Guerra aos Emus: Austrália comprou briga com uma ave…e perdeu
Conflito foi justificado pelo ‘prejuízo econômico’ que os animais causavam ao invadir plantações de trigo, e terminou com espécie derrotando maior potência militar da Oceania
Em 1932, o exército australiano participou de um conflito inusitado: uma guerra contra os emus, aves de grande porte que estavam invadindo as plantações de trigo e causando prejuízos aos agricultores. O que ninguém imaginava é que o exército da Austrália perderia essa guerra…
Os emus
O emu é uma espécie de ave endêmica da Austrália. É segunda ave mais alta do mundo, perdendo apenas para o avestruz. Elas podem chegar a 1,90 metro de altura, 1,65 metro de comprimento e ultrapassar os 60 quilos. São aves velozes, que podem correr a até 50 quilômetros por hora. Os emus habitam quase todos os ecossistemas da Austrália. Sua população no país é estimada hoje em cerca 700 mil indivíduos.
Pinturas rupestres e artefatos milenares evidenciam que a ave despertava a curiosidade dos povos nativos da Austrália há muito tempo. Na rica mitologia aborígene, os emus ocupam lugar de destaque, protagonizando lendas e mitos de criação e assumindo o papel de espíritos mágicos.
O emu representava uma importante fonte de alimentos para os aborígenes, mas só era caçado para assegurar a sobrevivência dos nativos. Todas as partes do animal eram aproveitadas: a carne para o consumo, os ossos para confeccionar ferramentas, as penas para criar adornos e a gordura para produzir óleos e unguentos.
A chegada dos colonizadores europeus no século XVIII estabeleceria uma relação bem mais perniciosa entre as aves e os humanos. A caça desmedida, a introdução de predadores exóticos e a destruição dos habitats naturais causou a extinção de todas as sub-espécies insulares de emus. As populações que viviam em locais como a Tasmânia e a Ilha dos Cangurus foram totalmente dizimadas.
Na Austrália continental, a urbanização acelerada e a expansão das fronteiras agrícolas fizeram com que os emus desaparecessem da Costa Leste. As aves buscaram refúgio nas regiões mais áridas no interior do país — onde a água e os alimentos são mais escassos. Isso levou a espécie a criar novos padrões migratórios em períodos de condições naturais adversas.
Os conflitos com os fazendeiros
No oeste australiano, as terras disponíveis para os emus também estavam ficando escassas. Visando estimular a produção agrícola e fornecer ocupação aos soldados que lutaram na Primeira Guerra Mundial, o governo australiano havia distribuído terras e concedido subsídios aos veteranos que se dispusessem a plantar trigo no estado da Austrália Ocidental.
O fomento do governo foi gradualmente reduzido ao longo dos anos 20, gerando muita insatisfação nos produtores. A situação se agravou ainda mais após a Crise de 1929, que derrubou o preço do trigo no mercado internacional. Assim, em 1932, quando uma grande seca causou a migração em massa de emus e as aves começaram a invadir as plantações, os fazendeiros decidiram que era a gota d’água.
Em busca de água e comida, cerca de 20 mil emus migraram para a região de Chandler e Walgoolan. A abundância de trigo e os açudes eram chamarizes muito atraentes para as aves, que começaram a derrubar as cercas para consumir as lavouras. Os fazendeiros tentaram afugentar as aves, mas não obtiveram sucesso. Resolveram então enviar uma comissão a Camberra para pedir auxílio do governo.
O Ministro da Defesa australiano, George Pearce, chegou a um acordo com os produtores: mobilizaria o exército para resolver o problema, mas os fazendeiros teriam de arcar com os custos da operação. O governo do primeiro-ministro Joseph Lyons via a operação como uma oportunidade de ampliar sua base de apoio junto aos produtores agrícolas e, ao mesmo, tempo, treinar o exército australiano para situações de combate atípicas.

Um emu em Karratha, Austrália, fotografado por Jim Bendon
Wikimedia Commons
A guerra
A Guerra aos Emus teve início no segundo semestre de 1932, sob o comando do major Gwynydd Meredith, da 7ª Bateria Pesada da Artilharia Australiana, liderando um grupo de soldados armados com metralhadoras Lewis. A missão era simples: abater o maior número possível de emus.
As aves, no entanto, logo provaram que eram oponentes de grande valor. Os emus eram corredores velozes e ágeis e conseguiam se esquivar das linhas de tiro com muita facilidade. Além disso, sua plumagem permitia uma boa camuflagem nos campos de trigo, dificultando o trabalho dos soldados.
Com dificuldade para abater as aves, os militares pediram a ajuda dos fazendeiros para criar emboscadas. As primeira operação conjunta ocorreu em 2 de novembro, com os produtores tentando afugentar as aves até a área de alcance das metralhadoras. Não deu certo. Os emus se dividiram em pequenos grupos e logo despistaram os seus algozes.
Uma nova emboscada foi tentada alguns dias depois, quando o exército avistou um grupo de mais mil emus próximos a um reservatório de água. As aves empregaram novamente a estratégia de se dividir em grupos e conseguiram fugir com mínimas baixas.
O exército australiano acumulou fracasso atrás de fracasso — e se viu forçado a produzir relatórios intrigantes, repletos de comicidade involuntária. Em um deles, o comandante da operação informa sobre a estratégia perspicaz desenvolvida pelos emus para subjugar os soldados: “Cada bando agora parece ter seu próprio líder — uma ave grande de plumas negras, com 1,80 metro de altura, que vigia enquanto seus companheiros realizam suas obras destrutivas e os avisa quando estamos nos aproximando”.
Diante da sagacidade dos emus, o exército australiano buscou uma nova estratégia: passou a utilizar um caminhão equipado com metralhadoras para perseguir as aves. A nova tática não teve o efeito esperado. O caminhão não conseguia se locomover tão rápido quanto os emus e sua mobilidade era comprometida pela irregularidade do terreno. Em mais relatório a Camberra, o exército australiano admitia o seu fiasco: míseros 50 emus abatidos após vários dias de campanha.
Vitória das aves
A operação militar passou a ser criticada pela imprensa e ridicularizada pela população. A Câmara dos Representantes da Austrália convocou uma audiência para debater a Guerra aos Emus e a operação foi suspensa.
Crítico da campanha, o ornitólogo Dominic Serventy comentou o fracasso do exército de forma cáustica: “O comando dos emus tinha evidentemente ordenado táticas de guerrilha, e seu exército se dividiu em pequenas unidades pequenas que tornaram o uso do equipamento militar insustentável.”
O próprio major Meredith reconheceu a virtude dos oponentes, e lamentou que o exército australiano não fosse tão bom quanto os emus: “Se tivéssemos uma divisão militar tão resistente quanto essas aves, ela poderia enfrentar qualquer exército do mundo”, afirmou.
Cedendo à pressão dos fazendeiros, o governo australiano fez mais uma tentativa, despachando o exército para retomar a operação em meados de novembro. De nada adiantou. No mês seguinte, ao ser convocado para informar sobre o andamento da operação, o major Meredith admitiu que o exército estava gastando em média dez projéteis para cada ave eliminada em combate, o que tornava a operação muito cara.
A continuidade da operação incomodava a população e diversos ambientalistas iniciaram uma mobilização para denunciar a imprudência da Guerra aos Emus. Diante do fracasso total da campanha e sua desmoralização perante a opinião púbica, o governo australiano capitulou em dezembro de 1932. Os emus tinham vencido a batalha contra a maior potência militar da Oceania.























