Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 134 anos, em 28 de agosto de 1891, nascia a educadora, poetisa e revolucionária comunista Laura Brandão. Natural do Rio de Janeiro, ela se destacou nos meios literários no início do século 20, tornando-se uma das poetisas de maior prestígio do Brasil.

Companheira de Octávio Brandão, Laura foi uma militante combativa do Partido Comunista (PCB). Ela atuou diretamente na mobilização da classe operária, organizou greves e protestos e ajudou a fundar o Comitê das Mulheres Trabalhadoras.

Expulsa do país pelo governo de Getúlio Vargas, Laura se exilou na União Soviética. Ela participou da resistência antinazista durante a Segunda Guerra Mundial e faleceu durante o conflito, sendo sepultada no Cemitério dos Heróis de Moscou.

Juventude e trajetória como educadora

Laura da Fonseca e Silva nasceu no Rio de Janeiro, filha de Jacinta Cavalcanti e Domingos Leopoldino da Fonseca e Silva, um casal de migrantes do Nordeste. A mãe, alagoana, trabalhava como costureira. O pai, pernambucano, era pedagogo, militante republicano e defensor da causa abolicionista.

A família vivia em um sobrado no bairro do Catete, mas passava mais tempo viajando do que em casa. Atendendo à crescente demanda da Primeira República por instituições de ensino, Domingos percorria todo o país para inaugurar novas escolas.

Laura passou a infância acompanhando os pais nas viagens, o que lhe proporcionou contato com a diversidade cultural brasileira e com as desigualdades sociais. Os pais a estimularam a gostar da leitura. Aos quatro anos de idade, ela já era alfabetizada. Com dez anos, produzia seus próprios textos.

Em 1909, Domingos e Jacinta se separaram. Laura acompanhou a mãe e os irmãos, passando a viver na casa de seu tio-avô, o conselheiro Lourenço Cavalcanti de Albuquerque.

O imóvel, situado no bairro carioca de Santa Teresa, era um ponto de encontro de artistas, frequentado por personalidades como os poetas Olavo Bilac e Hermes Fontes, o pintor Antônio Parreiras, o compositor Glauco Velásquez e a violinista Paulina D’Ambrosio.

Seguindo os passos do pai, Laura se tornou professora. Ela começou a lecionar com 14 anos, dando aulas em um Jardim de Infância da capital paulista. Posteriormente, dedicou-se a alfabetizar crianças órfãs acolhidas no Instituto Amante da Instrução. Também lecionou no Instituto Lafayette e no Colégio Batista Americano-Brasileiro.

Laura atuou como tutora particular para várias famílias da elite. Foi professora das netas de Benjamin Constant, um dos principais líderes do movimento republicano, e deu aulas para os familiares do poeta Luís Murat, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em Paris, trabalhou como preceptora para a família do escritor João Ribeiro.

As pressões sociais e expectativas comportamentais não pareciam incomodar Laura. Em uma época em que as moças de sua idade eram instadas a buscar casamento e tentar constituir família, ela estava preocupada em garantir sua independência financeira e, sobretudo, produzir arte.

Laura, a poetisa

Laura era apaixonada por livros, poemas e músicas — um interesse que foi bastante estimulado pelo convívio com os artistas que frequentavam a casa de sua família. Em sua juventude, ela se tornou uma frequentadora assídua dos salões literários, saraus e recitais do Rio de Janeiro.

Não demorou para que Laura fizesse suas próprias incursões no campo da poesia. Em 1910, ela publicou “Relógio”, seu primeiro poema, veiculado nas páginas da revista “Fon-Fon”. Depois, escreveu “Homem”, estampado na capa do jornal “Correio da Manhã”, além de um belo soneto chamado “Visão”.

Os poemas renderam elogios do público e Laura se tornou “habitué” dos suplementos literários dos grandes jornais. Eram raras as mulheres que se dedicavam à poesia, o que aumentava ainda mais o interesse e a curiosidade sobre a autora.

Em 1915, Laura publicou seu primeiro livro, intitulado “Poesia” — uma obra fortemente marcada pelo influxo parnasiano. Posteriormente, a poetisa adotaria uma estética mais livre e flexível, caminhando para poesia romântica.

Laura Brandão fotografada em 1915. Arquivo Edgard Leuenroth – Unicamp

Laura Brandão fotografada em 1915. Arquivo Edgard Leuenroth – Unicamp
Via Wikimedia Commons

Nos anos seguintes, Laura publicaria mais três livros: Imaginação (1916), “Meia Dúzia de Fábulas” (1917) e “Serenidade” (1918) — todos muito elogiados. Ela se consagraria como uma das maiores poetisas de sua geração. Suas obras frequentemente celebravam a natureza, o amor, a espiritualidade e a busca por ideais elevados.

Laura também demonstrou enorme talento para a crítica social. Em “Meia Dúzia de Fábulas”, a autora expõe o falso moralismo e o puritanismo da sociedade, critica o machismo e denuncia a desigualdade social.

