Stepan Bandera: um colaborador nazista transformado em herói ucraniano
Comandante da Organização dos Nacionalistas Ucranianos é glorificado por múltiplos monumentos e memoriais espalhados por toda a Ucrânia
Há 66 anos, em 15 de outubro de 1959, Stepan Bandera era executado em Munique. O líder ultranacionalista ucraniano foi morto por Bohdan Stashynsky, um agente soviético da KGB, utilizando uma pistola de pulverização de cianeto.
Comandante da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), Stepan Bandera foi um dos principais colaboradores da Alemanha nazista, tendo sido responsável por conduzir diversas atrocidades e crimes de guerra, incluindo o extermínio de judeus ucranianos nos pogroms de Lviv e o massacre dos poloneses de Galícia e Volínia.
As matanças conduzidas pela OUN ceifaram mais de 150.000 vidas durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar disso, Bandera não foi punido por seus crimes. Ao contrário: ele recebeu proteção e financiamento dos governos do Reino Unido e dos Estados Unidos, colaborando com a CIA e com o MI6 na organização de atividades anticomunistas.
Ao longo das últimas décadas, Stepan Bandera tem sido reabilitado como um herói nacional ucraniano. Desde o Euromaidan e da ascensão da extrema-direita na Ucrânia, ele passou a ser cultuado e homenageado por centenas de monumentos e memoriais espalhados por todo o país.
Quem foi Stepan Bandera
Stepan Bandera nasceu em 1º de janeiro de 1909 em Staryi Uhryniv, na região da Galícia, então parte do Império Austro-Húngaro. Ele era filho de Andriy Bandera, padre da Igreja Greco-Católica Ucraniana e membro da Rada Central Ucraniana — uma organização conservadora que tentou estabelecer um governo autônomo na Ucrânia após a Revolução Russa de 1917.
Seguindo os passos do pai, Bandera iniciou sua atividade política ainda na juventude, militando em diversas organizações nacionalistas. Em 1929, ele ingressou na recém-fundada Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN), uma entidade paramilitar criada em Viena por veteranos da Guerra Civil Ucraniana, nomeadamente Yevhen Konovalets.
A OUN era uma organização de extrema-direita que reivindicava a criação de um Estado ucraniano independente, formado através da junção das regiões ucranianas integradas aos territórios da Polônia (Galícia e Volínia) e da União Soviética (Ucrânia Oriental).
Os militantes da OUN rechaçavam veementemente as ideias marxistas e a natureza socialista da República Soviética da Ucrânia. Ao longo dos anos 30, a OUN desenvolveria uma ideologia fascista inspirada no integralismo de Dmytro Dontsov, pregando uma nação ucraniana “racialmente pura” e a instauração de um regime de “limpeza étnica” para “libertar o país” das influências estrangeiras.
O discurso da organização, profundamente reacionário, racista e anticomunista desde sua origem, foi aos poucos adotando também a retórica antissemita, emulando a narrativa nazista em ascensão na Alemanha.
Bandera se consolidou rapidamente como um dos principais dirigentes da OUN. Em 1931, ele se tornou chefe do setor de propaganda da organização e, em 1933, assumiu o comando da OUN na região da Galícia. Sob sua liderança, a organização intensificou as ações terroristas contra as autoridades polonesas, incluindo boicotes, sabotagens e assassinatos.
Um dos atos mais notórios da OUN foi o assassinato do Ministro do Interior da Polônia, Bronislaw Pieracki, executado por ordens de Bandera em junho de 1934.
O atentado foi seguido de uma repressão severa contra os nacionalistas ucranianos. Bandera foi preso e condenado à morte, mas teve sua sentença comutada em prisão perpétua. Ele passou os anos seguintes na prisão de Wronki, de onde prosseguiu participando da articulação política da OUN.
Colaboração com o regime nazista
Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a invasão da Polônia pela Alemanha, Bandera, conhecido por suas ideias antissemitas e anticomunistas, foi libertado da prisão pelos nazistas. Ele passou a frequentar os círculos do oficialato alemão e a prestar apoio às tropas nazistas através da criação de grupos expedicionários.
Estabelecido na Cracóvia, Bandera se ocupou da reorganização da OUN. Em 1940, a organização, dividida desde o assassinato de Yevhen Konovalets, passou por uma cisão. Andriy Melnyk se tornou o líder da OUN-M, a ala mais moderada, ao passo que Bandera assumiu o comando da OUN-B, a facção abertamente fascista.
Ligado à Gestapo e à Abwehr, Bandera fundou os batalhões de Nachtigall e Roland — grupos paramilitares subordinados aos nazistas — e lançou as bases para criação do Exército Insurgente da Ucrânia (UPA), o braço armado da OUN.
Em junho de 1941, após o início da Operação Barbarossa e a subsequente invasão da República Soviética da Ucrânia pela Alemanha nazista, Bandera tentou articular a fundação de um Estado ucraniano unificado, comprometendo-se a torná-lo uma nação vassala do Terceiro Reich, “sob a liderança de Adolf Hitler”, a quem atribuiu a responsabilidade pela “libertação do povo ucraniano da ocupação moscovita”.
O regime nazista, entretanto, enxergava os ucranianos como uma “sub-raça” e rejeitava frontalmente qualquer possibilidade de autonomia política. Incomodados com a retórica independentista de Bandera, os alemães ordenaram sua prisão domiciliar. Posteriormente, Bandera foi encarcerado no campo de concentração de Sachsenhausen.
