O legado de Eric Hobsbawm, historiador das lutas sociais
Um dos maiores intelectuais do século 20 deixou obras para a compreensão dos processos que moldaram o mundo contemporâneo
Há 13 anos, em 1º de outubro de 2012, falecia o historiador marxista Eric Hobsbawm. Considerado um dos maiores intelectuais do século 20, ele deixou obras fundamentais para a compreensão dos processos que moldaram o mundo contemporâneo.
Sua contribuição mais aclamada é a monumental tetralogia sobre os séculos 19 e 20, composta pelos volumes A Era das Revoluções, A Era do Capital, A Era dos Impérios e A Era dos Extremos, abordando o período que vai da consolidação do capitalismo até a dissolução da União Soviética.
Hobsbawm também produziu trabalhos de referência no campo da história social, abrangendo tópicos como as insurreições camponesas e o movimento operário. Foi militante do Partido Comunista da Grã-Bretanha e se engajou ativamente nos grandes debates sobre os rumos da esquerda no século 20.
Da juventude à Segunda Guerra Mundial
Eric John Ernest Hobsbawm nasceu em 9 de junho de 1917 na cidade de Alexandria, no Egito, à época um protetorado do Império Britânico. Descendia de uma família de judeus seculares, filho da austríaca Nelly Grün e do britânico Percy Hobsbaum, um comerciante de ascendência polonesa.
A família se mudou para Viena em 1919. Na cidade, passaram anos difíceis, amargando os efeitos da crise econômica em que a Áustria mergulhou após a Primeira Guerra Mundial. Em 1929, aos 12 anos, Hobsbawm perdeu seu pai, o que o forçou a trabalhar para ajudar no sustento da casa. Dois anos depois, em 1931, sua mãe faleceu de tuberculose.
Órfãos, Hobsbawm e a irmã mais nova, Nancy, ficaram sob a tutela dos tios Gretl e Sidney. Eles se mudaram com os tutores para Berlim, onde testemunharam de perto o colapso da República de Weimar e a ascensão do nazismo.
Na capital alemã, Hobsbawm estudou no Prinz-Heinrichs-Gymnasium e teve seus primeiros contatos com o marxismo. Ainda adolescente, ele se uniu à Associação de Alunos Socialistas e se dedicou à leitura das principais obras de Karl Marx.
Em 1933, com a chegada de Hitler ao poder e a crescente perseguição antissemita na Alemanha, a família decidiu se mudar para Londres. Hobsbawm deu continuidade aos estudos na St. Marylebone Grammar School, onde se destacou por seu desempenho escolar.
Agraciado com uma bolsa de estudos, Hobsbawm ingressou no curso de história do King’s College, na Universidade de Cambridge, em 1936. Graduou-se com a mais alta distinção e foi convidado a integrar o grupo dos Apóstolos de Cambridge — uma sociedade intelectual que congregava os mais eminentes alunos da instituição. Concluiu o mestrado pela mesma universidade em 1942.
Ainda em 1936, Hobsbawm ingressou no Clube Socialista de Cambridge, filiando-se em seguida ao Partido Comunista da Grã-Bretanha (CPGB). Ele ajudou a organizar manifestações em apoio às forças republicanas durante a Guerra Civil Espanhola e a denunciar os riscos representados pela ascensão dos grupos fascistas.
Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm se ofereceu como voluntário ao Exército Britânico. Ele atuou no Corpo de Engenheiros Reais e no Corpo Educacional do Exército, mas foi impedido de servir fora do país em função de sua filiação ao Partido Comunista.
Sua defesa enfática em prol da abertura de uma nova frente de combate aos nazistas incomodou as autoridades britânicas. A partir de 1942, Hobsbawm passaria a ser monitorado permanentemente pelo MI5, o serviço secreto do Reino Unido.
O jovem historiador atuou sobretudo na região Ânglia Oriental, ajudando a reforçar as defesas e a construir trincheiras e fossos. Em 1943, Hobsbawm se casou com Muriel Seaman, sua primeira esposa.
Contribuições acadêmicas no pós-guerra
Terminada a Segunda Guerra Mundial, Hobsbawm enfrentou sérios obstáculos profissionais em função de seus vínculos partidários. Com a ascensão da Guerra Fria, o Reino Unido mergulhou em um período fortemente marcado pelo anticomunismo, evocando a era macarthista dos Estados Unidos.
Em 1945, o historiador chegou a ser nomeado para liderar um projeto educacional na BBC, mas teve sua contratação vetada pelo MI5, sob a justificativa de que poderia se utilizar da função para “disseminar propaganda comunista”.
No ano seguinte, Hobsbawm ajudou a fundar o Grupo de Historiadores do Partido Comunista, onde atuou ao lado de nomes como Christopher Hill, Edward Palmer Thompson, Rodney Hilton e John Saville. A agremiação foi a percursora da Sociedade de História Socialista, onde Hobsbawm exerceria o cargo de presidente. Ele também foi cofundador da revista “Past & Present”, que se tornaria um dos periódicos mais influentes no campo da história social.
Hobsbawm iniciou sua carreira como professor em 1947, lecionando no Birkbeck College da Universidade de Londres. Ele trabalhou por décadas nessa instituição, onde chegou a se aposentar como professor emérito. Sua primeira promoção, no entanto, só ocorreria em 1970, a despeito de seu brilhantismo e de suas importantes contribuições acadêmicas.
