Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 188 anos, em 6 de novembro de 1837, eclodia na Bahia a revolta conhecida como Sabinada, um dos principais levantes ocorridos durante o Período Regencial.

Nomeada em referência ao seu principal líder, o médico Francisco Sabino, a revolta consistia em um movimento autonomista de caráter transitório, que deveria durar até o herdeiro da coroa, Dom Pedro II, assumir o trono.

Após derrubarem o presidente da província, os insurgentes proclamaram a República Baiana. O movimento se estendeu por quatro meses, mas não conseguiu obter apoio das camadas populares — sobretudo pela recusa de seus líderes em apoiar a abolição da escravidão.

Os conflitos do Período Regencial

A abdicação de Dom Pedro I ao trono imperial em abril de 1831 marcou o início de um dos períodos mais turbulentos da história do Brasil. O herdeiro do trono, Dom Pedro II, tinha apenas cinco anos de idade. Assim, de 1831 até 1840, o país seria governado por regentes escolhidos pelo Parlamento.

O vácuo de poder durante o Período Regencial intensificou as disputas entre as facções majoritárias e agravou as divisões políticas, sociais e regionais. As instituições do Império ainda eram muito frágeis, havia pouca coesão entre as províncias e os interesses das elites locais frequentemente iam de encontro às determinações da classe dirigente, então concentrada no Rio de Janeiro.

Os governos das províncias passaram a exigir mais autonomia e os movimentos em prol do federalismo e do regime republicano ganharam força. Visando aplacar a insatisfação, o governo regencial limitou o Poder Moderador e promulgou o Ato Adicional de 1834, concedendo mais autonomia às províncias.

As concessões não bastaram. As disputas entre as correntes políticas, a insatisfação popular com a crise econômica e o descontentamento das elites regionais seguiram estimulando novos conflitos, incluindo a Cabanagem no Pará, a Cabanada em Pernambuco, a Balaiada no Maranhão e a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul.

Incapaz de conter as insurreições que eclodiam por todo o Império, o regente Diogo Antônio Feijó foi forçado a renunciar ao cargo. Ele seria sucedido por Pedro de Araújo Lima, responsável por implementar o chamado “Regresso Conservador” — uma tentativa de reverter as reformas liberais e ampliar o controle do governo central sobre as províncias.

A crise política na Bahia

Na Bahia, então a segunda província mais populosa do Império, havia grande insatisfação com o governo regencial. A província era caracterizada por uma tradição política libertária, tendo servido de cenário para uma série de insurreições e levantes. A Bahia foi também um dos epicentros do movimento pela emancipação nacional e o principal teatro de batalhas durante a Guerra de Independência.

Desde 1831, a Bahia registrava a eclosão de movimentos federalistas, criticando a concentração de poder no Rio de Janeiro e a negligência do governo imperial em relação às necessidades das províncias. A forte presença de portugueses no comércio varejista e em cargos administrativos e militares do Império gerava enorme ressentimento e desconfiança.

Militares negros baianos também se sentiam lesados pela decisão da regência de extinguir os batalhões de milícias. Esses grupamentos foram substituídos pela Guarda Nacional, que reservava os cargos de oficiais apenas a militares brancos. Aos negros, restava o recrutamento obrigatório sempre que o Império necessitava de soldados para combater os levantes que se multiplicavam pelo país.

Havia, por fim, a questão econômica. A economia baiana, muito dependente da exportação do açúcar e do tabaco, sofria com a concorrência de novos centros produtores. Estiagens recentes tinham prejudicado a oferta de alimentos, resultando no aumento dos preços. E a crescente presença de moedas falsas em circulação contribuía para a instabilidade econômica.

Salvador em meados do século 19. Pintor anônimo, Pinacoteca de São Paulo
Wikimedia Commons

O movimento insurgente

O descontentamento com o governo regencial levou à formação de um movimento insurrecional na Bahia. Inspirado nas ideias liberais, republicanas e federativas, um grupo de rebeldes lançou uma campanha que propunha uma reorganização política baseada na soberania provincial e na ampliação das liberdades civis.

A campanha foi difundida através de reuniões, artigos na imprensa e distribuição de panfletos. O movimento agregou sobretudo as camadas médias de Salvador: médicos, advogados, jornalistas, comerciantes, escrivães, funcionários públicos, militares e profissionais liberais em geral. Eles iniciaram os procedimentos para lançar uma revolta armada, recebendo forte apoio da maçonaria.

O movimento também foi influenciado pela Guerra dos Farrapos. Após ser capturado pelas tropas do Império, o líder farroupilha Bento Gonçalves foi aprisionado no Forte do Mar (atual Forte São Marcelo), em Salvador. O revolucionário gaúcho conseguiu fugir com ajuda de maçons baianos — e o seu exemplo inspirou os insurgentes à ação.