Mais tarde, com a reação soviética ganhando força desde a Batalha de Stalingrado, os oficiais alemães decidiram libertar Bandera, julgando que o ucraniano poderia ajudar a articular operações paramilitares e atos de sabotagem contra o Exército Vermelho.
Bandera tornou-se então um dos principais colaboradores nazistas, recrutando nacionalistas ucranianos para os batalhões da OUN/UPA e engrossando o efetivo das operações militares conduzidas pela Wehrmacht.

Monumento em homenagem a Stepan Bandera em Lviv, Ucrânia
Wikimedia Commons
Atrocidades e crimes de guerra
O pensamento ultranacionalista de Bandera e seus seguidores era, na prática, uma adaptação do ideário nazista. A OUN defendia a eugenia como instrumento de criação de uma “raça ucraniana pura”, argumentava em favor da subjugação de russos e poloneses e defendia um discurso profundamente antissemita e anticomunista.
Bandera compartilhava a ideia de que os judeus haviam inventado o comunismo para “destruir a civilização, as tradições familiares e os valores cristãos”. O programa da OUN preconizava que “russos, poloneses e judeus hostis devem ser eliminados” e defendia ações como a deportação, desapropriação das terras e erradicação da cultura das etnias consideradas “inferiores”.
Ao lado das tropas nazistas, a Organização dos Nacionalistas Ucranianos conduziu diversos massacres e atrocidades durante a Segunda Guerra Mundial. A organização participou do massacre dos poloneses de Volínia e da Galícia, que resultaram na morte de mais de 130 mil pessoas, parte substancial das quais eram mulheres, crianças e idosos.
A OUN também coordenou os chamados pogroms de Lviv — série de massacres cometidos contra a comunidade judaica ucraniana. Os judeus eram torturados, espancados e humilhados publicamente. As mulheres eram despidas à força e submetidas à violência sexual.
Cerca de 35.000 judeus morreram durante os pogroms da OUN e outros milhares foram deportados para campos de extermínio. Estima-se que cerca de um milhão de judeus ucranianos foram mortos pelos nazistas e colaboradores ao longo da Segunda Guerra Mundial.
Outros crimes da OUN incluem a participação de combatentes banderistas em campos de extermínio nazistas, onde treinavam guardas que atuariam em locais como Belzec e Sobibor — os chamados “Trawniki”. Após 1944, a OUN/UPA deu sequência à guerrilha contra os soviéticos, matando milhares de civis ucranianos acusados de “traição” e “colaboração com o comunismo”.
Morte, reabilitação e heroicização
Após a derrota da Alemanha nazista e o fim da Segunda Guerra Mundial, Bandera fugiu para a Baviera, estabelecendo-se em Munique sob o pseudônimo de Stefan Popel. O ucraniano jamais foi responsabilizado pelos crimes de guerra e atrocidades cometidas durante a guerra. Ao contrário. Bandera foi protegido e recebeu apoio dos governos ocidentais para reconstruir a OUN-B no exílio.
Visto como um ativo estratégico na luta contra a União Soviética durante a Guerra Fria, o líder ucraniano passou a receber financiamento para coordenar atividades anticomunistas. A OUN foi convertida em uma organização associada ao MI6, o serviço secreto do Reino Unido, recebendo repasses generosos do governo britânico.
Um dos grupos derivados da OUN, liderado por Mykola Lebed, braço direito de Bandera e sádico colaborador do genocídio nazista, se tornaria uma organização parceira da CIA. Também surgiu na OUN o Bloco das Nações Antibolcheviques, uma das mais influentes organizações anticomunistas do Leste Europeu.
Ciente de que Bandera havia se tornado um dos principais articuladores do movimento anticomunista global, o governo da União Soviética fez planos para eliminá-lo. Em 15 de outubro de 1959, Bandera foi executado através de envenenamento pelo agente soviético Bohdan Stashynsky, alegadamente seguindo ordens de Nikita Kruschev.
Com a dissolução da União Soviética e o fortalecimento da extrema-direita ucraniana após a chamada Revolução Laranja de 2004, o reconhecimento da figura de Stepan Bandera como “herói nacional” e “pioneiro da libertação ucraniana” tornou-se uma reivindicação frequente dos ultranacionalistas.
Em 2010, o presidente ucraniano Viktor Yushchenko chegou a conceder o título de “Herói Nacional” a Stepan Bandera. O título foi revogado pelo sucessor de Yushchenko, Viktor Yanukovich. Não obstante, o golpe de 2014, que derrubou Yanukovich e consolidou a ascensão da extrema-direita do Euromaidan, abriu caminho para a heroicização de Stepan Bandera e de diversos outros colaboradores nazistas.
O líder da OUN ganhou monumentos, museus e placas decorativas espalhados por centenas de cidades e emprestou seu nome para logradouros e instituições culturais. Também teve sua trajetória exaltada por filmes e documentários financiados com dinheiro público. Marchas anuais com tochas em 1º de janeiro, aniversário de Bandera, reúnem milhares de pessoas em Kiev.
A heroicização de Bandera está apoiada por um processo de revisionismo histórico. O governo ucraniano determinou a intervenção nos livros escolares e censura editorial, ordenando a remoção de conteúdos didáticos que mencionassem os vínculos entre Stepan Bandera e o genocídio de poloneses, judeus e soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial.























