela assumiu a diretoria da instituição e convidou suas colegas do movimento estudantil para dar aulas no local.
Defensora da tese de que a educação era uma ferramenta essencial para a soberania do povo chinês, Xiang elaborou uma série de ações para convencer as famílias a deixarem suas filhas frequentarem as escolas. Ela viajou pelo interior da província de Hunan, a fim de conversar com as famílias camponesas e promover a educação feminina.
Xiang também criou uma campanha contra a tradição chinesa dos “pés de lótus” — a prática de enfaixar os pés das meninas e adolescentes, induzindo deformações para mantê-los pequenos. A tradição já era bastante criticada desde meados do século 19, mas só foi superada a partir das campanhas organizadas no início do século 20.
Outra tradição desafiada por Xiang Jingyu foi a dos casamentos arranjados. Em 1918, o pai da jovem prometeu sua mão a Zhou Zhelan, um senhor da guerra ativo em Hunan. Xiang rejeitou o acordo, afirmando que já estava comprometida em um “casamento com sua nação”.
Estudos na França
Em 1919, Xiang Jingyu tomou parte das manifestações do Movimento Quatro de Maio. A mobilização surgiu como reação à decisão da Conferência de Versalhes de conceder ao Japão o controle da região chinesa de Shandong.
No mesmo ano, Xiang ingressou na Sociedade para o Estudo da Renovação do Povo (“Xinmin Xuehui”), uma organização da esquerda revolucionária criada por Cai Hesen e Mao Zedong. Ela fora apresentada ao grupo através de sua amiga Cai Chang, irmã de Cai Hesen. A sociedade reunia boa parte dos nomes que em breve integrariam a cúpula do Partido Comunista da China.
Ainda em 1919, Xiang e Cai Hesen viajaram juntos para a França, como parte do Movimento Estudo-Trabalho, uma iniciativa que visava impulsionar a formação técnica, científica e política de jovens chineses.
Xiang e Cai Hesen iniciaram um relacionamento amoroso ainda durante a viagem de navio e se casaram na França no ano seguinte, estabelecendo o que ficaria conhecido como “Aliança Xiang-Cai” — um modelo de casamento baseado no respeito à liberdade individual e em princípios revolucionários compartilhados.
Na França, Xiang conciliou o trabalho nas fábricas com o estudo do marxismo, dedicando-se à leitura dos textos fundamentais do movimento socialista. Ela também elaborou seus próprios artigos, buscando analisar as questões femininas sob a perspectiva do materialismo histórico-dialético.
Em maio de 1920, Xiang publicou o ensaio “Uma discussão sobre questões femininas e transformação”, onde defende a ideia de que a libertação das mulheres era indissociável da luta de classes e só poderia ser garantida através da emancipação do proletariado.
O contato com o pensamento marxista levou Xiang a rever sua concepção prévia de que a educação garantiria o avanço da China. Ela enxergava agora que a única possibilidade concreta de independência do povo chinês estava na revolução.
A estadia na França não durou muito tempo. No fim de 1921, Cai Hesen foi expulso do país por ajudar a organizar protestos reivindicando o direito à moradia e à educação. Xiang retornou à China pouco tempo depois.

Xiang Jingyu foi uma das primeiras mulheres a auxiliar na construção do Partido Comunista da China
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Atuação no Partido Comunista
Xiang Jingyu foi uma das primeiras mulheres a ingressar no Partido Comunista da China (PCCh), filiando-se à agremiação no começo de 1922. Em julho do mesmo ano, durante o 2º Congresso Nacional do partido, ela se tornou a primeira mulher eleita como integrante do Comitê Central.
Entre 1922 e 1927, Xiang ocupou o cargo de diretora do Departamento Feminino do PCCh. Ela se consagrou como uma das pioneiras do feminismo socialista na China, insuflando a organização política das mulheres da classe trabalhadora.
Em 1923, Xiang redigiu a “Resolução sobre o Movimento das Mulheres”, que foi aprovada pelo 3º Congresso Nacional do PCCh. No texto, ela reforça a importância de integrar as mulheres à luta revolucionária e propõe que a causa anti-imperialista sirva de base para a unificação dos grandes movimentos femininos nacionais.