As obras de Laura receberam aclamação da crítica e elogios de nomes como Ruy Barbosa, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Tarsila do Amaral. Seus poemas foram inclusos por João Ribeiro no “Almanaque Brasileiro Garnier”. Ela também foi homenageada pelo Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, que a descreveu como “uma das melhores cultoras de versos do Brasil”.

A militância política

Laura provavelmente iniciou sua militância política a partir da convivência com intelectuais anarquistas — em especial o poeta José Oiticica, um dos líderes da Insurreição Anarquista de 1918, e a escritora Maria Lacerda de Moura, pioneira do movimento feminista.

Em 1919, Laura conheceu Octávio Brandão, amigo de Oiticica. Ativo na luta operária desde a juventude, Octávio foi um dos pioneiros na divulgação do marxismo-leninismo no Brasil. Laura e Octávio se casaram em abril de 1921. O casal teve quatro filhas: Sáttva, Vólia, Dionysa e Valná.

Após o casamento, Laura passou a se dedicar integralmente às atividades políticas. Ao lado do marido, ela ajudou a fundar o Comitê de Socorro aos Flagelados Russos, uma iniciativa que visava angariar doações para ajudar as vítimas da guerra civil deflagrada após a Revolução de Outubro.

O Comitê de Socorro aos Flagelados Russos daria origem ao Grupo Comunista do Rio de Janeiro que, por sua vez, pavimentou o caminho para a criação do Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), fundado em março de 1922 em Niterói.

Octávio Brandão se consagraria entre os principais dirigentes e referências intelectuais do PCB. Laura nunca se filiou formalmente à organização, mas se tornou uma das militantes mais engajadas do movimento comunista, participando da agitação da classe trabalhadora e auxiliando na organização de greves, comícios e ações sindicais.

A poetisa também ajudou a fundar o jornal “A Classe Operária”, o órgão oficial de comunicação do PCB. Conhecido pelas críticas ácidas à burguesia, o jornal foi banido pelo governo brasileiro pouco tempo após sua criação. Laura atuou como redatora informal do periódico e auxiliava a distribuí-lo clandestinamente nas fábricas e bairros operários.

Laura foi cofundadora do Comitê das Mulheres Trabalhadoras, uma organização vinculada ao Bloco Operário Camponês (BOC) — frente política criada para servir como cobertura legal ao PCB, após o partido ser jogado na ilegalidade.

O Comitê das Mulheres Trabalhadoras exercia várias ações nos subúrbios, articulando a organização política feminina. Octávio Brandão, por sua vez, foi eleito para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro no pleito de 1928, junto com Minervino de Oliveira. Foi a primeira vez que os comunistas elegeram representantes para um parlamento no Brasil.

Em 1929, Laura teve participação destacada no comício da Praça Mauá, que havia sido convocado em solidariedade à greve dos trabalhadores do setor gráfico de São Paulo. O comício foi violentamente atacado pela polícia, mas Laura não se intimidou: ela reagiu e partiu para cima dos policiais.

Perseguição, exílio e os anos finais

A militância no PCB fez com que Laura e Octávio se tornassem alvos da repressão governamental. O casal foi preso e agredido diversas vezes e passou a ser monitorado constantemente pela polícia. Laura também acabou se afastando dos círculos literários e artísticos que costumava frequentar.

Encerrada a Revolução de 1930, o governo de Getúlio Vargas ordenou a dissolução da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e extinguiu os mandatos dos intendentes. Octávio foi preso em junho de 1930. No ano seguinte, ele foi expulso do país junto com Laura e suas filhas, sendo deportado para a Alemanha.

Após a chegada a Bremen, a família buscou exílio na União Soviética. Octávio passou a trabalhar para a Internacional Comunista (Comintern), produzindo análises sobre a situação política do Brasil. Também atuou como colaborador do Instituto de Economia e Política Mundiais de Moscou e ajudou a organizar a campanha internacional pela libertação de Anita Prestes, a filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benário que havia nascido no campo de concentração de Barnimstrasse.

Laura foi contratada como redatora e locutora de programas em português produzidos pela Rádio Moscou. Durante o período, ela produziu uma série de poesias melancólicas, relatando a saudade que sentia do Brasil.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a invasão da União Soviética pelas tropas da Alemanha nazista, Laura lutou ao lado da resistência. Ela ajudou a construir abrigos antiaéreos e integrou equipes de vigilância e brigadas de incêndio.

A poetisa, no entanto, não chegaria a testemunhar a vitória do Exército Vermelho sobre as forças do Eixo. Ela adoeceu gravemente no fim de 1941, possivelmente vitimada pelo tifo. Laura Brandão faleceu na cidade de Ufá, no sul da Rússia, em 28 de janeiro de 1942, aos 51 anos.

Em 1965, os restos mortais de Laura foram exumados e transferidos para o Cemitério dos Heróis, localizado junto ao Convento Novodevichy, em Moscou.

Relegada ao esquecimento ao longo de décadas, a trajetória de Laura foi recuperada graças ao trabalho da historiadora Maria Elena Bernardes, autora do livro “Laura Brandão: a invisibilidade feminina na política”, lançado em 2007 pelo Centro de Memória da Unicamp.