Em 1948, Hobsbawm publicou seu primeiro livro, Labour’s Turning Point, analisando documentos da era fabiana. Três anos depois, obteve seu doutorado pela Universidade de Cambridge, redigindo uma tese sobre a Sociedade Fabiana.
Ao longo dos anos 50, Hobsbawm se dedicou a estudar a história dos movimentos sociais e do trabalhismo britânico. Também atuou como pesquisador no King’s College e escreveu artigos sobre jazz e música popular para a revista New Statesman — um tema que seria posteriormente aprofundado no livro História Social do Jazz. Em 1959, publicou Rebeldes Primitivos, um estudo inovador sobre as formas pré-modernas de resistência social.
Após o término do primeiro casamento com Muriel, Hobsbawm teve um breve relacionamento que resultou no nascimento de seu primeiro filho, Joss Bennathan. Em 1962, ele se casou novamente, unindo-se a Marlene Schwarz, sua companheira pelo resto da vida. O casal se mudou para uma casa no País de Gales e teve dois filhos, Andy e Julia.

Historiador marxista Eric Hobsbawm, considerado um dos maiores intelectuais do século 20
Agência Efe (28/01/2008)
A Tetralogia das Eras
Na década de 1960, Hobsbawm atuou como professor visitante da Universidade de Stanford, ampliando sua influência nos círculos acadêmicos norte-americanos. Ele seguiu produzindo importantes trabalhos no campo da história social e em 1964 publicou Os Trabalhadores, um compilado de artigos versando sobre a trajetória do movimento operário entre o fim do século 18 e a Primeira Guerra Mundial.
Em 1962, Hobsbawm publicou A Era das Revoluções, o primeiro volume da célebre tetralogia que o consagraria como um dos maiores historiadores do século 20. Na obra, o autor explica como a Revolução Francesa e a Revolução Industrial serviram como “motores da modernidade”, consolidando a transição da sociedade feudal para o capitalismo liberal.
No segundo volume da série, A Era do Capital, publicado em 1975, Hobsbawm aborda a consolidação do capitalismo global, analisando o período que vai da Primavera dos Povos, em 1848, até a Longa Depressão de 1875, marcado pelo avanço da industrialização e do comércio global e pelo fortalecimento das ideias liberais.
Em 1987, Hobsbawm lançou A Era dos Impérios, terceiro volume da série. No livro, o autor aborda o período que vai da Longa Depressão até a Primeira Guerra Mundial, examinando o papel do imperialismo na intensificação das tensões e dos conflitos globais, que levariam à crise da ordem liberal.
A Era dos Extremos, o último volume da tetralogia, foi publicado em 1994. A obra tem como foco as crises, guerras, revoluções, problemas ambientais e transformações radicais que marcaram o século 20. O autor oferece uma visão cética sobre as consequências do progresso tecnológico, analisa as causas do colapso do socialismo soviético e questiona o futuro do capitalismo em um mundo marcado por incertezas.
Outros feitos e trabalhos
Hobsbawm se manteve filiado ao Partido Comunista da Grã-Bretanha até 1991, quando a agremiação foi extinta. Foi, no entanto, um militante bastante crítico, condenando fortemente o respaldo do partido à invasão soviética da Hungria em 1956 e a relutância de lideranças comunistas em apoiar os protestos do Maio de 68 em Paris.
Nos anos 60, Hobsbawm aderiu à facção eurocomunista do CPGB, enxergando o movimento como uma adaptação necessária à realidade das sociedades ocidentais. Ele se aproximou do Partido Comunista Italiano, considerando-o um modelo a ser seguido pelas demais agremiações europeias.
O historiador também defendeu a reformulação do Partido Trabalhista conduzida por Neil Kinnock, que pavimentaria o caminho para a ascensão do Novo Trabalhismo. Posteriormente, ele criticou as concessões excessivas às demandas liberais e, sobretudo, o desastroso governo de Tony Blair, a quem apelidou de “Thatcher de calças”.
No campo da produção científica, Hobsbawm se destacaria como um dos mais prolíficos historiadores marxistas, publicando mais de 3.000 trabalhos, entre livros, artigos, resenhas e ensaios.
Em 1969, ele lançou “Bandidos”, uma obra de referência sobre o fenômeno do banditismo social, abordando diversos casos de grupamentos de proscritos ao longo da história, de Robin Hood a Salvatore Giuliano, passando por Pancho Villa e Lampião. Do mesmo período é “Capitão Swing”, sobre as revoltas camponesas oitocentistas na Inglaterra.
Nos anos 70, Hobsbawm foi nomeado “Fellow” da Academia Britânica e publicou “Revolucionários: Ensaios Contemporâneos”. Na década seguinte, lecionou na New School for Social Research de Nova York e publicou “A invenção das tradições”, editado em parceria com Terence Ranger, onde reflete sobre a criação das identidades nacionais e aborda a criação de tradições como meio de legitimar o poder, a exemplo dos rituais monárquicos britânicos. Também retomou as análises sobre o movimento operário, com o livro “Mundos do Trabalho”.
Entre suas últimas obras, destacam-se “Ecos da Marselhesa: Dois séculos de retrospectiva da Revolução Francesa”, “Tempos Interessantes”, sua autobiografia, e “Globalização, Democracia e Terrorismo”. Em 2003, Hobsbawm foi laureado com o Prêmio Balzan. Em 2008, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Viena. Faleceu em 1º de outubro de 2012, aos 95 anos.























