Segredos do Império: Fort Detrick e as armas químicas dos Estados Unidos
Local foi convertido em um centro de pesquisa de guerra biológica, CIA colaborou com técnicas de lavagem cerebral e controle mental
Há 94 anos, em meados de agosto de 1931, era inaugurado Fort Detrick. Localizado em Frederick, Maryland, o forte serve de sede ao programa de armas biológicas dos Estados Unidos.
Fort Detrick armazena amostras dos patógenos e toxinas mais perigosos conhecidos pela humanidade, incluindo ebola, varíola, SARS e antraz. Os laboratórios bioquímicos do local também conservam dados dos experimentos humanos conduzidos pelos pesquisadores japoneses da Unidade 731 e pelos médicos e cientistas da Alemanha nazista.
O local abrigou alguns dos experimentos científicos mais antiéticos do pós-guerra, incluindo o Projeto MK Ultra, e ajudou a criar diversas armas químicas, nomeadamente o “Agente Laranja”.
Da Unidade 731 para Maryland
A princípio, Fort Detrick foi inaugurado como uma base aérea. Durante a Segunda Guerra Mundial, o local foi convertido em um centro de pesquisa de guerra biológica e entregue à gestão do Serviço de Guerra Química do Exército, sendo supervisionado pelo empresário George Merck, proprietário da farmacêutica Merck & Co., e pelo bacteriologista Ira Baldwin.
Milhares de bombas contendo esporos de antraz foram produzidas em Forte Detrick durante a década de 1940. Após o fim da guerra, no contexto da Operação Paperclip, a unidade empregou um grande contingente de cientistas alemães que participaram dos experimentos nos campos de extermínio nazistas, incluindo Walter Schreiber, Erich Traub e Kurt Blome. A operação visava reaproveitar os quadros científicos do Terceiro Reich no desenvolvimento de projetos militares norte-americanos, garantindo impunibilidade aos pesquisadores ligados às atrocidades do regime nazista.
Fort Detrick também incorporou dados provenientes das pesquisas realizadas pela infame Unidade 731 — centro de pesquisa secreto administrado pelo Exército Imperial do Japão, responsável por conduzir experiências horrendas contra civis chineses e soldados aliados durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo o uso de bactérias, gás venenoso, câmaras de pressão, vivissecções, etc.
Estima-se que até 8 mil cobaias humanas tenham morrido durante as experiências realizadas pela Unidade 731. A unidade também foi responsável por comandar a guerra bacteriológica contra as províncias orientais e meridionais da China, matando dezenas de milhares de civis.
Após a rendição do Japão, os Estados Unidos ofereceram um acordo de colaboração aos cientistas da unidade, comprometendo-se a não processá-los por crimes de guerra nos Julgamentos de Tóquio. Em troca, os japoneses repassariam documentos e registros das experiências aos norte-americanos. O diretor da Unidade 731, Ishii Shiro, ganhou um cargo como consultor de armas biológicas do Pentágono.
Armas bacteriológicas
A incorporação dos dados das pesquisas e a colaboração dos quadros provenientes do Eixo possibilitaram o avanço do programa de armas biológicas dos Estados Unidos. As armas bacteriológicas criadas pelo Japão foram aperfeiçoadas em Fort Detrick, levando ao desenvolvimento das bombas bacterianas que os Estados Unidos utilizaram para atacar a Coreia do Norte e as províncias setentrionais da China na década de 1950, causando surtos de peste e cólera.
Funcionários do laboratório também conduziram experimentos de guerra bacteriológica com prisioneiros da Ilha de Geojedo, na Coreia do Sul. Foi igualmente no Laboratório de Armas Bioquímicas de Fort Detrick que foi desenvolvido o “Agente Laranja” — desfolhante químico devastador empregado durante a Guerra do Vietnã, que vitimou quase 5 milhões de vietnamitas e causa sequelas graves até os dias de hoje.

A entrada de Fort Detrick, fotografada por Clem Gaines.
Wikimeda Commons
Fort Detrick também foi responsável por realizar experimentos de guerra biológica nos Estados Unidos, usando civis como cobaias. Nos anos 50, a unidade militar lançou a Operação Whitecoat, que infectou deliberadamente jovens ligados à Igreja Adventista do Sétimo Dia e voluntários do serviço médico com a bactéria causadora da tularemia, ou febre do coelho.
Nos anos sessenta, pesquisadores ligados à instituição infectaram passageiros do metrô de Nova York com esporos da bactéria “Bacillus globigii”. Em 1969, em um projeto realizado em colaboração com a CIA, Fort Detrick recebeu uma subvenção milionária para desenvolver, no prazo de 5 a 10 anos, um agente biológico sintético para o qual não existisse imunidade natural, visando o uso como arma biológica.
