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Há 23 anos, em 27 de maio de 2002, falecia João Amazonas, um dos maiores líderes do movimento comunista brasileiro.

Ativo na militância desde a juventude, ele ajudou a organizar o movimento operário no Pará e integrou a célebre bancada comunista eleita para a Assembleia Nacional Constituinte de 1946, onde se destacou pela defesa dos direitos dos trabalhadores.

Sua vida foi permeada por prisões políticas, exílios e perseguições. Ele foi fundador e líder histórico do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e um dos organizadores da Guerrilha do Araguaia, movimento armado que combateu a ditadura militar.

Após seu retorno do exílio, Amazonas integrou a campanha das Diretas Já e fortaleceu o movimento pela redemocratização. Ele foi também um importante teórico, dedicando-se a analisar o capitalismo e a propor caminhos para o socialismo no Brasil.

Da juventude à militância no PCB

João Amazonas nasceu em Belém, capital do Pará, em 1º de janeiro de 1912. Era um dos oito filhos da marajoara Raymunda Leal e do comerciante português João de Souza Pedroso. A morte precoce do pai, vitimado pela tuberculose, obrigou João Amazonas a trabalhar desde cedo. Ele conciliava o trabalho na Fábrica Palmeira com os estudos na Escola Prática de Comércio.

Amazonas iniciou sua militância política no contexto da Revolução de 1930 — o movimento armado que encerrou o pacto oligárquico da Primeira República e deu origem à Era Vargas. Ele mobilizou os funcionários da Fábrica Palmeira e denunciou a empresa junto ao Ministério Trabalho, acusando-a de não cumprir a carga horária de oito horas, então recentemente estabelecida.

Alguns anos depois, em 1935, Amazonas se filiou ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB) e logo se tornou integrante do comitê estadual da agremiação. Nesse mesmo ano, ele fundou uma célula comunista na empresa em que trabalhava e organizou o sindicato da sua categoria — ato que lhe custou sua primeira prisão política.
Amazonas também assumiu o cargo de dirigente regional da Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma frente antifascista vinculada ao PCB, que fazia oposição ao integralismo e ao governo Vargas, composta majoritariamente por militantes comunistas e tenentistas.

Em novembro de 1935, militares ligados à ANL deram início ao Levante Comunista. A revolta mobilizou unidades em Natal, Recife e Rio de Janeiro, mas foi rapidamente debelada pelas forças governamentais. O movimento ensejou a violenta repressão do governo Vargas, levando à prisão de milhares de comunistas.

As prisões políticas e a reorganização do PCB

João Amazonas foi preso em janeiro de 1936. Ele ficaria encarcerado no Presídio São José por mais de um ano, até ser absolvido em junho de 1937. Após sua libertação, Amazonas voltou a atuar no movimento operário. Ele foi membro ativo da União dos Proletários de Belém e ajudou a fundar diversos sindicatos ao longo dos anos 30.

Em 1940, Amazonas foi novamente preso, em meio a uma nova onda de repressão aos comunistas coordenada por Filinto Müller, chefe da polícia política de Getúlio Vargas. Condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional, Amazonas foi submetido a uma rotina de torturas e maus tratos, mas logrou obter a transferência para outra unidade prisional após decretar uma greve de fome.

Em 1941, Amazonas fugiu da prisão acompanhado de outros quatro membros do PCB. Refugiou-se em Goiás e depois seguiu viagem até o Rio de Janeiro, onde se juntou à Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP). A comissão fora criada com o objetivo de reorganizar o partido, totalmente desarticulado pela repressão do Estado Novo.

Amazonas participou dos esforços de reconstrução do PCB em Minas Gerais e na Bahia. Em 1943, ele tomou parte da Conferência da Mantiqueira, principal marco da reestruturação do partido.

Na ocasião, Amazonas foi eleito integrante do Comitê Central e da Comissão Executiva e assumiu a Secretaria Sindical e de Massas. Luiz Carlos Prestes, ainda preso pela ditadura de Vargas, foi nomeado Secretário-Geral.
A reorganização do PCB possibilitou que o partido colhesse os frutos da vitória da frente nacional contra o fascismo e do movimento pela redemocratização.

Legalizado em 1945, o partido capitalizou o prestígio internacional do comunismo, impulsionado pelo papel da União Soviética na vitória aliada, atraindo intelectuais, trabalhadores urbanos e setores da classe média — e ganhando capilaridade e influência nos sindicatos e movimentos populares.

