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Há quatro anos, em 18 de agosto de 2021, falecia o militante socialista e líder camponês Manoel da Conceição. Natural do Maranhão, ele dedicou toda a sua vida a lutar pelos direitos dos trabalhadores rurais e a denunciar os crimes dos grileiros e latifundiários.

Manoel foi responsável por fundar o primeiro sindicato de trabalhadores rurais do Maranhão e liderou uma importante experiência de gestão comunal da terra, baseada no plantio de áreas comuns em regimes de mutirão.

Militante da Ação Popular, o sindicalista se tornou um alvo prioritário dos militares após o golpe de 1964. Encarcerado por mais de três anos, Manoel foi submetido a torturas brutais nos porões da ditadura, sendo libertado somente após uma grande campanha internacional que mobilizou até o Papa Paulo VI.

Após o retorno do exílio, Manoel se tornou membro fundador do PT e primeiro secretário agrário do partido. Ele também ajudou a fundar a CUT, o MST, o CENTRU e uma série de cooperativas camponesas.

A juventude de Manoel e os conflitos agrários no Maranhão

Manoel da Conceição Santos nasceu em 24 de julho de 1935 no povoado de Pirapemas, então parte do município de Coroatá, interior do Maranhão. Ele era o mais velho dos seis filhos de Antônio Raimundo dos Santos e Maria Leotéria Frazão, um casal de camponeses que vivia da agricultura de subsistência.

A família possuía um pequeno lote de terra onde cultivava arroz, milho, mandioca e feijão. Manoel não pôde frequentar a escola, trabalhando desde muito cedo para ajudar a família na lavoura. Ele também era responsável por cuidar dos irmãos mais novos e aprendeu com seu pai o ofício de ferreiro.

Pirapemas era uma típica comunidade rural da região dos Cocais, marcada por uma estrutura fundiária altamente concentrada, com conflitos frequentes pela posse da terra e ação desimpedida de grileiros e latifundiários.

Em 1952, a família de Manoel sofreria um golpe que a privou de sua terra. Antônio Raimundo e outros camponeses foram convencidos a assinar um documento reconhecendo o capitão Luís Soares como o titular das glebas da região. Em 1955, após a morte do capitão, sua viúva, Margarida Soares, exigiu a expulsão de todos os camponeses, alegando que eram invasores.

Os posseiros tentaram resistir, mas acabaram sendo violentamente despejados pela polícia. A família de Manoel buscou então refúgio no povoado de Santa Luzia, em Bacabal, estabelecendo-se em um lote de terras devolutas.

Não demorou para que a família fosse atacada por outro grileiro. Determinado a tomar as terras, Manacé Alves de Castro enviou um grupo de 20 jagunços para expulsar os agricultores. A ação brutal dos pistoleiros deixou cinco pessoas mortas, incluindo um menino de três anos.

Ferido por um tiro na perna, Manoel sobreviveu ao ataque, mas a experiência o marcou pelo resto da vida. Ele decidiu naquele instante que a luta contra os abusos dos fazendeiros seria sua grande missão.

De volta a Pirapemas, Manoel se uniu a 180 famílias para fundar uma associação rural. Os camponeses tentaram retomar as terras roubadas por Margarida Soares, mas foram reprimidos pelas forças policiais em um conflito que deixou oito mortos. Perseguido por jagunços e capangas, Manoel se mudou com a família para a cidade de Pindaré-Mirim.

Líder comunitário e sindical

Manoel já era adulto quando foi alfabetizado. Aos 20 anos, ele se tornou coordenador de uma escola dominical da Assembleia de Deus. Foi um líder atuante na igreja e desenvolveu uma boa oratória, o que o auxiliaria em sua trajetória como líder comunitário. Casou-se nesse mesmo período com Rita Pinto, mãe de seus primeiros dois filhos, Raquel e Manoel Filho.

