Em nome do petróleo: 72 anos do golpe patrocinado pela CIA no Irã
Primeiro-ministro iraniano Mohammad Mossadegh, que se opunha às intervenções estrangeiras, foi deposto por um golpe arquitetado pelos EUA e pela Grã-Bretanha
Há 72 anos, em 19 de agosto de 1953, Mohammad Mossadegh, o primeiro-ministro democraticamente eleito do Irã, era deposto por um golpe de Estado arquitetado pelos governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.
Representante dos setores nacionalistas, Mossadegh angariou enorme apoio popular ao se contrapor às intervenções estrangeiras e defender que a riqueza gerada pelo petróleo iraniano deveria beneficiar a população do país.
Como premiê, Mossadegh decretou a nacionalização das reservas petrolíferas, até então controladas por empresas britânicas. A decisão despertou indignação das potências ocidentais, que viram a medida como uma ameaça aos seus interesses econômicos e estratégicos na região.
A resposta veio na forma da Operação Ajax, um plano de mudança de regime articulado pela CIA e pelo MI-6. Após o golpe, o Irã foi convertido em uma ditadura brutal governada pelo xá Mohammad Reza Pahlavi, que se prolongou no poder até 1979 e reprimiu violentamente a população iraniana.
As ofensivas imperialistas contra o Irã
Ao longo de todo o século 19, o Irã serviu de tabuleiro para uma série de disputas travadas por potências estrangeiras. Governando o país desde o reinado de Mohammad Khan, a Dinastia Qajar foi obrigada a lidar com ofensivas cada vez mais violentas da Rússia e do Império Britânico — ambos engajados no chamado “Grande Jogo”, a disputa pela supremacia na Ásia Central.
Derrotado nas guerras travadas contra o Império Russo, o Irã foi obrigado a ceder suas províncias na região do Cáucaso. Os britânicos, por sua vez, forçaram o país a abrir mão da região de Heret (atual Afeganistão) e impuseram o domínio do capital estrangeiro sobre setores estratégicos da economia.
Um exemplo notável desse processo foi a Concessão Reuter (1872), que pretendia entregar a um banqueiro britânico o monopólio sobre as ferrovias, a mineração e os bancos iranianos por 70 anos. Já a Concessão do Tabaco (1890) previa que o major Talbot tivesse o domínio pleno sobre o cultivo, o comércio e a exportação do tabaco por 50 anos. Os acordos causaram descontentamento generalizado, forçando a revisão das concessões.
A ofensiva sobre os recursos iranianos prosseguiu no século 20. Em 1901, o xá Mozaffar al-Din concedeu ao britânico William Knox D’Arcy o direito de explorar o petróleo iraniano por 60 anos, levando à fundação da Anglo-Persian Oil Company — posteriormente rebatizada como Anglo-Iranian Oil Company, ou AIOC.
A Convenção Anglo-Russa de 1907, assinada sem consulta ao governo iraniano, dividiu o país em esferas de influência, com os russos controlando o norte (incluindo as regiões de Teerã e Tabriz) e os britânicos dominando o sudeste e as rotas comerciais vindas da Índia.
As crescentes intervenções estrangeiras causaram a insatisfação generalizada da população iraniana, fortalecendo a oposição nacionalista. Intelectuais, mercadores, clérigos xiitas e a nascente classe média urbana uniram-se para exigir reformas que limitassem o poder absoluto do xá e protegessem o Irã de abusos externos. A agitação popular levaria à eclosão da Revolução Constitucional Persa (1905-1911) e à criação do Parlamento Iraniano (dito “Majlis”).
A ocupação do Irã por potências estrangeiras durante a Primeira Guerra Mundial aprofundou a turbulência política e enfraqueceu ainda mais a Dinastia Qajar. Em 1921, Reza Khan, um oficial da Brigada Cossaca Persa, liderou um golpe de Estado, assumindo o controle do governo como Ministro da Guerra. Quatro anos depois, em 1925, o militar depôs Ahmad Xá e fundou a Dinastia Pahlavi, assumindo o título de Reza Xá.
A Dinastia Pahlavi
Embora tenha se beneficiado do sentimento nacionalista para chegar ao poder, Reza Xá não pretendia antagonizar com as potências ocidentais. Ele buscou promover a modernização do Irã, financiando obras de infraestrutura e projetos de industrialização.
