Leon Trotsky: a trajetória de um revolucionário
Organizador do Exército Vermelho, derrotou as tropas contrarrevolucionárias durante a Guerra Civil Russa
Há 85 anos, em 21 de agosto de 1940, falecia o revolucionário socialista russo Leon Trotsky. Ele havia sido mortalmente ferido no dia anterior por Ramón Mercader, um agente do governo soviético.
Trotsky iniciou sua trajetória política ainda na juventude, participando da luta contra o regime czarista. Ele foi um dos líderes da Revolução de 1905, compôs os quadros do Partido Operário Social-Democrata Russo e exerceu papéis de destaque na Revolução de Outubro de 1917.
Organizador do Exército Vermelho, Trotsky derrotou as tropas contrarrevolucionárias durante a Guerra Civil Russa, garantindo a continuidade da experiência socialista soviética. Ele também foi um teórico muito influente, estabelecendo as bases do que hoje chamamos de trotskismo.
Derrotado na disputa pelo comando da URSS após a morte de Lenin, Trotsky foi expulso do país. Ele se tornaria um dos maiores críticos do governo de Josef Stalin, acusando-o de trair os princípios socialistas e usurpar o poder político da classe trabalhadora.
Juventude, formação e prisão
“Leon Trotsky” era o pseudônimo de Liev Davidovich Bronstein, nascido em 7 de novembro de 1879 na aldeia de Ianovka, na região central da Ucrânia, então parte do Império Russo. Era o quinto filho de Anna Lvovna e David Leontyevich Bronstein, um casal de judeus seculares.
O pai de Trotsky era um lavrador de origem humilde que conseguiu prosperar graças às políticas de colonização da Crimeia, tornando-se proprietário de uma fazenda.
Aos oito anos, Trotsky foi enviado para Odessa, a fim de cursar o ensino básico em uma escola luterana. Posteriormente, concluiu seus estudos secundários em Nikolayev, então um importante centro industrial na região do Mar Negro. Foi nessa cidade que ele teve seus primeiros contatos com os círculos operários e com as ideias socialistas.
A princípio, o jovem se perfilou aos “Narodniks” — os chamados “populistas russos”, uma corrente intelectual burguesa influenciada pelo socialismo agrário. Mais tarde, Trotsky aderiu ao pensamento marxista, em grande parte influenciado por Aleksandra Sokolovskaya, sua futura esposa.
De volta a Odessa, o jovem iniciou os estudos de matemática e engenharia na Universidade Nacional, mas logo abandonou a graduação para se dedicar integralmente à agitação política. Ajudou a organizar greves, conduziu atividades de formação e foi um dos fundadores do Sindicato dos Trabalhadores do Sul da Rússia, uma organização clandestina que congregava operários fabris e trabalhadores portuários.
Em janeiro de 1898, acusado de participar de “atividades subversivas, Trotsky foi preso pela Okhrana, a polícia política do regime czarista. Transferido para uma prisão de Moscou, ele entrou contato com outros revolucionários e foi apresentado aos textos de Lenin. Casou-se no mesmo período com Aleksandra, com quem teve duas filhas, Zinaida e Nina.
A militância no POSDR e a Revolução de 1905
Condenado a quatro anos de exílio na Sibéria, Trotsky foi enviado para a região do Lago Baikal. Aproveitou o exílio para ler as obras de Hegel e Marx e se aprofundar nos estudos de história, filosofia e economia. Também passou a escrever textos para o “Iskra”, o órgão oficial do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR).
Em 1902, Trotsky organizou uma fuga audaciosa da Sibéria, escondendo-se em uma carroça de feno. Utilizando-se de um passaporte falso, ele prosseguiu com a viagem por trem e navio, chegando a Londres em outubro de 1902. Foi durante a fuga que ele forjou seu pseudônimo, utilizado pelo resto da vida.
