Sábado, 6 de dezembro de 2025
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Há 59 anos, em 13 de agosto de 1966, o sargento paraense Manoel Raimundo Soares era torturado e assassinado por agentes da ditadura militar brasileira.

Fundador do Movimento dos Sargentos, Manoel se perfilava aos setores progressistas das Forças Armadas, destacando-se como apoiador de João Goulart e Leonel Brizola e defensor do projeto desenvolvimentista e das reformas de base.

Após o golpe de 1964, Manoel se juntou à resistência ao regime. Ele ingressou no Movimento Nacionalista Revolucionário e tentou articular a sublevação dos quartéis da Brigada Militar.

Capturado pelos órgãos repressivos em março de 1966, o sargento foi submetido a meses de torturas brutais, culminando com seu assassinato no episódio conhecido como “Caso das Mãos Amarradas”. Ele foi um dos primeiros opositores assassinados pela ditadura.

Quem foi Manoel Raimundo Soares

Manoel Raimundo Soares nasceu em 15 de março de 1936 em Belém do Pará. Filho de Etelvina Soares dos Santos, ele cresceu em um contexto de privações e dificuldades financeiras e trabalhou desde cedo para ajudar no sustento da casa.

Após cursar o ensino básico no Grupo Escolar Paulino de Brito, Manoel se formou em aprendizagem industrial no Instituto Lauro Sodré, passando a trabalhar em uma oficina mecânica. Aos 17 anos, em busca de melhores oportunidades, ele se mudou para o Rio de Janeiro.

Em 1955, Manoel ingressou no exército, onde estabeleceria uma carreira bem sucedida, alcançando o posto de segundo-sargento após quatro promoções. Ainda em 1955, ele se casou com a operária industrial Elisabeth Chalupp.

No exército, Manoel se dedicou aos estudos e desenvolveu uma visão crítica sobre os problemas sociais do Brasil. Politizado e culto, o jovem se tornou bastante influente entre os companheiros de farda. Perfilava-se aos setores progressistas dos militares, defendendo bandeiras como a democratização das Forças Armadas e a organização sindical dos suboficiais do exército.

Manoel foi um dos fundadores e um dos principais líderes do chamado “Movimento dos Sargentos” — iniciativa que visava mobilizar os militares de baixa patente na defesa do governo de João Goulart, da aprovação das reformas de base e do projeto político trabalhista. Era também um grande admirador das ideias de Leonel Brizola, então o principal articulador da esquerda nacionalista.

A resistência ao golpe de 1964

A defesa do governo de Goulart custou a Manoel várias retaliações. Em meados de 1963, após participar de um ato no Sindicato dos Comerciários, o sargento recebeu uma pena disciplinar e foi transferido do Rio de Janeiro para o Mato Grosso. Ele também foi alvo de um inquérito que o acusava de desviar armas e tentar “subverter” os soldados.

Logo após golpe militar de 1964, o sargento teve sua prisão decretada. Seus direitos políticos foram cassados após promulgação do Ato Institucional nº. 1 e sua expulsão do exército foi oficializada dois meses após o golpe. Para evitar a prisão, Manoel fugiu do quartel, acompanhado do sargento Araken Galvão, passando a viver na clandestinidade.

Após se refugiar em Minas Gerais, Manoel se deslocou até o Rio Grande do Sul, visando integrar a resistência armada à ditadura, encampada por suboficiais nacionalistas ligados a Brizola.

Manoel ingressou no Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), organização responsável por conduzir a Guerrilha de Três Passos, travada contra a ditadura em março de 1965. Ele participou da articulação de dois levantes de quartéis da brigada militar e do exército no Rio Grande do Sul, mas as sublevações foram descobertas e neutralizadas pela ditadura ainda na fase inicial.

Manoel Raimundo Soares
Memorial da Democracia

Prisão, tortura e assassinato

Manoel foi preso em Porto Alegre em 11 de março de 1966, enquanto distribuía panfletos contra a ditadura junto ao Auditório Araújo Viana. Ele havia sido denunciado por Edu Rodrigues, um colaborador da repressão que fingia apoiar a resistência.

O sargento foi levado à sede da Polícia do Exército e posteriormente transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), onde foi brutalmente torturado por nove dias seguidos. Manoel foi submetido ao pau-de-arara, choques elétricos, espancamentos e queimaduras, mas se negou a delatar seus companheiros.

Em 19 de março de 1966, por ordem do delegado Itamar Fernandes de Souza, Manoel foi enviado para a Ilha do Presídio, no Rio Guaíba, onde ficaria incomunicável até sua morte.

Graças ao auxílio dos carcereiros, o militar conseguiu enviar cartas para sua esposa, denunciando os abusos a que estava sendo submetido e identificando dois de seus torturadores: o primeiro tenente-intendente Luiz Alberto Nunes de Souza e o segundo-sargento Joaquim Athos Ramos Pedros.

Em 13 de agosto de 1966, o delegado José Morsch entregou Manoel para os agentes do DOPS. O sargento foi levado em um jipe até o Rio Jacuí, onde os torturadores o submeteram a sessões de afogamento. Como continuou se negando a delatar seus companheiros, Manoel foi torturado até a morte. Ele tinha 30 anos.

O “Caso das Mãos Amarradas”

O corpo de Manoel foi descoberto 11 dias depois, com os pés e as mãos atadas, boiando nas águas da Ilha das Flores, subúrbio de Porto Alegre. A descoberta do corpo originou o chamado “Caso das Mãos Amarradas”, que chocou a opinião pública e evidenciou o uso de tortura e de execuções extrajudiciais contra opositores do governo.

Manoel foi sepultado no Cemitério São Miguel e Almas. Uma multidão comovida acompanhou o cortejo fúnebre e gritos de “assassinos” foram dirigidos aos policiais que vigiavam o ato.

Visando mascarar a responsabilidade do regime pelo assassinato, o inquérito produzido pela investigação policial concluiu que Manoel fora executado por seus próprios companheiros de luta — versão que foi amplamente divulgada pela grande imprensa.

O relatório produzido pelo Ministério Público contrariou o inquérito policial. O documento apontou o major Luiz Carlos Menna Barreto e os delegados José Morsch, Enir Barcelos da Silva e Itamar Fernandes de Souza como responsáveis pela morte de Manoel.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no mesmo período pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul chegou a conclusões semelhantes, indicando os nomes de Luiz Carlos Menna Barreto, José Morsch e Itamar Fernandes de Souza como responsáveis pelo assassinato.

Novos testemunhos surgiram nos anos seguintes, incluindo o do tenente da Aeronáutica Mário Ranciaro, confirmando a responsabilidade do regime. Os envolvidos, entretanto, nunca foram punidos ou sequer indiciados.

Elisabeth, a viúva de Manoel, ajuizou ação indenizatória contra a União pelo assassinato de seu marido. Em 2005, após tramitar por mais de 30 anos, a ação foi julgada como procedente, mas Elisabeth faleceu antes de receber a indenização. O processo criminal, por sua vez, caducou.

O relatório produzido pela Comissão Nacional da Verdade em 2014 concluiu que Manoel Raimundo Soares morreu em decorrência da ação do Estado brasileiro. Ele é reconhecido, portanto, como um dos primeiros opositores assassinados pelos aparelhos repressivos da ditadura.

Em 2011, Manoel foi homenageado com a instalação de um monumento evocando o “Caso das Mãos Amarradas”. A escultura foi produzida pela artista Cristina Pozzobon e instalada às margens do Rio Guaíba.