Ao mesmo tempo, o governo instituiu políticas que visavam ocidentalizar e secularizar a sociedade iraniana. Medidas como a proibição do “hijab”, a imposição de trajes ocidentais e a limitação do poder dos tribunais islâmicos causaram muita controvérsia e descontentamento dos setores religiosos.
O governo de Reza Xá também foi marcado pela centralização e autoritarismo. O parlamento foi reduzido a uma instituição decorativa, a imprensa foi censurada e os opositores, incluindo clérigos, estudantes e intelectuais, foram violentamente reprimidos — forçados ao exílio, presos ou executados.
Na década de 1930, Reza Xá promoveu uma crescente aproximação entre o Irã e a Alemanha nazista. Admirador de Adolf Hitler, o monarca iraniano buscou enfatizar a herança pré-islâmica do Irã como um vínculo direto com a “identidade ariana”. As empresas alemãs foram convidadas a participar nos projetos de modernização do país e o Irã se converteu em um dos principais parceiros comerciais do Terceiro Reich.
O Irã se manteve formalmente neutro após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, mas a proximidade entre os dois governos incomodou os Aliados. Em agosto de 1941, tropas britânicas e soviéticas invadiram o Irã e forçaram Reza Xá a abdicar do trono em favor de seu filho, Mohammad Reza Pahlavi.
O país permaneceu sob ocupação até 1946, com os britânicos controlando o Sul e os soviéticos o Norte. A ocupação garantiu o controle dos Aliados sobre as reservas petrolíferas do Irã e manteve ativo o fluxo de suprimentos para a Exército Vermelho. Ao mesmo tempo, a presença das tropas Aliadas intensificou o ressentimento em relação às intervenções estrangeiras, alimentando o discurso nacionalista.
Mohammad Reza herdou um governo enfraquecido e fragmentado por divisões internas. A princípio, em uma tentativa de recuperar apoio popular, o monarca reverteu algumas medidas autoritárias impostas por seu pai e fez concessões aos setores religiosos.
Em 1949, no entanto, Mohammad Reza sobreviveria uma tentativa de assassinato atribuída a um membro do Tudeh, um partido marxista. O atentado lhe deu o pretexto necessário para justificar medidas autocráticas. O monarca baniu as organizações comunistas, ampliou as medidas repressivas contra a oposição e convocou uma Assembleia Constituinte para tentar ampliar seus poderes e prerrogativas.

Apoiadores de Mohammed Mossadegh derrubam uma estátua de Reza Xá em meio aos conflitos do golpe de 1953
William Arthur Cram/Wikimedia Commons
Mohammed Mossadegh e a ascensão do nacionalismo
O avanço das ideias anticoloniais e anti-imperialistas no período pós-guerra forneceu um ambiente propício para o fortalecimento do movimento nacionalista iraniano. A questão do petróleo se tornou um tema central. Por intermédio da AIOC, os britânicos controlavam vastas reservas do petróleo iraniano, mas o país recebia apenas uma fração diminuta dos lucros.
Cidades petrolíferas como Abadã funcionavam como verdadeiros enclaves coloniais, com estrangeiros ocupando os melhores postos de trabalho e habitações e os iranianos sendo submetidos a péssimas condições de vida, baixos salários e discriminação racial.
Entre 1946 e 1949, greves e protestos operários eclodiram por todo o país — em grande parte mobilizadas com auxílio do Tudeh e outras organizações ligadas à esquerda. Embora inicialmente centradas em demanda trabalhistas, essas mobilizações logo se vincularam ao discurso nacionalista de que a riqueza gerada pelo petróleo iraniano deveria beneficiar o povo iraniano, e não as potências estrangeiras.
Esse ambiente de mobilização social e sindical, somado à frustração com a recusa britânica em renegociar os contratos, preparou o terreno para a campanha de nacionalização que se consolidaria no final da década de 1940, sob o comando de Mohammed Mossadegh.
Eleito para o parlamento em 1944, Mossadegh se destacou pela postura firme contra as intervenções estrangeiras no Irã e pelos discursos enfáticos e inflamados denunciando o imperialismo e os abusos autocráticos da monarquia.
Em 1949, Mossadegh fundou a Frente Nacional, uma coalizão de partidos nacionalistas, liberais e religiosos moderados que reivindicavam a democratização da vida política e o controle soberano dos recursos energéticos do país.
