Virgílio Gomes da Silva: retirante, operário e mártir da luta contra a ditadura
Militante comunista coordenou ações ousadas contra o regime ditatorial, incluindo sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick
Há 92 anos, em 15 de agosto de 1933, nascia o sindicalista, militante comunista e guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva.
Natural do Rio Grande do Norte, Virgílio migrou para São Paulo ainda na juventude em busca de oportunidades. Ele trabalhou como operário da indústria química e iniciou sua atividade política no sindicato de sua categoria.
Militante do Partido Comunista, Virgílio aderiu à ALN de Carlos Marighella no fim dos anos 60, juntando-se à luta armada contra a ditadura militar. Ele foi responsável por coordenar algumas das ações mais ousadas de enfrentamento ao regime, incluindo o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick.
Em 29 de setembro de 1969, Virgílio foi capturado, torturado e assassinado por agentes da ditadura militar brasileira. Ele foi o primeiro brasileiro a desaparecer nos porões do regime após a promulgação do AI-5.
A juventude de Virgílio
Virgílio Gomes da Silva nasceu no povoado de Sítio Novo, no Sertão do Rio Grande do Norte. Ele era o primogênito dos seis filhos de Izabel e Sebastião Gomes da Silva, um casal de trabalhadores rurais dedicado à agricultura de subsistência.
Ainda criança, Virgílio se mudou com a família para o Pará, a fim de trabalhar em um seringal da Fordlândia — um enorme empreendimento criado pela companhia Ford na região de Aveiro, dedicado à produção de borracha em larga escala. Essa experiência precoce com o trabalho árduo moldou sua visão de mundo, expondo-o às duras condições impostas aos trabalhadores rurais.
Aos 11 anos, o jovem retornou para sua cidade natal acompanhando a mãe e os irmãos. O pai permaneceria no Pará com uma das irmãs e nunca mais daria notícias.
Em 1951, Virgílio, então com 17 anos, mudou-se para São Paulo em busca de trabalho. Ele passou por muitas dificuldades e chegou a dormir na rua, abrigando-se nos bancos do Largo da Concórdia. Posteriormente, conseguiu um emprego de garçom em uma pensão. Trabalhou também como balconista, telegrafista e vigia em uma fábrica da Antarctica.
Após se estabilizar, Virgílio trouxe a mãe e os irmãos para São Paulo. A família conseguiu economizar dinheiro para montar um bar. O estabelecimento foi vendido posteriormente e Virgílio se mudou com os irmãos para São Miguel Paulista, na Zona Leste de São Paulo. A mãe, incomodada com o clima da cidade, voltou para o Nordeste.
Militância no PCB e atividades sindicais
Em 1957, Virgílio começou a trabalhar como operário na Nitro Química, uma indústria do Grupo Votorantim. Nesse mesmo ano, ele se filiou ao Partido Comunista (PCB) e ingressou no movimento sindical, atuando junto ao Sindicato dos Químicos e dos Farmacêuticos de São Paulo.
Na empresa, Virgílio conheceu a operária Ilda Martins da Silva. Eles iniciaram um relacionamento amoroso e se casaram em 1960. O casal teve quatro filhos: Vlademir, Virgílio Filho, Gregório e Isabel.
Nos anos 60, Virgílio se destacaria como uma liderança sindical em ascensão. Em 1963, ele liderou uma greve que mobilizou milhares de trabalhadores, reivindicando reajuste salarial e pagamento de adicionais de insalubridade para os funcionários da Nitro Química. Em uma tentativa de expandir a paralisação para outras indústrias, ele buscou se reunir com os funcionários da Lutfalla.
Virgílio foi recebido a tiros por um dirigente ao tentar ingressar na fábrica da Lutfalla, ficando gravemente ferido. O ataque revoltou os operários, gerando um tumulto que logo evoluiu para uma confrontação aberta com a polícia. Enquanto Virgílio era levado às pressas para o hospital, os trabalhadores paralisavam a linha de produção, desarmavam os policiais e incendiavam uma viatura.
Após o confronto, preocupado com a integridade física de Virgílio, o sindicato o manteve exclusivamente ocupado em atividades internas da sua sede. A luta sindical, de toda forma, rendeu frutos. Os trabalhadores da Nitro Química receberam um aumento de 20%.

Virgílio Gomes da Silva
Comissão da Verdade do Estado de São Paulo
Do golpe de 64 à criação da ALN
Com o golpe de 1964, o movimento sindical passou a ser reprimido pelo regime. Rotulado como uma “célula comunista” que pretendia “instalar uma república sindicalista no Brasil”, o Sindicato dos Químicos e dos Farmacêuticos foi alvo de inquérito, e toda sua diretoria destituída pelos militares. Assim como vários de seus colegas, Virgílio foi preso, ficando encarcerado por quatro meses.
Tendo seu nome inserido em “listas de agitadores e subversivos”, Virgílio não conseguia mais encontrar emprego nas fábricas. Ao notar que estava sendo monitorado constantemente pelos militares, o sindicalista decidiu se exilar por um período no Uruguai.
Na volta ao Brasil, Virgílio enfrentaria uma série de divergências com seu partido. A decisão do PCB de não aderir à luta armada contra a ditadura causou descontentamento entre vários militantes da agremiação. As tensões internas chegaram ao ápice em 1967, quando o grupo de dissidentes liderado por Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira foi expulso do partido.
Perfilando-se aos dissidentes, Virgílio deixou o PCB e ingressou na Ação Libertadora Nacional (ALN). Comandada por Marighella, a ALN se consagraria com uma das organizações mais combativas da luta armada contra a ditadura.