No início dos anos 60, Manoel frequentou um curso de formação política ministrado pelo Movimento de Educação de Base (MEB). Criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e fortemente inspirado nas ideias de Paulo Freire, o MEB buscava implementar programas de educação popular libertadora nas regiões mais isoladas e pobres do país. Suas ações seguiam a metodologia “Ver, Julgar e Agir”, que valorizava a análise crítica da realidade e o fomento à ação social.

O curso do MEB abordava temas como sindicalismo e cooperativismo, com ênfase na organização comunitária. Convencido de que a capacidade de ler e escrever era um instrumento indispensável para a emancipação dos camponeses, Manoel coordenou um mutirão responsável por construir 28 escolas de alfabetização de adultos e crianças — as chamadas “Escolas João de Barro”, construções simples de madeira, com professores remunerados através de contribuições voluntárias da comunidade.

Em 18 de agosto de 1963, Manoel da Conceição fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais Autônomos de Pindaré-Mirim, o primeiro sindicato de camponeses do Maranhão. A instituição contou com a adesão de centenas de famílias oriundas de vários municípios e povoados vizinhos, tornando-se um importante marco para a organização dos trabalhadores rurais em uma região marcada por conflitos fundiários.

Como primeiro presidente do sindicato, Manoel mobilizou a comunidade a lutar pela reforma agrária. Ele organizou protestos contra a grilagem de terras e denunciou a exploração e a violência promovida pelos latifundiários.

Sob a gestão de Manoel, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais se converteria no epicentro de uma notável iniciativa de organização comunal. Ele criou roças coletivas nas quais os camponeses trabalhavam em regime de mutirão e ajudou a organizar cooperativas para a comercialização dos produtos da agricultura familiar.

O trabalho no sindicato despertou a atenção das Ligas Camponesas, uma das organizações mais combativas na luta pela reforma agrária. Manoel também se aproximaria da Ação Popular (AP), uma agremiação vinculada à esquerda católica, defensora do socialismo humanista.

O dirigente sindical ingressou na Ação Popular em 1967. Muito atuante no movimento estudantil, a AP se voltaria cada vez mais para o trabalho no campo, tornando-se uma efetiva precursora das organizações ligadas à Teologia da Libertação.

Resistência à ditadura

Após o golpe de 1964, as organizações sindicais do Nordeste entraram na mira do regime, sendo rotuladas como potenciais focos de resistência e subversão. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindaré-Mirim sofreu intervenção dos militares e teve sua sede invadida pelas tropas do Exército. Manoel e outras 200 lideranças camponesas foram presas.

O líder maranhense se tornou um dos alvos prioritários do regime, sofrendo nove prisões durante a ditadura militar. Manoel chegou a deixar a região para fugir da perseguição, mas retornou pouco tempo depois, a fim de ajudar a reorganizar a luta camponesa e a pressionar as autoridades a implementarem uma lei sobre o confinamento do gado.

A lei fora prometida por José Sarney em sua campanha para o governo maranhense em 1965. Os fazendeiros tinham o costume de criar o gado solto e os animais frequentemente destruíam as plantações dos camponeses em busca de comida. Sarney recebeu apoio de muitos trabalhadores rurais, mas traiu a categoria assim que chegou ao governo, ignorando as promessas de campanha.

Diante da inércia das autoridades, Manoel adotou uma medida enérgica, criando a política do “gado que come roça leva bala”. Os animais que destruíssem as plantações seriam abatidos e a carne dividida entre os camponeses como compensação.

Manoel da Conceição. Via A Nova Democracia.

Manoel da Conceição. Via A Nova Democracia.

O abate do gado enfureceu os fazendeiros, que enviaram jagunços para atacar os trabalhadores rurais e pressionaram o governo a punir exemplarmente os líderes sindicais.