O líder do PCdoB, João Amazonas
Divulgação/PCdoB

A bancada comunista

Convertido em um partido de massas, o PCB obteve um bom desempenho eleitoral nas eleições de 1945, elegendo um senador e 14 deputados. João Amazonas integrou a bancada histórica dos comunistas na Assembleia Nacional Constituinte, elegendo-se deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Amazonas dedicou seu mandato às questões trabalhistas, defendendo o direito de greve, a liberdade sindical, a proibição do trabalho infantil e a instituição da Justiça do Trabalho. Também subscreveu os “Quinze Pontos do Programa Mínimo de União Nacional”, elaborado pelo PCB, encampando bandeiras como a extensão do direito ao voto aos analfabetos e militares de baixa patente.

Na condição de dirigente nacional do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), Amazonas participou do Congresso Sindical e ajudou a fundar a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). O alinhamento do governo brasileiro ao bloco anticomunista da Guerra Fria, entretanto, levaria o partido novamente à ilegalidade.

Já em 1947, o PCB teve seu registro eleitoral cancelado. João Amazonas reagiu escrevendo os textos “Em defesa dos mandatos do povo” e “Contra a cassação dos mandatos e pela defesa nacional” — este último em colaboração com Carlos Marighella e Maurício Grabois.

No ano seguinte, Amazonas teve seu mandato cassado, assim como os demais parlamentares do partido. Ele seguiu atuando clandestinamente, tornando-se um dos principais dirigentes do PCB, ao lado de Luiz Carlos Prestes e Diógenes Arruda.

A cisão e a fundação do PCdoB

Entre 1953 e 1955, Amazonas viveu na União Soviética, onde participou de cursos de formação política. Ele também tomou parte dos debates insuflados pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, durante o qual Nikita Kruschev apresentou seus relatórios com denúncias contra Josef Stalin.

Os debates levaram o PCB a uma crise interna, com a divisão dos correligionários em dois grupos bem definidos — o de Luiz Carlos Prestes, que aceitou a nova orientação soviética, e o de João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, que rejeitaram a postura de Kruschev como revisionista.

Acusado de ser “stalinista”, Amazonas foi submetido a severas críticas publicadas pelos órgãos de imprensa do PCB, além de ter sido afastado de seu posto na comissão executiva da legenda.

Após o lançamento da Declaração de Março, em que o PCB modificou sua linha partidária para acomodar os princípios de transição pacífica para o socialismo e de manutenção dos processos democráticos, ocorreu a cisão definitiva entre as duas tendências.

Sob a liderança de Amazonas, o grupo dissidente divulgou a Carta dos Cem, acusando a direção do PCB de violar os estatutos partidários.

Em 1962, Amazonas e os dissidentes do PCB (já renomeado como Partido Comunista Brasileiro) convocaram um novo congresso extraordinário, oficializando a cisão e fundando o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

A nova legenda reafirmava sua adesão aos fundamentos do marxismo-leninismo, defendia o legado de Josef Stalin e reivindicava o modelo do socialismo chinês.

O PcdoB também tinha por princípio a defesa do internacionalismo proletário, a oposição ao imperialismo e a aceitação da estratégia da guerra revolucionária como meio legítimo para a tomada do poder.

Amazonas foi eleito secretário-geral do PCdoB e atuou para consolidar a nova agremiação, lançando o seu órgão de imprensa oficial (“A Classe Operária”) e obtendo o reconhecimento internacional, recebendo o status de “legenda irmã” do Partido Comunista da China (PCCh) e do Partido do Trabalho da Albânia.

O golpe de 1964 e a Guerrilha do Araguaia

Após a deposição de João Goulart no golpe de 1964 e a subsequente instauração da ditadura militar, o PCdoB se tornou um dos alvos dos aparelhos repressivos do regime.

Amazonas buscou articular a resistência à ditadura com a criação de dois eixos de ação, consistindo na criação de frentes antifascistas nas cidades e de núcleos de luta armada no campo. Em maio de 1966, após retornar das comemorações do Dia do Trabalhador em Cuba, o dirigente teve seus direitos políticos cassados por dez anos.

A partir do mês seguinte, Amazonas passou a enviar secretamente militantes do partido para a região do “Bico do Papagaio”, na divisa entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins, onde foi estabelecido um núcleo de treinamento e guerrilha. Era o início do movimento revolucionário da Guerrilha do Araguaia, que atuaria na região ao longo de sete anos.

Em 1967, Amazonas viajou para a China, para observar a implementação da Revolução Cultural. Após voltar para o Brasil, transferiu-se para a região do Araguaia, onde se dedicou à preparação da guerrilha e ajudou no trabalho de formação política junto às comunidades camponesas e ribeirinhas da região.

