Sábado, 6 de dezembro de 2025
APOIE
Menu

Há 135 anos, em 29 de julho de 1890, falecia o pintor holandês Vincent Van Gogh. Expoente do pós-impressionismo, ele se notabilizou por seu estilo original e peculiar, caracterizado pelo uso de cores vivas, pinceladas enérgicas e texturas densas, repleto de expressividade e emoção.

Suas obras retratam a natureza e o meio rural, o cotidiano da classe trabalhadora, as paisagens urbanas e os personagens que o artista conheceu ao longo da vida.

Sua trajetória pessoal foi marcada por uma sucessão de tormentos. O pintor sofreu com o isolamento, a rejeição e a incompreensão e teve de lidar com a depressão severa e com crises mentais que o levaram a internações em sanatórios e culminaram com seu suicídio.

Malgrado a ausência de reconhecimento durante sua breve e trágica jornada, o legado de Van Gogh foi reabilitado no início do século 20 pelos modernistas, consagrando-o como um dos autores mais icônicos e influentes da história da arte.

Autorretrato com orelha enfaixada e cachimbo, de Van Gogh (1889)/Domínio Público

Autorretrato com orelha enfaixada e cachimbo, de Van Gogh (1889)/Domínio Público

A juventude e a crise religiosa

Vincent Van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Zundert, na província holandesa do Brabante do Norte, em uma família religiosa e austera. Era o mais velho dos seis filhos do pastor protestante Theodorus Van Gogh e de Anna Cornelia Carbentus.

Ele foi alfabetizado em casa por sua mãe, que o estimulou a desenhar desde pequeno — embora o pai reprovasse o hábito. Concluiu o ensino básico em uma escola de Zevenbergen. Depois, cursou o ensino secundário em um internato de Tilburgo, onde se sentia deslocado e infeliz.

Aos 16 anos, Van Gogh foi enviado a Haia para trabalhar na Goupil & Cia, filial de uma galeria parisiense aberta por seu tio, Cent. Servindo como representante comercial da galeria, conheceu Bruxelas, Londres e Paris.

Na capita inglesa, Van Gogh se apaixonou por Eugénie Loyer, pedindo sua mão em casamento, mas foi rejeitado. A desilusão amorosa afetou seu trabalho, culminando com sua demissão. Tentou ainda atuar como professor de francês e alemão na Inglaterra, mas foi preterido.

De volta à Holanda, Van Gogh passou uma temporada na nova casa dos pais em Etten e trabalhou em uma livraria de Dordrecht. As relações familiares eram complicadas e o jovem somente se sentia acolhido e compreendido pelo irmão, Theo.

Deprimido e acometido por crises nervosas, o jovem buscou conforto na religião. Mudou-se para Amsterdã a fim de se tornar pastor, vivendo na casa de seu tio, o renomado teólogo Johannes Stricker. Van Gogh não conseguiu passar no exame do Seminário Teológico da Universidade de Amsterdã, mas obteve a chance de atuar como pregador leigo na região mineradora de Borinage, na Bélgica.

A experiência o marcaria profundamente. Chocado pelas péssimas condições de vida e pela exploração brutal imposta aos mineradores, Van Gogh abriu mão de seus confortos e atribuições de missionário, passando a trabalhar nas minas e a viver nas mesmas condições que o resto da comunidade.

A atitude irritou seus superiores, que o dispensaram sob a alegação de que seu comportamento atentava “contra a dignidade do sacerdócio”. Frustrado pela postura da igreja, Van Gogh teve uma crise de fé e se afastou da religião.

O realismo social

A carreira artística de Van Gogh somente teve início em 1880, durante sua convivência com os mineradores de Cuesmes. Por conselho de Theo, o artista passou a retratar os trabalhadores e os ambientes da comunidade. Nesse mesmo ano, Van Gogh viajou para Bruxelas, objetivando estudar com o pintor Willem Roelofs.

A despeito de sua aversão aos cânones acadêmicos, Van Gogh aceitou a sugestão de ingressar na Academia Real de Belas Artes de Bruxelas. Estudou anatomia, regras de perspectiva e padrões de sombreamento e retornou a Etten no ano seguinte. Sofreu então mais uma desilusão amorosa, sendo rispidamente rejeitado após declarar seu amor por Kee Vos-Stricker, sua prima.