Em julho de 1968, uma subsede do sindicato foi invadida por policiais. Manoel tentou resistir à invasão, mas foi alvejado com dois tiros de fuzil na perna direita. Ferido, ele foi levado até a cadeia de Pindaré-Mirim, onde ficou encarcerado por seis dias sem receber atendimento médico. Quando o socorro finalmente chegou, a infecção já havia se alastrado e a perna teve de ser amputada.

O ocorrido indignou os camponeses, que organizaram atos de protesto contra o governo. Preocupado com a possibilidade do alvoroço evoluir para uma revolta popular, Sarney procurou o sindicalista para propor um acordo. O governador ofereceu dinheiro, cargos políticos, tratamento médico e uma prótese em troca de apoio. Manoel rejeitou todas as ofertas. Olhando para Sarney, explicou: “Minha perna é a minha classe”.

O tratamento de Manoel seria viabilizado pelos seus companheiros da Ação Popular, que o levaram para receber atendimento em São Paulo e providenciaram a aquisição de uma prótese mecânica.

A tortura nos porões do regime

A crescente repressão da ditadura e os constantes ataques contra o movimento estudantil e a classe trabalhadora levaram a Ação Popular a se radicalizar. Vários membros da organização ingressaram na luta armada contra o regime e alguns dirigentes propuseram que a AP auxiliasse na criação de núcleos de guerrilha.

Acompanhando a evolução da AP, Manoel se tornou um convicto defensor da revolução socialista e da luta armada contra o regime. Em 1970, apoiado pelas correntes maoístas, ele viajou para a China, onde realizou um curso de guerrilha e teoria revolucionária e se encontrou pessoalmente com Mao Zedong, líder da Revolução Chinesa.

De volta ao Brasil, o dirigente sindical intensificou a mobilização dos trabalhadores rurais, liderando a ocupação de latifúndios improdutivos e insuflando a rebelião contra a ditadura. Alarmados com a possível articulação de um movimento insurgente no campo, os militares iniciaram uma devassa na região, prendendo centenas de camponeses.

Capturado em janeiro de 1972 em Tufilândia, Manoel da Conceição foi levado para a cadeia do DOPS em São Luís. No mês seguinte, o sindicalista foi entregue para agentes do DOI-CODI, que o transferiram para o quartel da Polícia do Exército no Rio de Janeiro. Depois, foi encarcerado no Centro de Informações da Marinha (Cenimar).

Manoel foi submetido a sessões brutais de tortura, que se estenderam por sete meses. Ele sofreu espancamentos, choques elétricos e foi amarrado ao pau de arara. Em uma ocasião, o sindicalista foi pendurado em cordas amarradas ao teto e teve o órgão sexual trespassado por um prego. A tortura o deixou com sequelas severas, incluindo a necessidade de utilizar uma sonda para urinar.

Após as torturas no Rio de Janeiro, Manoel foi transferido para o 5º Batalhão de Infantaria de Selva em Fortaleza. Apresentado à Auditoria Militar, foi condenado a três anos de prisão e à cassação dos direitos políticos.

Privados de contato com o sindicalista, os militantes da Ação Popular deram início a uma campanha internacional em favor de sua libertação. A campanha contou com apoio da Anistia Internacional, mobilizando lideranças religiosas do mundo inteiro, que escreveram cartas e abaixo-assinados para pressionar o governo brasileiro.

Libertado em maio de 1975, Manoel foi recepcionado pelo arcebispo dom Aloísio Lorscheider, presidente da CNBB, e encaminhado para tratamento médico em São Paulo, aos cuidados de dom Paulo Evaristo Arns e do pastor presbiteriano Jaime Wright.

A liberdade de Manoel durou pouco. Em outubro de 1975, policiais invadiram a casa onde ele estava hospedado e o levaram para a sede do DOPS em São Paulo. O líder sindical foi novamente espancado e torturado.

Os maus-tratos somente foram interrompidos após a pressão do advogado Mário Carvalho de Jesus e a intervenção do Papa Paulo VI, que enviou um telegrama para o ditador Ernesto Geisel exigindo a libertação do camponês. Solto em dezembro de 1975, Manoel ficaria sob a proteção da Anistia Internacional, que providenciou sua remoção do país.