O levante ficou conhecido pelo nome de “Sabinada”, em referência ao seu principal líder, o médico Francisco Sabino. Também se destacaram como lideranças o advogado João Carneiro da Silva Rego, deputado da Assembleia Provincial, e o militar Daniel Gomes de Freitas, um veterano da Guerra de Independência e partícipe da Revolução Federalista de Guanais.

A Sabinada

O levante teve início na noite de 6 de novembro de 1837, quando os militares se amotinaram e tomaram o Forte de São Pedro, em Salvador. Os soldados estavam indignados com mais um recrutamento obrigatório imposto pelo Império, que agora pretendia enviá-los para combater os rebeldes farroupilhas no Rio Grande do Sul.

Ainda durante a madrugada, os militares rebelados iniciaram a tomada dos prédios públicos. No dia 7 de novembro de 1837, as tropas insurgentes de Francisco Sabino e João Carneiro tomaram a Câmara Municipal de Salvador e proclamaram a República Baiana, descrevendo-a como “inteira e perfeitamente desligada do governo central do Rio de Janeiro”.

A república, no entanto, deveria ser provisória. Em uma emenda aprovada no dia 11 de novembro, os rebeldes explicavam que o regime republicano seria dissolvido e a Bahia seria reintegrada ao Império do Brasil depois que o príncipe herdeiro, Pedro de Alcântara, assumisse o trono.

As diferenças entre as atas denotam as divisões no interior do movimento. Francisco Sabino era partidário do separatismo e do regime republicano, mas acabou sendo levado a atenuar suas proposições diante da resistência de Carneiro, um federalista moderado e defensor da união nacional.

Francisco de Sousa Paraíso, o governante da província, foi deposto pelos rebeldes e forçado a se refugiar em Cachoeira, na região do Recôncavo Baiano. Os revolucionários indicaram Inocêncio da Rocha Galvão como presidente da República Baiana. A nomeação era simbólica, já que Inocêncio estava exilado nos Estados Unidos desde 1820.

João Carneiro foi indicado como vice-presidente. Sabino assumiu o cargo de Secretário de Governo. Daniel Gomes de Freitas foi nomeado Ministro da Guerra e Manoel Pedro de Freitas Guimarães assumiu o comando da Marinha.

Controlando os arsenais e beneficiados pelo apoio dos militares, os rebeldes sabinos conseguiram manter Salvador sob seu controle por quatro meses. O movimento, no entanto, não conseguiu mobilizar as camadas populares e ficaria restrito à capital da Bahia, sem reflexos significativos no interior da província. Temendo a repressão do governo, a população começou a deixar a cidade.

O desinteresse das classes populares decorria do fato de que rebeldes não pretendiam fazer mudanças significativas na estrutura socioeconômica da Bahia. Ansiando pelo apoio da elite rural, os insurgentes haviam se comprometido a conservar os latifúndios e manter a escravidão. Assim, a maior parte das pessoas não via sentido na revolta — sobretudo os escravizados, que eram quase metade da população.

Mesmo com todas as concessões, os sabinos não conseguiram apoio dos senhores de engenho. Ao contrário, sofreram forte oposição dos latifundiários, que formaram suas próprias milícias para atacar o movimento.

A repressão

As primeiras incursões enviadas para confrontar os sabinos eram pequenas e foram facilmente derrotadas. Alguns soldados mobilizados nessas operações acabaram por se juntar aos rebeldes, atraídos pela promessa de soldos mais justos.

Em março de 1838, no entanto, o governo imperial organizou uma grande expedição para esmagar o levante. Apoiados pelas milícias de latifundiários, os soldados da Guarda Nacional iniciaram um cerco terrestre e marítimo a Salvador. As tentativas de romper o bloqueio fracassaram e os alimentos logo começaram a se tornar escassos. Os saques ao comércio se multiplicaram e a situação na cidade logo fugiu do controle.

Cientes de que a invasão era iminente, os sabinos tentaram cooptar apoio dos cativos. Prometeram liberdade aos que lutassem ao lado dos insurgentes, mas a medida só se aplicaria aos que tivessem nascido no Brasil — excluindo mais de 60% dos escravizados, que eram nascidos na África.

Em 13 de março, as tropas regenciais invadiram Salvador. Comandada por Crisóstomo Calado, a ofensiva foi marcada pela violência. Os insurgentes foram massacrados e bairros inteiros foram incendiados. O levante chegou ao fim em 16 de março de 1838, quando os últimos núcleos rebeldes foram capturados.

As estimativas apontam que mais de 1.800 pessoas foram mortas durante a repressão à Sabinada. Cerca de 3.000 pessoas foram presas. Doze militares e seis líderes civis seriam condenados à morte nos julgamentos subsequentes, mas acabaram por receber anistia do governo imperial em 1840, tendo as penas comutadas por degredo dentro do território nacional.

Francisco Sabino se mudaria para o Mato Grosso, permanecendo refugiado na Fazenda Jacobina até sua morte. Outros líderes como Daniel Gomes de Freitas e Francisco José da Rocha partiram para o Rio Grande do Sul, onde se juntaram ao movimento dos farroupilhas.