Deixou a casa dos pais rumo a Haia, onde estudou com o primo, o pintor Anton Mauve, que o introduziu na técnica da aquarela. Interessou-se por pintar as pessoas comuns — marinheiros, pescadores, camponeses — e intensificou as críticas aos temas da pintura clássica, voltada a representar “gente que não trabalha”.

Em Haia, Van Gogh se apaixonou novamente, dessa vez pela prostituta Clasina Hoornik, alcunhada “Sien”. O namoro, entretanto, provocou a ira de seus pais. Pressionado, o pintor cedeu e encerrou o relacionamento.

Após uma breve passagem por Drente em 1883, Van Gogh se mudou para Nuenen. Durante o período, sua arte refletiu a influência de Jean-François Millet e da tradição realista holandesa, com enfoque especial no efeito claro-escuro.

As pinturas retratavam naturezas-mortas, camponeses e tecelões e eram marcadas pelos tons terrosos e sombrios, com predomínio do marrom escuro — como exemplificado em “Os Comedores de Batata”, sua primeira obra-prima.

O pintor também viveu mais um relacionamento frustrado pela oposição dos pais, dessa vez com Margot Begemann. Ao mesmo tempo, a gravidez de uma modelo fez com que as suspeitas recaíssem sobre o artista, levando o padre do vilarejo a proibir que os paroquianos posassem para ele.

A carreira artística em Antuérpia e Paris

Sob patrocínio de Theo, Van Gogh mudou-se mais uma vez, agora para Antuérpia. Na cidade, estudou as obras de Peter Paul Rubens e diversificou sua paleta, adicionando cores de carmim, azul-cobalto e verde-esmeralda. Também se interessou pelas xilogravuras japonesas, adquirindo alguns exemplares de Ukiyo-e nas docas. Bebendo muito e comendo mal, o pintor adoeceu e foi hospitalizado entre fevereiro e março de 1886.

Após se recuperar, Van Gogh ingressou na Academia Real de Belas Artes da Antuérpia, mas logo se desentendeu com os docentes, que não aceitavam seu estilo não convencional de pintura.

Mudou-se então para Paris, onde viveu com o irmão, Theo. Na capital francesa, Van Gogh frequentou o ateliê de Fernand Cormon, onde conviveu com Toulouse-Lautrec, Émile Bernard e Louis Anquetin.

O contato com os impressionistas e neoimpressionistas influenciou profundamente sua arte. O pintor adotou cores puras e simplificou as formas buscando criar composições mais uniformes. Emulou as pinceladas fortes de Adolphe Monticelli e adotou elementos do pontilhismo de Paul Signac.

Van Gogh também se aproximou do galerista Père Tanguy, que lhe vendeu uma série de estampas japonesas — utilizadas para a execução de “japonismos”, como “A Cortesã” e “Floração de um Pomar de Ameixa”.

Ele participou de uma importante exposição das vanguardas artísticas no Grand Bouillon-Restaurant du Chalet. Por fim, conheceu Paul Gauguin, com quem trocou trabalhos.

A crise em Arles

A temporada em Paris foi extremamente prolífica para Van Gogh, gerando mais de 200 pinturas. As noites boêmias e o abuso do álcool e do tabaco, entretanto, cobraram seu preço.

Exausto e acometido por uma tosse persistente, Van Gogh buscou refúgio em Arles, no sul da França. A luminosidade da Provença o fascinou e o pintor logo se lançou a registrar os moradores, as cenas urbanas, as colheitas e os campos de trigo — produzindo obras ora marcadas pela profusão de amarelos e tons solares, ora representando o brilho azul do céu e da noite.

O pintor estava tão empolgado pelas descobertas em Arles que vislumbrou a possibilidade de criar uma comunidade de artistas na cidade. Com esse objetivo, alugou a “Casa Amarela” e convidou Paul Gauguin para ajudá-lo a tocar o projeto.

Para decorar a “Casa Amarela”, Van Gogh executou um ciclo de pinturas, incluindo “Doze Girassóis numa Jarra”, “Quarto em Arles”, “O Café à Noite”, “Noite Estrelada sobre o Ródano, etc.