Exílio e redemocratização

Manoel ficou exilado por três anos em Genebra, na Suíça, onde ajudou a organizar um movimento de refugiados políticos e denunciou os crimes, torturas e assassinatos cometidos pela ditadura brasileira. Ele se casou pela segunda vez, desposando a assistente social Denise Leal, e teve mais uma filha, batizada Mariana Nóbrega.

Entre 1976 e 1978, Manoel realizou uma série de palestras sobre as violações de direitos humanos cometidas por regimes autoritários sul-americanos, visitando vários países. Também publicou o livro “Essa Terra é Nossa”, relatando sua luta pela reforma agrária e sua participação na resistência ao regime.

O livro de Manoel foi traduzido para o francês e teve impacto considerável nos círculos acadêmicos europeus. Suas denúncias também ressoaram junto ao governo holandês, que buscou se distanciar do regime de Ernesto Geisel.

Manoel retornou ao Brasil em outubro de 1979, após a promulgação da Lei da Anistia. Ele logo retornou à luta política, ajudando a reorganizar a Ação Popular e se aproximando das lideranças do Novo Sindicalismo.

Em 1980, Manoel da Conceição se tornou um dos membros fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Ele preencheu a terceira ficha de filiação do PT e foi um dos principais organizadores da agremiação na Região Nordeste. Manoel foi o primeiro secretário agrário e primeiro presidente do partido no estado de Pernambuco. Em 1982, foi o candidato do PT ao governo pernambucano.

O líder camponês teve atuação destacada na defesa da unidade sindical e contribuiu para a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983. Também ajudou a articular o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos estados do Nordeste.

Em Pernambuco, Manoel foi um dos fundadores do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU), organização destinada a oferecer cursos de alfabetização e formação política e a apoiar a auto-organização das comunidades rurais. Ele expandiu a instituição para o Maranhão, fundando o CENTRU de Imperatriz em 1984.

Os últimos anos

Manoel se engajou ativamente na luta pela redemocratização e participou da campanha das Diretas Já. Em 1994, ele se lançou como candidato do PT ao Senado pelo Maranhão, obtendo 110.532 votos. Três anos depois, assumiu o cargo de Coordenador Nacional do CENTRU e foi escolhido como membro do Conselho Nacional dos Seringueiros.

Mesmo sem ocupar cargos eletivos, Manoel seguiu dando importantes contribuições para os trabalhadores rurais, sobretudo no âmbito dos projetos de cooperativismo e economia solidária. Ele fundou o Centro Nacional de Apoio às Populações Tradicionais (CNPT) e participou da criação de várias cooperativas agrícolas.

O dirigente também ajudou a criar a Reserva Extrativista do Ciriaco, a Rede Frutas do Cerrado, a Central de Cooperativas do Maranhão e a União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar de Economia Solidária (Unicafes).

No PT, Manoel se perfilou às alas que reivindicavam a retomada dos princípios socialistas e das bandeiras originais do partido. Em 2011, indignado com a decisão da legenda de apoiar a candidatura de Roseana Sarney ao governo do Maranhão, ele chegou a decretar uma greve de fome.

O líder camponês recebeu inúmeras honrarias, incluindo os títulos de Doutor Honoris Causa da UFMA e da Unisulma e a Comenda Dom Helder Câmara, entregue pelo Senado para pessoas que se destacam na defesa dos direitos humanos. Manoel da Conceição faleceu em Imperatriz no dia 18 de agosto de 2021, aos 86 anos.

O sindicalista foi postumamente homenageado com o lançamento do documentário “Minha Perna, Minha Classe”, dirigido por Arturo Saboia. Em 2024, foi inaugurado em Imperatriz o Instituto Manoel da Conceição, destinado a preservar a memória de seu patrono e a fortalecer a agricultura camponesa.