O debate sobre o petróleo se tornou cada vez mais acirrado, ao ponto de gerar conflitos e assassinatos políticos. Em março de 1951, Haj Ali Razmara, o primeiro-ministro iraniano, foi assassinado por um membro da organização xiita Fada’iyan-e Islam. O motivo era sua oposição à nacionalização do petróleo.
Respaldada pelo apoio popular, a Frente Nacional conquistou a grande maioria dos votos no Parlamento Iraniano, obtendo o direito constitucional de indicar o primeiro-ministro. Em abril de 1951, o xá confirmou a nomeação de Mossadegh como premiê.
A decisão causou enorme euforia. Multidões saíram às ruas por todo o país para celebrar a eleição de Mossadegh. Os parlamentares da Frente Nacional fizeram discursos sintonizados com as expectativas, pregando a expulsão da AIOC e denunciando as interferências estrangeiras no país.
A nacionalização do petróleo
À frente do governo iraniano, Mohammed Mossadegh implementou uma série de reformas sociais avançadas. Ele ampliou os direitos trabalhistas, instituiu o seguro-desemprego e ordenou o pagamento de benefícios para trabalhadores doentes ou incapacitados. Também promulgou uma Lei de Reforma Agrária, criminalizou o trabalho forçado e ampliou a oferta de serviços públicos.
Mossadegh buscou fortalecer a autonomia do Parlamento e criar meios legais para reduzir as atribuições do xá Mohammad Reza — fato que o colocou em atrito constante com o monarca e com setores conservadores ligados ao alto clero e à elite fundiária.
Em 1º de maio de 1951, a Lei de Nacionalização do Petróleo proposta por Mossadegh foi aprovada no Parlamento de forma quase unânime. As reservas petrolíferas e as instalações operadas pela britânica AIOC foram transferidas para a Companhia Nacional de Petróleo Iraniana (NIOC).
A nacionalização foi celebrada pelos iranianos como uma vitória histórica da soberania nacional, rompendo com décadas de exploração colonial. Mossadegh foi saudado nas ruas do país como um verdadeiro herói.
No Reino Unido, por outro lado, a medida provocou indignação. O governo britânico reagiu com protestos enérgicos e rompeu relações diplomáticas com o Irã. O país ordenou a retirada de seus técnicos especializados de Abadã e acionou o Irã junto à Corte Internacional de Justiça.
O gabinete de Mossadegh chegou a tentar negociar com as autoridades britânicas, oferecendo um acordo para dividir meio a meio os lucros da exploração petrolífera. Londres rejeitou a oferta, exigindo a restauração de seu monopólio sobre as reservas.
Ainda em 1951, o Reino Unido impôs sanções econômicas contra o Irã, proibiu as exportações de commodities essenciais para o país e organizou um boicote internacional ao petróleo iraniano. As contas e ativos do governo de Teerã também foram congelados pelos bancos britânicos.
As ofensivas do Reino Unido contra o Irã se intensificaram a partir de outubro de 1951, quando o premiê conservador Winston Churchill substituiu o trabalhista Clement Attlee. A Marinha Real passou a bloquear os portos do Irã, evidenciando a ameaça de um conflito militar.
Com sua capacidade desfalcada desde a Segunda Guerra Mundial, o governo britânico tentou convencer os Estados Unidos a apoiarem uma intervenção no Irã. Já envolvido com a Guerra da Coreia, o gabinete do democrata Harry Truman rejeitou a ideia.
Em 1953, entretanto, o republicano Dwight Eisenhower chegou à Casa Branca e Londres conquistou o apoio que desejava para a sua empreitada. Além dos ganhos potenciais para as petrolíferas norte-americanas, Eisenhower considerava que a inércia das potências ocidentais diante de uma nacionalização estimularia outras nações do “Terceiro Mundo” a seguirem o exemplo.
O golpe de 1953
Intitulado “Operação Ajax”, o plano para derrubar o governo de Mohammed Mossadegh foi elaborado em conjunto pela CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) e pelo MI-6 (Serviço de Inteligência Secreto do Reino Unido).
A operação foi coordenada por Donald Wilber e Norman Darbyshire, com apoio dos irmãos John Foster (Secretário de Estados dos EUA) e Allen Dulles (diretor do CIA). Kermit Roosevelt Junior, neto do ex-presidente Theodore Roosevelt, foi o principal executor da operação no terreno.