Fort Detrick também colaborou com as pesquisas sobre as chamadas “armas étnicas”, isso é, o desenvolvimento de técnicas de biologia molecular que tivessem como foco grupos étnicos específicos, baseando-se em diferenças genéticas e variações no DNA.
MK Ultra
A CIA também colaborou com os pesquisadores de Fort Detrick durante o Projeto MK Ultra. Idealizado por Sidney Gottlieb e supervisionado por Allen Dulles, o projeto visava aperfeiçoar técnicas de lavagem cerebral e controle mental, pesquisar substâncias incapacitantes e materiais biológicos, químicos e radioativos aptos a produzir mudanças comportamentais e fisiológicas nos indivíduos.
O projeto teve como inspiração experiências realizadas pelos nazistas no campo de concentração de Dachau. Ao longo de duas décadas, o MK Ultra manteve ao menos 149 linhas de pesquisa, boa parte das quais financiadas pela Fundação Rockefeller. As cobaias humanas eram geralmente portadores de problemas mentais, prisioneiros, prostitutas, dependentes químicos e outras pessoas consideras “descartáveis” ou incapazes de revidar, incluindo crianças.
Em termos gerais, as experiências conduzidas pelo Projeto MK Ultra envolviam a necessidade de solapar a resistência física e psicológica das cobaias, drogando-as com medicamentos psicoativos, sobretudo LSD. As torturas físicas incluíam choques elétricos, exposição a temperaturas extremas, afogamento, indução de paralisia, incapacitação, isolamento cognitivo, abusos sexuais, etc.
Algumas técnicas de tortura desenvolvidas pelo MK Ultra foram incorporadas aos Manuais KUBARK, produzidos pela Escola das Américas e compartilhados com as ditaduras militares latino-americanas. Outras continuam em uso até hoje nas prisões de Guantánamo e Abu Ghraib.
Entre as vítimas fatais do projeto, está o bacteriologista Frank Olson, que alegadamente teria morrido ao pular de uma janela após receber doses excessivas de LSD. A família de Olson contesta o relato oficial e acredita que o cientista foi assassinado após ameaçar divulgar informações sensíveis para a imprensa.
Outras vítimas do Projeto MK Ultra tornaram-se famosas por envolvimentos em crimes após passarem por procedimentos de lavagem cerebral. É o caso de Theodore Kaczynski (Unabomber), James J. Bulger, Sirhan Sirhan, Lawrence Teeter e Jimmy Shaver, entre outros.
Antraz e Covid-19
Em 2008, Bruce Edwards Ivins, um dos cientistas de Fort Detrick, foi identificado como o responsável por realizar os ataques com envelopes contaminados com antraz, que haviam infectado 22 pessoas e matado outras cinco em 2001.
Os ataques serviram de justificativa para que a Casa Branca restringisse os direitos civis e recrudescesse a chamada “Guerra ao Terror”. Irvin apareceu morto pouco tempo após ser divulgado como o perpetrador do incidente, alegadamente vitimado por uma overdose de paracetamol e codeína.
Em meados de 2019, Fort Detrick foi fechado por ordem do Centro para Controle e Prevenção das Doenças (CDC) dos Estados Unidos, após a detecção de violações das normas de segurança e vazamento de material biológico. Pouco tempo depois, o estado de Maryland, onde se localiza a instituição, foi afetado por uma pneumonia de origem desconhecida. Em paralelo, os Estados Unidos testemunharam um aumento sem precedentes de epidemias de influenza em todo o país, além de um surto de doenças respiratórias atribuídas ao uso de cigarros eletrônicos.
A coincidência entre o vazamento nos laboratórios de Fort Detrick e o surto de doenças respiratórias nos Estados Unidos em 2019 fortalecem as suspeitas de que a instituição estaria ligada à pandemia de Covid-19. Representantes de governos, instituições independentes e pesquisadores internacionais solicitaram uma investigação formal ao laboratório, que foi recusada pelo governo dos Estados Unidos.
Um relatório publicado pelo National Institute of Health em junho de 2021, com base em 24 mil amostras de sangue, confirmou que ao menos nove norte-americanos sem histórico de visitas ao exterior já possuíam anticorpos para o novo coronavírus em dezembro de 2019, um mês antes do surgimento da epidemia em Wuhan, na China.
Reportagens publicadas pelo “Palm Beach Post” e pelo “USA Today” também indicavam a existência de 171 pessoas infectadas na Flórida em dezembro de 2019. Desses, 103 nunca haviam viajado para outros países.
Além de Fort Detrick, os Estados Unidos possuem outros 200 laboratórios biológicos de uso militar e civil espalhados pelo mundo, muitos dos quais suspeitos de serem utilizados para o desenvolvimento de armas biológicas.