Van Gogh comprou móveis para receber Gauguin, que chegou a Arles em outubro de 1888. Os dois artistas pintaram ao ar livre e viajaram até Montpellier para ver as obras de Courbet e Delacroix no Museu Fabre

A personalidade sensível de Van Gogh, entretanto, se chocava com a arrogância e o narcisismo de Gauguin e a relação entre os dois artistas começou a desandar. As discussões se tornaram cada vez mais frequentes e culminaram em uma briga violenta.

O episódio desencadeou um surto mental em Van Gogh. Tomado de raiva e desespero, o pintor mutilou sua própria orelha. Em seguida, enviou a orelha dentro de um pacote remetido a Gabrielle Berlatier, funcionária de um bordel frequentado pelos dois artistas.

Encontrado inconsciente na manhã seguinte, foi levado a um hospital. Quando questionado, afirmou que não se recordava do episódio.

As crises de Van Gogh se tornaram cada vez mais frequentes. Ressabiada com a presença do artista, apelidado de “o ruivo louco”, a população de Arles fez uma petição exigindo o fechamento de seu ateliê.

Os anos finais

Van Gogh deixou então a cidade e se internou voluntariamente no Hospício de Saint-Paul-de-Mausole, em Saint-Rémy-de-Provence. Os jardins, a paisagem dos arredores e os ambientes internos do asilo tornaram-se objetos da sua pintura.

É desse período que datam algumas de suas obras mais aclamadas, caracterizadas pela enorme expressividade, pelo dinamismo vertiginoso e pela adição de tons ocres e cinzas em sua paleta (“Estrada com Cipreste à Noite”, “A Noite Estrelada”, “Campo de Trigo com Ciprestes”, ” Oliveiras com Alpilles ao Fundo”, etc.).

Com seus temas limitados pela ausência de contato com o mundo externo, Van Gogh passou a realizar releituras de obras de outros artistas, sobretudo Jean-François Millet (“A Sesta”, “O Semeador”) e Gustave Doré (“A Ronda dos Prisioneiros”). Também pintou novas versões de suas obras antigas (“A Arlesiana”, “No Portão da Eternidade”).

Van Gogh deixou o hospício em maio de 1890. Mudou-se em seguida para Auvers-sur-Oise, no norte da França, para ficar mais próximo de Theo. Na cidade, foi tratado pelo médico homeopata Paul Gachet, recomendado por Camille Pissarro.

Sob mecenato de Gachet, o artista retomou os temas rurais e as paisagens de aldeia (“A Igreja de Auvers”, “Casa Branca à Noite”). A tristeza e a solidão, entretanto, o afligiam cada vez mais — e refletiam na melancolia lúgubre de suas últimas obras, sobretudo “Campo de Trigo com Corvos”.

No dia 27 de julho de 1890, Van Gogh disparou contra o próprio peito. A bala foi desviada por uma costela sem atingir os órgãos vitais, mas o ferimento causou uma infecção letal.

Visitado por Theo em seu leito de morte, confidenciou a razão do suicídio: “A tristeza vai durar para sempre”. Van Gogh faleceu dois dias depois, em 29 de julho de 1890, aos 37 anos de idade. Muito abalado pela morte do irmão, Theo adoeceu e faleceu seis meses depois.

Ao longo de sua vida, Van Gogh executou mais de duas mil obras de arte, incluindo 860 pinturas a óleo. Não conseguiu, entretanto, obter sucesso comercial em seu tempo, tendo vendido somente uma tela durante toda sua carreira. Seu estilo enérgico e original contrastava com o idilismo pequeno-burguês dos impressionistas e com o refinamento da arte pompier, sendo rechaçado pelo público de então.

A valorização de seu legado artístico tem início no começo do século 20, quando elementos de seu estilo passam a ser incorporados pelos fauvistas e expressionistas.

A crítica ulterior o consagrou como o pioneiro por excelência das vanguardas modernas, enquanto sua biografia tumultuada contribuiu para que se encarnasse no imaginário popular a essência romântica do “gênio atormentado e incompreendido”.

Suas obras estão entre as pinturas mais conhecidas e admiradas da história da arte e o pintor segue, mais de um século após sua morte, inspirando e encantando o público com seu talento e sua sensibilidade ímpar.