A partir de 1972, o general Emílio Garrastazu Médici iniciou o cerco à Guerrilha do Araguaia. A prisão dos membros da comissão dirigente da guerrilha em 1973 facilitou o isolamento dos guerrilheiros, enfraquecendo o movimento. O exército coordenou uma série de expedições de enfrentamento contra a organização, levando ao extermínio da maioria dos guerrilheiros e à completa desarticulação do movimento em 1975.

Amazonas estava em São Paulo durante a repressão à guerrilha, mas também foi alvo das operações militares. Em dezembro de 1976, os agentes da repressão tentaram matá-lo durante o Massacre da Lapa — uma violenta incursão contra um aparelho do PcdoB na capital paulista.

O ataque resultou no assassinato de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Franco Drummond e na prisão de vários dirigentes. Os militares acreditavam que Amazonas estaria presente na reunião, mas ele havia deixado o país alguns dias antes.

Retorno do exílio e redemocratização

Perseguido pelos militares, Amazonas se exilou na Albânia. Em 1976, empreendeu sua última viagem à China. O PCdoB romperia oficialmente com o PCCh pouco tempo depois, criticando a mudança da linha política oficializada no país após a morte de Mao Zedong.

Amazonas retornou ao Brasil após a promulgação da Lei da Anistia, em agosto de 1979. Com a extinção do sistema bipartidário, recusou a possibilidade de reunificação do PCdoB com o PCB, acusando a legenda antecessora de revisionismo e de possuir uma “tendência abertamente de direita”.

Ao mesmo tempo, Amazonas teve de lidar com uma séria crise em seu partido, resultante de disputas internas que levaram à destituição das direções regionais de São Paulo e da Bahia e ao afastamento de vários membros do comitê central.

Apesar do ambiente de distensão, Amazonas seguiu como alvo da perseguição do regime. Em 1982, ele foi processado pela Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de incitar a luta armada no livro “Guerrilha do Araguaia: Uma Epopeia pela Liberdade”.

Na eleição de 1982, os candidatos do PCdoB concorreram pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), uma vez que a legenda ainda não havia sido legalizada. O PCdoB retornou à legalidade em 1985, participando sob legenda própria no pleito do ano seguinte, em que elegeu seis deputados federais.

Amazonas participou da campanha pelas Diretas Já e apoiou a candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Ele também apoiou o governo de transição de José Sarney, afirmando ser necessário defender o gabinete civil diante da crescente hostilidade dos militares.

Posteriormente, Amazonas rompeu com o governo Sarney, criticando a persistência da crise econômica e denunciando a falta de medidas de apoio à classe trabalhadora. O PCdoB iniciou, então, um movimento de crescente alinhamento com o PT e o PSB. Sob a liderança de Amazonas, o PCdoB participou da Assembleia Nacional Constituinte, que redigiu a Constituição Federal de 1988.

O líder do PCdoB criticou duramente as reformas empreendidas por Mikhail Gorbachev na União Soviética, descrevendo-as como uma “farsa capitalista” e enxergando sua origem no “retrocesso iniciado em 1956 com Kruschev”. Em 1990, ele apoiou a tentativa de golpe do Partido Comunista contra Gorbachev — fato que lhe rendeu muitas críticas de colegas de partido.

Os últimos anos

Em 1989, concluindo o processo de redemocratização, foi organizada a primeira eleição direta para a presidência desde o golpe militar de 1964. No pleito, Amazonas e o PCdoB apoiaram a candidatura de Lula, candidato do PT, integrando a coligação da Frente Brasil Popular, composta também pelo PSB e pelo PV.

Amazonas voltou a apoiar as candidaturas de Lula em 1994 e 1998. Paralelamente, liderou a oposição do PCdoB ao governo de Fernando Henrique Cardoso, orientando voto dos parlamentares contra a extinção dos monopólios estatais e as privatizações.

Os anos 80 e 90 também foram marcados pela intensificação da produção intelectual de Amazonas. Foi nesse período que ele publicou algumas de suas obras mais relevantes, incluindo “Pela Liberdade e Pela Democracia popular”, “Socialismo: Ideal da Classe Operária, Aspiração de Todos os Povos” e “Os desafios do Socialismo no século XXI”.

Debilitado, João Amazonas deixou a presidência do PCdoB em 2001. Ele faleceu em São Paulo no ano seguinte, em 27 de maio de 2002, aos 90 anos de idade. Seu último pedido foi para que suas cinzas fossem lançadas na região do Araguaia, permitindo seu reencontro simbólico com os companheiros que tombaram na guerrilha.