O plano envolvia a cooptação e o suborno de militares, parlamentares, líderes religiosos e empresários, instruídos a insuflar a oposição contra o primeiro-ministro. Os grandes jornais do país receberam financiamento para publicar matérias diárias atacando Mossadegh, apresentando-o como um líder irresponsável e autoritário, um simpatizante do comunismo que estava levando o país à ruína.
A ideia era culpar Mossadegh pelas consequências das sanções e do bloqueio econômico impostos pelo Reino Unido. O plano deu certo. As dificuldades econômicas e a turbulência política passaram a corroer o apoio popular ao primeiro-ministro e a gerar divisões em sua própria base de sustentação.
Na imprensa internacional, Mossadegh era retratado como um líder autoritário e violento, que buscava se perpetuar no poder atacando as instituições democráticas. Notícias fabricadas para indispor o primeiro-ministro com suas bases foram veiculadas. Agitadores foram acionados para organizar protestos violentos e atentados terroristas contra o governo.
Em 13 de agosto de 1953, o xá Mohammad Reza emitiu decreto real destituindo Mossadegh do cargo de primeiro-ministro e empossando o general Fazlollah Zahedi na função.
O decreto foi apresentado ao chefe de governo dois dias depois, em 15 de agosto, pelo coronel Nematollah Nassiri. Mossadegh ignorou o documento e ordenou a prisão do coronel. Temendo o fracasso do golpe, Mohammad Reza fugiu do país, refugiando-se a princípio no Iraque e depois na Itália.
As agitações continuaram ocorrendo nos dias seguintes e os militantes do partido marxista Tudeh saíram às ruas para defender o mandato de Mossadegh. A presença dos militantes do Tudeh foi falsamente explorada como evidência de conluio entre o primeiro-ministro e o governo de Moscou.
No dia 19 de agosto de 1953, o exército iraniano saiu às ruas para esmagar a manifestação dos apoiadores de Mossadegh. Mais de 300 pessoas morreram na repressão. Ao mesmo tempo, Kermit Roosevelt organizava a marcha dos golpistas em direção ao gabinete do primeiro-ministro.
Tentando impedir um banho de sangue, Mossadegh se entregou aos militares nesse mesmo dia. O general Zahedi assumiu o governo e Allen Dulles, o diretor da CIA, trouxe pessoalmente o xá Mohammad Reza de volta ao Irã em um avião vindo da Itália.
Consequências do golpe
Após o golpe, Mohammed Mossadegh foi preso, julgado por traição e condenado a três anos de cadeia. Ele passaria o resto de sua vida em prisão domiciliar, até sua morte em 1967.
A quartelada possibilitou que o xá Mohammad Reza Pahlavi consolidasse seu poder absoluto, esmagando a experiência democrática que vicejou no Irã entre 1949 e 1953. Apoiado pelo Ocidente, o monarca converteu o Irã em um ditadura brutal, suprimindo os direitos constitucionais, reprimindo violentamente os dissidentes e banindo os partidos e movimentos de oposição.
Com auxílio da CIA e do Mossad israelense, Mohammad Reza organizou a SAVAK, a polícia secreta iraniana, que seria responsável por prender, torturar e assassinar milhares de opositores.
No campo da política externa, o Irã se tornou uma nação subserviente aos interesses ocidentais, entregando o controle de seus recursos energéticos ao capital estrangeiro e servindo como uma plataforma para os projetos estratégicos euramericanos na região do Golfo Pérsico e em todo o Oriente Médio.
As reformas instituídas pelo governo iraniano no âmbito da chamada “Revolução Branca” beneficiaram somente as elites urbanas, excluindo a maior parte da classe trabalhadora. A desigualdade social e a pobreza cresceram, sobretudo nos anos 70, marcados por uma grave crise inflacionária.
A nacionalização do petróleo foi revertida, embora os britânicos não tenham conseguido restaurar seu monopólio. Essa foi uma pré-condição para a participação dos Estados Unidos no golpe. A British Petroleum manteve 40% das reservas e o restante foi dividido entre empresas norte-americanas, holandesas e francesas.
Reza Pahlavi se manteve no poder por 38 anos. A repressão política, a entrega dos recursos nacionais ao Ocidente e a modernização autoritária imposta pelo xá alimentaram um profundo ressentimento popular, pavimentando o caminho para a eclosão da Revolução Iraniana em 1979.























