José Alberto Amarante: uma vítima brasileira do Mossad?
Cientista brasileiro estudava enriquecimento de urânio por laser e morreu de forma misteriosa após ser submetido à contaminação radioativa
Há 90 anos, em 13 de novembro de 1935, nascia o militar e cientista José Alberto Amarante, um dos cérebros do programa nuclear brasileiro.
Egresso do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Amarante conduziu um projeto inovador de enriquecimento de urânio por laser, uma metodologia inteiramente nacional que poderia viabilizar o domínio do ciclo completo do combustível nuclear.
Amarante ajudou a formular o acordo firmado com a Alemanha em 1975, prevendo a construção de oito reatores nucleares no Brasil. Ele foi um dos fundadores do Instituto de Estudos Avançados e um dos principais arquitetos do programa nuclear paralelo mantido pelo Brasil desde o fim dos anos 70.
O cientista faleceu em 1981, vitimado por uma estranha leucemia fulminante que ceifou sua vida em apenas 10 dias. Sua morte levantou suspeitas de envenenamento, levando à abertura de investigações. Descobriu-se então que o brasileiro havia se tornado alvo de Samuel Giliad, um agente do Mossad, o serviço secreto israelense.
O Programa Nuclear Paralelo
A criação do programa nuclear brasileiro remonta ao início da década de 1950, quando foi fundado o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). À frente de órgão, o almirante Álvaro Alberto seria responsável por articular os primeiros acordos de transferência de tecnologia.
Em 1953, Brasil e Alemanha assinaram um acordo secreto para a compra de três ultracentrífugas a serem utilizadas no enriquecimento de urânio. A iniciativa, no entanto, foi boicotada pelo governo dos Estados Unidos, que embargou por anos a transação.
O programa nuclear brasileiro registrou importantes avanços a partir da criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Em 1972, teve início a construção da primeira usina nuclear do país, erguida em Angra dos Reis. Três anos depois, Brasil e Alemanha assinaram um novo acordo para a construção de oito reatores nucleares.
O acordo incomodou os Estados Unidos, que pressionaram a Alemanha para interromper a colaboração. A Casa Branca estava empenhada em impedir que mais países conseguissem desenvolver a tecnologia para fabricar armas nucleares. O Brasil havia ingressado na lista de “suspeitos” desde 1968, quando se recusou a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear.
A pressão dos Estados Unidos inviabilizou o acordo com a Alemanha. Frustrado com o boicote das grandes potências, o governo brasileiro lançou seu Programa Nuclear Paralelo (PNP) — um programa secreto coordenado pelas Forças Armadas, pelo CNEN e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), visando garantir o domínio da tecnologia de todo o ciclo do combustível nuclear e o eventual uso do urânio enriquecido para fins militares.
Cada ramo das Forças Armadas comandava um projeto independente, com abordagens e tecnologias distintas. A Marinha conduzia o Projeto Ciclone, de enriquecimento por ultracentrifugação, tendo por foco a propulsão nuclear naval. O Exército liderava o Projeto Atlântico, investigando o uso de grafite nuclear e plutônio. E a Aeronáutica mantinha o Projeto Solimões, que tentava viabilizar o enriquecimento de urânio por laser.
José Alberto Amarante
Um dos principais responsáveis pelo Projeto Solimões era José Alberto Albano do Amarante, um tenente-coronel da Força Aérea.
Natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Amarante ingressou aos 15 anos na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR). Em 1966, ele se formou com honras no curso de Engenharia Eletrônica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Após a graduação, Amarante se mudou para Pasadena, nos Estados Unidos, onde cursou o Instituto de Tecnologia da Califórnia e obteve o Mestrado em Ciências. De volta ao Brasil, concluiu o doutorado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentando uma tese sobre o princípio da divergência da corrente tensorial.
Nos anos 70, Amarante assumiu o cargo de assessor científico do Instituto de Atividades Espaciais (IAE), atual Instituto de Aeronáutica e Espaço. Lá, o cientista liderou a criação de um grupo de pesquisa para investigar a separação de isótopos de urânio por laser.
Caso fosse bem-sucedida, a pesquisa de Amarante permitiria a criação de uma metodologia inovadora, mais barata e inteiramente nacional para o enriquecimento de urânio, livrando o Brasil da dependência de tecnologias estrangeiras onerosas, como o “jet nozzle”, previsto no acordo nuclear com a Alemanha.
Amarante se consagraria como um dos principais cérebros do programa nuclear brasileiro. Suas pesquisas tiveram repercussão internacional e inspiraram trabalhos análogos em outros países. Também tiveram aplicação na indústria nacional, possibilitando a fabricação de lasers de vapor de cobre, com usos que vão da usinagem à área médica.