Xiang apoiou a criação de sindicatos e esteve na linha de frente da luta por melhores salários e condições dignas de trabalho para as mulheres. Em 1924, ela liderou a histórica greve das trabalhadoras das fábricas de seda e tabaco de Xangai, conseguindo a adesão de 10.000 operárias.
Auxiliada por movimentos femininos de todo o país, Xiang coordenou ações para promover a participação política das mulheres, criou campanhas de incentivo à educação feminina e projetos de prevenção à prostituição. Também propôs a criação de redes de apoio às mulheres e a instalação de creches e escolas junto às fábricas.
Fundadora do Comitê de Libertação das Mulheres e idealizadora da Federação Feminina Chinesa, Xiang seria responsável por recrutar e por fornecer treinamento e educação política a várias militantes do Partido Comunista. Ela também defendeu a aliança política entre o PCCh e o Kuomintang (KMT, o Partido Nacionalista da China) e assumiu a chefia do Departamento Feminino dos nacionalistas.
Xiang exerceu papel fundamental durante o Movimento 30 de Maio — uma enorme insurreição popular que eclodiu no país em 1925, após um massacre de manifestantes chineses por uma força policial controlada por estrangeiros.
Greves e protestos se espalharam por todo o país, insuflando o crescimento do nacionalismo e do movimento operário. Mantendo um discurso radical e incisivo, alinhado à indignação do povo chinês, Xiang conseguiu se destacar como uma liderança popular e arregimentou diversos trabalhadores para a causa revolucionária.
No auge de sua ascensão política, Xiang se viu envolvida em uma crise inusitada. Em 1925, ela confessou ao marido que havia mantido um caso extraconjugal com Peng Shuzhi. O que deveria ser um problema conjugal, no entanto, se transformou em disputa política. Isso porque Peng Shuzhi era membro do Comitê Central do PCCh e pertencia a uma ala que fazia oposição ao marido de Xiang.
Em uma tentativa de evitar o agravamento da crise e salvar o relacionamento do casal, o Partido Comunista enviou Xiang Jingyu e Cai Hesen para a União Soviética. Cai serviu como representante do PCCh na Comintern, enquanto Xiang realizou cursos na Universidade Comunista dos Trabalhadores do Oriente. A tentativa de reconciliação não deu certo e o casal se separou em 1926.
O assassinato
Xiang retornou à China em março de 1927. O fim do relacionamento com Cai Hesen custou sua remoção do Departamento Feminino. Ela foi transferida para o Departamento de Propaganda do PCCh e incumbida de auxiliar na articulação do movimento sindical em Hankou (atual Wuhan).
Pouco tempo após o retorno de Xiang, o movimento revolucionário chinês sofreria um duro golpe. A aliança entre o PCCh e o Kuomintang, que estava fragilizada desde a morte do líder nacionalista Sun Yat-Sem, chegaria ao fim da forma mais abrupta possível.
Em 12 de abril de 1927, Chiang Kai-Shek, o novo líder do Kuomintang, lançou um violento ataque contra os militantes comunistas, assassinando milhares de pessoas no Massacre de Xangai. Apoiados pela burguesia chinesa, os expurgos anticomunistas prosseguiram pelos meses seguintes, deixando um saldo de centenas de milhares de mortes durante o chamado “Terror Branco”.
Xiang permaneceu atuando clandestinamente em Wuhan, editando panfletos e jornais do PCCh e tentando articular a resistência contra as milícias nacionalistas.
Traída por um informante, Xiang foi presa por agentes da Concessão Francesa de Hankou — um enclave colonial da França na província de Hubei. Ela foi entregue pelos franceses aos soldados de Chiang Kai-Shek em meados de abril.
Na prisão, a revolucionária foi interrogada sob tortura, mas se negou a revelar a localização de seus companheiros. Em 1º de maio de 1928, Xiang Jingyu foi fuzilada pelas forças do Kuomintang. Ela tinha 32 anos.
Xiang Jingyu foi a mais proeminente liderança feminina nos anos de formação do Partido Comunista, razão pela qual ela é referenciada como a “avó da Revolução Chinesa”. Ela pavimentou o caminho para o desenvolvimento do feminismo chinês sob uma perspectiva revolucionária e influenciou gerações de militantes da causa. Xiang foi postumamente homenageada com um monumento erguido junto à sua antiga residência no condado de Xupu.