O sequestro do embaixador
Entre o fim de 1967 e meados de 1968, Virgílio fez treinamento de guerrilha em Cuba. Após retornar ao Brasil, ele passou a compor os quadros do Grupo Tático Armado (GTA) da ALN. Utilizando o codinome “Jonas”, Virgílio atuou em diversas missões da organização.
Com o assassinato de Marco Antônio Brás de Carvalho, Virgílio assumiu a direção do GTA. Em setembro de 1969, ele seria responsável por coordenar a estratégia militar de uma das operações mais ousadas dos movimentos de resistência ao regime: o sequestro de Charles Burke Elbrick, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
A ação foi uma operação conjunta da ALN e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). O grupo interceptou o carro que transportava Elbrick em Humaitá. O embaixador foi levado para um esconderijo em Santa Teresa, onde permaneceu por três dias.
Em troca da soltura de Elbrick, os guerrilheiros exigiram a libertação de 15 presos políticos e a veiculação de um manifesto denunciando os crimes da ditadura militar nas cadeias de rádio e televisão.
O governo cedeu às exigências no dia 6 de setembro, libertando os presos e permitindo o transporte do grupo até o exílio no México. Virgílio acompanhou pessoalmente a soltura de Elbrick.
O caso teve enorme repercussão na imprensa internacional e motivou reações de indignação do governo norte-americano. Constrangida pelo episódio, a ditadura intensificou a repressão contra as organizações da luta armada, mobilizando todo o seu aparato repressivo para capturar e eliminar os membros da ALN e do MR-8.
Prisão, tortura e assassinato
Virgílio foi preso em uma emboscada armada por agentes da Operação Bandeirantes (OBAN) no centro de São Paulo, em 29 de setembro de 1969. Ele foi conduzido encapuzado até uma dependência das Forças Armadas na Vila Mariana.
No local, Virgílio foi submetido a 12 horas seguidas de tortura, incluindo pau-de-arara, choques elétricos e espancamentos. Ele não resistiu às agressões, falecendo no mesmo dia. Tinha 36 anos de idade. Momentos antes de sua morte, disse aos militares: “vocês estão matando um brasileiro”.
O irmão de Virgílio, Francisco Gomes da Silva, preso dois dias antes, testemunhou tê-lo visto preso, com as mãos algemadas atrás do corpo, sendo brutalmente espancado por um grupo de 15 homens. O laudo necroscópico, divulgado em 2004, registrava a presença de escoriações, hematomas, fraturas e afundamento craniano.
Ilda, a viúva de Vírgilio, foi presa no dia seguinte em São Sebastião. Ela ficou encarcerada por nove meses — quatro meses na própria sede do DOPS, período em que ficou incomunicável, e outros cinco meses no Presídio Tiradentes.
Três dos quatro filhos do casal também foram detidos: Vlademir (8 anos), Vírgilio Filho (7 anos) e Isabel (4 meses). As crianças foram levadas para o DOPS e posteriormente encaminhadas para o Juizado de Menores.
Libertada em meados de 1970, Ilda fugiu com os filhos para a Argentina e depois para o Chile. Em 1972, a família se fixou em Cuba, recebendo status de refugiada e auxílio do governo de Fidel Castro. Ilda somente retornou ao Brasil em 1991, dando início a uma campanha para localizar os restos mortais do marido.
Responsabilidade pelo assassinato
Virgílio foi o primeiro brasileiro a desaparecer após a edição do Ato Institucional Nº. 5 e o primeiro guerrilheiro a ter sua morte confirmada pelos agentes da ditadura militar.
Em um primeiro momento, o exército forjou uma certidão de óbito em que caracterizava sua morte como resultante de “resistência à prisão”. Depois, mudou a versão para “desaparecimento”. Registros documentais do exército revelam que Virgílio foi sepultado como indigente no Cemitério de Vila Formosa, mas seu corpo nunca foi encontrado.
Segundo o dossiê “Mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964“, publicado em 1995, os torturadores responsáveis pela morte de Virgílio teriam sido liderados pelo major Inocêncio Fabrício de Matos Beltrão e pelo major Valdir Coelho, chefes do centro de torturas da OBAN.
O dossiê também responsabiliza os capitães Benone de Arruda Albernaz, Dalmo Lúcio Muniz Cirillo, Maurício Lopes Lima, Homero Cesar Machado, o delegado Otávio Gonçalves Moreira Júnior, o sargento da PM Paulo Bordini, os policiais Maurício de Freitas (vulgo “Lungaretti”) e Paulo Rosa (vulgo “Paulo Bexiga”), além de um “capitão Tomás”, da PM, e do “agente Américo”, da Polícia Federal.
Até hoje, nenhum dos assassinos foi punido. Virgílio Gomes da Silva foi postumamente homenageado com a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida em 1988 pelo Grupo Tortura Nunca Mais. Ele também recebeu o título honorário de “cidadão paulistano” outorgado pela Câmara Municipal de São Paulo em agosto de 2011.
O guerrilheiro foi interpretado por Matheus Nachtergaele no filme “O Que É Isso, Companheiro?“, de Bruno Barreto. Sua representação como um homem violento, desequilibrado e agressivo ofendeu a família, que processou a produtora. Franklin Martins, que conviveu com o guerrilheiro, também desmentiu o filme, descrevendo Virgílio como uma pessoa tranquila, alegre e serena.
O filme “Marighella“, de Wagner Moura, trouxe uma representação mais fidedigna da personalidade de Virgílio, retratado como o personagem “Jorge” e interpretado por Jorge Paz. Virgílio também foi tema do documentário “A Torre“, de Nádia Mangolini.