O oficial se destacou como um hábil articulador político na área científica. Ele foi um dos responsáveis por formular o acordo para a construção de reatores nucleares assinado com a Alemanha em 1975. Foi também diretor do Laboratório de Estudos Avançados do Centro Técnico Aeroespacial, núcleo original do atual Instituto de Estudos Avançados (IEAv), um dos mais relevantes órgãos de pesquisa básica e aplicada do Brasil.

Usina nuclear de Angra dos Reis, por Rodrigo Soldon.
Wikimedia Commons
A misteriosa morte do oficial
As pesquisas de Amarante visando o enriquecimento de urânio por laser alarmaram as agências de inteligência estrangeiras, não apenas pela possibilidade de desenvolvimento de uma tecnologia autóctone no domínio do ciclo do combustível nuclear, mas também pelas fontes de financiamento do programa.
Para garantir as pesquisas de seu programa secreto, o governo brasileiro estabeleceu uma parceria com o Iraque. O Brasil se comprometia a compartilhar tecnologia no campo nuclear e a remeter “yellow cake” (o primeiro estágio do beneficiamento do urânio) para o governo iraquiano. Em contrapartida, o Iraque enviava petróleo e dinheiro para o Brasil.
A parceria certamente desagradava os governos dos Estados Unidos e de Israel. O avanço do programa nuclear iraquiano era visto com muita preocupação por esses países. Em junho de 1981, o governo israelense lançou a Operação Ópera, bombardeando e destruindo o reator nuclear Osirak, nos arredores de Bagdá.
Amarante certamente entrou nos radares dos órgãos de inteligência de Israel. Sempre que viajava para São Paulo e Rio de Janeiro, o militar relatava à sua esposa que acreditava estar sendo seguido.
Em setembro de 1981, Amarante teve que ser internado às pressas. Após fazer uma bateria de exames no hospital, ele recebeu o diagnóstico de leucemia aguda.
Não houve sequer tempo hábil para realizar o tratamento. A doença progrediu em ritmo assustador, chocando os médicos e os familiares. O cientista brasileiro faleceu apenas dez dias após o diagnóstico, em 3 de outubro de 1981. Tinha 45 anos de idade.
Samuel Giliad
A morte repentina e clinicamente atípica de Amarante despertou muitas desconfianças. Tanto os familiares quanto os oficiais da Aeronáutica suspeitavam que o militar fora propositalmente submetido à contaminação radioativa.
A investigação sobre a morte de Amarante lançou luz sobre a atuação local de um agente do Mossad — a agência de inteligência de Israel. Trata-se de um homem identificado como Samuel Giliad ou Guesten Zang, um israelense de origem polonesa que atuava no Brasil.
As informações sobre o agente foram compiladas em uma matéria para a Folha de S. Paulo produzida por Mário Chimanovitch. Samuel se apresentava como um veterano da Segunda Guerra Mundial. Ele havia se mudado para São José dos Campos em 1979, passando a atuar como diretor do Hotel Eldorado, um dos mais importantes da cidade.
Extrovertido e cativante, Samuel contava histórias fascinantes sobre sua experiência na guerra e demonstrava uma curiosidade incomum sobre os assuntos de hóspedes militares.
Além de recepcionar muitos membros da Aeronáutica em suas instalações, o israelense sempre oferecia o Hotel Eldorado para sediar reuniões e encontros sociais de empresários, políticos e oficiais das Forças Armadas. Eventos nos quais ele sempre estava presente, ouvindo conversas, servindo bebidas alcoólicas e puxando assunto.
Amarante era um alvo constante da curiosidade insaciável de Samuel. O israelense sempre tentava se aproximar e iniciar conversas com o militar. Samuel passou até mesmo a agendar visitas no mesmo dentista onde Amarante se consultava — sempre nos mesmos horários.
Desconfiado, Amarante alertou seus colegas na Aeronáutica e Samuel passou a ser monitorado. Durante as investigações, os militares descobriram que o israelense tinha instalado escutas nos quartos e áreas sociais do Hotel Eldorado. Ele também possuía ao menos cinco passaportes com identidades distintas.
Logo após a morte de Amarante, Samuel deixou São José dos Campos e desapareceu por completo. Pouco tempo depois, a imprensa norte-americana publicou matérias detalhadas expondo a atuação do cientista no programa nuclear paralelo e as remessas ao Iraque feitas pelo governo do Brasil.