Na capital inglesa, Trotsky conheceu Lenin, Julius Martov e Georgi Plekhanov, entre outros editores do jornal “Iskra”. Ele se filiou ao POSDR e passou a contribuir com os periódicos do partido, escrevendo diversos artigos em defesa da revolução proletária. Ainda em 1902, Trotsky iniciou um relacionamento com Natalia Sedova, que seria sua segunda esposa e mãe de seus outros dois filhos, Lev e Sergei.
No ano seguinte, Trotsky participou do II Congresso do POSDR, que foi marcado pela cisão do partido. Inicialmente, Trotksy se perfilou aos mencheviques, a facção liderada por Julius Martov, que defendia uma transição gradual e sem rupturas rumo ao socialismo. Do lado oposto estava Lenin, o líder dos bolcheviques, pregando a conquista do poder pela luta revolucionária.
Trotksy acusou Lenin de querer manter o movimento operário subjugado e criticou sua postura como “jacobinista”. Ele se desligou dos mencheviques já no ano seguinte, incomodado com a insistência do grupo em tentar estabelecer uma aliança com os liberais. Seguiu, entretanto, recusando-se a aderir aos bolcheviques, tentando manter-se independente.
Da Revolução de 1905 à Primeira Guerra Mundial
A posição de neutralidade de Trotsky possibilitou que ele atuasse como mediador entre os bolcheviques e os mencheviques durante a Revolução de 1905. O levante popular fora desencadeado pelo “Domingo Sangrento” — um massacre de manifestantes grevistas perpetrado pelas tropas do czar Nicolau II.
Trotsky participou ativamente da insurreição, organizando comitês grevistas e conclamando a mobilização das massas. Ele chegou a exercer o cargo de presidente do Soviete de São Petersburgo, o conselho de trabalhadores, responsável por coordenar o movimento grevista e articular as reivindicações operárias.
Após o fracasso do levante, Trotsky foi preso. Na cadeia, ele escreveu o ensaio “Balanços e Perspectivas”, apresentando sua formulação inicial da “Teoria da Revolução Permanente”. Na obra, o autor preconizava a possibilidade de revoluções socialistas serem concretizadas em países de desenvolvimento capitalista atrasado.
Trotsky argumentava que, nesses países, a burguesia seria incapaz de comandar uma revolução democrática plena, em função de sua fraqueza e dependência do capital internacional. Assim, o proletariado industrial deveria efetuar uma aliança com os camponeses e assumir a liderança do processo revolucionário, avançando diretamente rumo à construção da experiência socialista.
Em janeiro de 1907, após ser condenado ao exílio na Sibéria, Trotsky fugiu novamente. Ele se estabeleceu em Viena, na Áustria, onde participou das atividades do Partido Social-Democrata (SPÖ) e trabalhou como editor do jornal “Pravda”.
O revolucionário também atuou como correspondente de guerra para jornais russos e alemães, cobrindo as Guerras Balcânicas e registrando as operações de limpeza étnica conduzidas pelo exército sérvio contra a população albanesa.
Em agosto de 1914, após a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Trotsky foi forçado a deixar a Áustria, exilando-se na Suíça e depois na França. Pouco tempo depois, escreveu “A Guerra e a Internacional”, criticando duramente o apoio dos partidos sociais-democratas europeus ao conflito.

Leon Trotsky em 1918 Rijksmuseum / Wikimedia Commons
Em 1915, Trotsky participou da Conferência Socialista de Zimmerwald, ao lado de Lenin e Rosa Luxemburgo, recebendo a incumbência de redigir o manifesto, onde condenou a guerra e exortou a classe trabalhadora a lutar pela paz. No ano seguinte, ele foi expulso da França por suas críticas ao conflito. Rejeitado pela Espanha, seguiu viagem até os Estados Unidos, onde atuou como editor do jornal “Novy Mir”.
Da Revolução de Outubro à criação da URSS
Em março de 1917, após o início de uma grande sublevação operária, o czar Nicolau II foi forçado a abdicar do trono e um governo provisório foi instalado na Rússia. Informado sobre os acontecimentos, Trotsky providenciou seu retorno imediato à Europa, mas seu navio foi interceptado pelos britânicos no Canadá e o revolucionário foi enviado para um campo de prisioneiros de guerra.
Solto no fim de abril, Trotsky conseguiu aportar na Rússia em meados de maio. Ele ajudou a organizar a insurreição popular em Petrogrado, defendendo o estabelecimento dos sovietes como órgãos de um governo paralelo. Durante o Primeiro Congresso dos Sovietes, foi eleito membro do Comitê Executivo Central de Toda a Rússia.
Preso novamente por tentar derrubar o governo provisório durante as Jornadas de Julho, Trotsky foi libertado após o fracasso da tentativa de golpe do general Kornilov em setembro. Eleito presidente do Soviete de Petrogrado, ele organizou o Comitê Militar Revolucionário, que planejou e executou a tomada do poder na Revolução de Outubro.
Após o triunfo da revolução e a instalação do governo soviético, Trotsky foi nomeado Comissário do Povo para os Negócios Estrangeiros. A passagem pela pasta foi curta. Sua discordância em relação à assinatura de acordos de paz em separado com os alemães levou a sérios desentendimentos com Lenin. Demitiu-se então do cargo diplomático, preferindo assumir a chefia do Conselho Militar Revolucionário.
Em 1918, Trotsky fundou o Exército Vermelho, visando defender o país e o governo soviético contra as tropas estrangeiras e o Exército Branco — a força militar contrarrevolucionária que buscava restaurar a monarquia czarista. Ele desempenhou papel fundamental na Guerra Civil Russa, implementando medidas como o recrutamento em massa, a centralização do comando militar e a supervisão política do oficialato.
Após derrotar as tropas de Nikolai Yudenich e Anton Ivanovich Denikin, Trotsky debelou a sublevação anarquista durante a Revolta dos Marinheiros de Kronstadt, em março de 1921. As contribuições de Trotsky para a estratégia militar revolucionária seriam compiladas na obra “Escritos Militares”. Também desse período é o livro “Terrorismo e Comunismo”, uma resposta às críticas feitas por Karl Kautsky aos bolcheviques.
Assegurada a vitória das forças revolucionárias na Guerra Civil, Trotsky se engajou no debate sindical e nas discussões sobre a reconstrução da economia russa. Baseado nas experiências prévias com a organização do exército, o revolucionário defendeu a militarização dos sindicatos como um meio de auxiliar na superação da crise econômica — uma postura que foi duramente criticada por Lenin e rejeitada pelo Partido Comunista.
O embate com Lenin e seus alertas crescentes sobre os riscos da burocratização acabaram por isolar Trotsky dos processos de articulação da União Soviética, formalmente criada em dezembro de 1922.
Embates com Stalin e exílio
O adoecimento de Lenin levou ao surgimento de disputas internas sobre os rumos do governo. Em 1923, Trotsky criou a Oposição de Esquerda, uma corrente que criticava a burocratização do governo soviético e reivindicava a criação de mecanismos mais democráticos nos processos decisórios internos.
Embora a Oposição de Esquerda tenha contado com adesão de muitos burocratas, sua criação incomodou boa parte da cúpula do partido — sobretudo Josef Stalin, que desde 1922 ocupava o cargo de Secretário-Geral. Com a morte de Lenin em janeiro de 1924, as disputas políticas se tornaram cada mais intensas.
As divergências também eram de ordem ideológica. A ideia da “Revolução Permanente” defendida por Trotsky preconizava que a revolução socialista deveria ser um processo contínuo e global, com a Rússia incentivando e fomentando os movimentos insurgentes internacionais. Já Stalin defendia a ideia de “socialismo em um só país”, argumentando que a prioridade era o fortalecimento do processo revolucionário dentro do Estado soviético.
Trotsky organizou uma forte oposição interna a Stalin, tentando impedi-lo de assumir o comando da União Soviética. Ele se aliou a Grigori Zinoviev e Lev Kamenev na tentativa de articular uma frente oposicionista, mas foi sistematicamente isolado e derrotado. Em 1925, Trotsky foi afastado das suas funções no Conselho Revolucionário da Guerra. No ano seguinte, foi removido do Politburo. Por fim, em 1927, foi expulso do Partido Comunista.
Afastado das funções públicas, Trotsky foi deportado para o Cazaquistão, vivendo por um breve período em Alma-Ata. Em 1929, foi banido do país, refugiando-se na Turquia, onde fundou o “Boletim da Oposição”. No ano seguinte, escreveu “A Revolução Permanente”, aprofundando suas teses sobre o papel da classe trabalhadora nos países de capitalismo atrasado. E em 1932, concluiu “A História da Revolução Russa”.
Em 1933, Trotsky se mudou para a França, onde viveu por dois anos, até ser novamente expulso. Durante a passagem pelo país, escreveu uma série de artigos e ensaios compilados no livro “Aonde Vai a França?”.
Em 1935, já estabelecido na Noruega, Trotsky começou a escrever “A Revolução Traída”, tecendo uma análise crítica da experiência soviética após a morte de Lenin — e culpando a burocratização do Partido Comunista e a centralização do poder em Stalin pela alegada degradação do movimento revolucionário.
Os últimos anos no México
Sob crescente assédio das autoridades na Noruega, Trotsky se mudou para o México em 1936, aceitando a oferta de asilo feita pelo presidente Lázaro Cárdenas. Ele viveria no país até sua morte, hospedado na casa dos pintores Diego Rivera e Frida Kahlo.
No México, Trotsky manteve intensa atividade política e intelectual, ajudando a consolidar as bases teóricas das várias correntes que viriam a compor o trotskismo. Ele trabalhou em estreita colaboração com James Cannon, Joseph Hansen e outros dirigentes do Partido Socialista dos Trabalhadores e manteve contato frequente com diversas organizações da esquerda ocidental.
Em 1936, Trotsky denunciou os Processos de Moscou como um expurgo autoritário eivado de acusações forjadas. Dois anos depois, ele se uniu a um grupo de seguidores expulsos da União Soviética e fundou a Quarta Internacional, sob a alegação de que a Terceira Internacional fora “perdida para o stalinismo”, tornando-se incapaz de emancipar a classe trabalhadora.
Trotsky tornou-se cada vez mais incisivo em suas críticas ao governo soviético, definindo-o como um “Estado operário degenerado”, onde o poder político da classe trabalhadora fora usurpado por uma “burocracia privilegiada”, traindo os princípios e corrompendo as conquistas da Revolução de Outubro.
Em 20 de agosto de 1940, Trotsky foi mortalmente ferido por Ramón Mercader, um agente da NKVD, órgão de inteligência do governo soviético. Mercader o golpeou na cabeça com uma picareta. Trotsky chegou a ser socorrido e operado, mas morreu no dia seguinte, aos 60 anos. Seu funeral atraiu mais de 300.000 pessoas na Cidade do México.
As relações atribuladas entre Trotsky e Stalin e as divergências quanto ao processo revolucionário e o governo soviético continuam a ser motivos de disputas teóricas e ideológicas até hoje, com grupos de partidários e detratores acusando mutuamente Trotsky e Stalin de serem “traidores da revolução”.
Apesar das contendas ideológicas, Trotsky segue sendo um intelectual de enorme influência. O trotskismo — a despeito das críticas dos opositores que o rotulam como revisionismo — permanece como uma das mais populares escolas do pensamento marxista, saudado por muitos pela sua ênfase no internacionalismo, pela defesa da democracia operária e pela rejeição ao autoritarismo.























